O pai da psicanálise, Sigmund Freud, não concebia uma vida sem trabalho que trouxesse conforto. O médico judeu via imaginação e trabalho como parceiros indissociáveis. Mais de um século depois, discípulos de sua teoria recebem nos consultórios muitos pacientes que têm o trabalho diário como motivo de distúrbios psíquicos. Em Minas, autoridades da Justiça são os mais novos acometidos pelo problema. Ao perceber um aumento no número de juízes, promotores, procuradores e advogados com enfermidades da mente, a psicanalista do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) Judith Albuquerque reuniu especialistas e fundou o Grupo de Estudos sobre Saúde Mental no Âmbito do Judiciário (Gesam), que será lançado na sexta-feira, em Juiz de Fora.
“A sociedade não tem mais onde recorrer e sobrecarrega muito o Judiciário, não só pelo volume. O juiz tem sido chamado a ocupar um papel que era mais da autoridade paterna e isso tem um peso muito grande. Eles não estão preparados para lidar com o psicológico das pessoas, estão treinados para lidar com a questão jurídica”, ressalta Judith.
Judith diz ainda diz que os magistrados estão em meio ao caos de um mundo onde todos são considerados doentes e tomam remédio. “O campo da saúde mental é muito complexo. Um ambiente tenso, que solicita muito, fragiliza a estrutura psíquica”, completa. Por isso, a formação do Gesam foi apresentada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e também presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa. Um grupo de trabalho do conselho deve propor uma atuação nesse sentido, e os fundadores do Gesam esperam que o ministro apoie a ideia.
“Nós não temos um levantamento específico sobre questões de ordem psiquiátrica. Sabemos que a tensão no trabalho diário começa a trazer perturbação. Queremos fazer um diagnóstico para saber em que nível isso está nos alcançando para que possamos adotar medidas de auxílio a esses colegas”, afirma o promotor de Justiça e diretor de Saúde da Associação Mineira do Ministério Público, Edson Baeta. Segundo ele, atualmente, quem tem problemas procura auxílio particular “por sua conta e risco”, sem que a instituição esteja ciente. “Alguns fazem tratamento e melhoram. Outros não. Há casos, inclusive, de aposentadoria por invalidez”, explica Baeta.
No fogo cruzado
Os advogados são considerados um caso peculiar no universo de autoridades estudadas pelo Gesam. Profissionais liberais, eles têm jornadas excessivas de trabalho e lidam diretamente com os clientes e seus problemas. Visto como o canal para a solução de um litígio, o advogado acaba mergulhando em questões que desencadeiam um processo de desgaste. É assim que a especialista e professora de direito do trabalho e coordenadora da Escola Superior de Advocacia da OAB, Andréa Vasconcellos, descreve o cenário em que os defensores estão inseridos. “Muitas vezes, o problema não é só técnico, e o advogado não está preparado para resolver a questão pessoal do cliente”, explica. “Eles somatizam o problema e apresentam gastrite, por exemplo. A demanda é grande por assistência. Os advogados não estão dando conta de trabalhar tanto.”