A reportagem do Estado de Minas visitou na semana passada uma comunidade rural em Francisco Sá – cidade de 23,6 mil habitantes, a 472 quilômetros de Belo Horizonte, no Norte de Minas – e presenciou a merenda dos alunos: macarrão com ovo. No dia anterior, tinha sido fornecido feijão com arroz, segundo relatos dos alunos. As reclamações estão na ponta da língua: a vontade de comer carne e frutas e o simples ato de repetir o prato.
Como ele, cerca de 20 estudantes transportados de comunidades rurais fazem na escola aquela que deve ser a principal refeição do dia. No cardápio afixado na cantina, alimentos variados para cada dia da semana. Mas, segundo uma funcionária, nem sempre é seguido o que está no papel. “Muitas vezes, as coisas que a gente solicita não vêm e não temos como seguir o que está escrito. Aí, temos que apelar para a criatividade”, disse ela. Frango e carne são uma raridade na despensa.
ALIMENTO ESTRAGADO A nutricionista responsável pela merenda na cidade, Ane Camila Silva Campos, disse que a alimentação vem sendo fornecida normalmente em toda rede pública do município, que tem cerca 1,6 mil alunos (incluindo as creches). Por outro lado, ela alegou que o dinheiro enviado pelo governo federal é insuficiente para adquirir os mantimentos da merenda escolar.
Pior é quando o mantimento vem estragado. Essa realidade já foi vivida por uma escola da rede municipal de Belo Horizonte voltada para a educação infantil. “Às vezes, chega carne que a gente não tem coragem de dar nem para um cachorro”, diz a supervisora. Assim como carne, a escola já teve problema com legumes estragados. “Não sei se o problema é que o dinheiro é tão pouco, que não dá para comprar alimentos de qualidade”, avalia. E ela conta que o cardápio elaborado por nutricionistas nem sempre sai do papel, por falta dos alimentos. Fruta, por exemplo, só mamão, melancia e banana. “Outro dia questionamos uma nutricionista que veio avaliar a merenda: ‘Cadê a pera? Cadê a mexerica? Nunca tem’”, conta ela.
‘TUDO CONTADO’ Um lanche que custa, no máximo, R$ 0,44 é o que tem direito, por dia, cada um dos meninos e meninas de uma escola pública em Águas Lindas de Goiás, no entorno de Brasília.
Com a prestação de contas nas mãos, ela comprova que recebe R$ 0,14 do governo estadual e R$ 0,30 da esfera federal. Neste mês, Núbia teve que se virar com R$ 11.919,60 para alimentar 1.290 alunos nos 21 dias letivos. “Não posso gastar nem um centavo a mais. É difícil a gente ficar devendo ao governo. Mas eles sempre ficam devendo para a gente”, reforçou.
A escola atende a jovens tanto do ensino fundamental quanto do médio. Estudante do 6º ano, Naelly Leite de Souza, de 12, come todo dia o lanche da escola, mas tem preferência pelo prato da segunda-feira: arroz doce. O cardápio de terça-feira a sexta-feira é: cuscuz com ovo, baião de dois, pão com sardinha e iogurte, apenas. Aluna do 1º ano do ensino médio, Crislayne Karielen, de 16, elogia a merenda da escola. “Todo dia é muito bom”, disse.
Na sexta-feira, a escola fez um lanche especial no evento em homenagem ao Dia das Mães. Depois de servir às convidadas, alguns meninos e meninas tiveram a sorte de saborear cachorro-quente e suco. “Não tem para todo mundo. Isso a gente conseguiu de doação”, avisou Núbia.
MARCHA DE PREFEITOS A merenda escolar será um dos temas tratados nesta semana em Brasília, durante a Marcha Nacional dos Prefeitos, promovida pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Uma das reivindicações é um reajuste no valor do repasse, que, segundo o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, é o mesmo desde 2011. “O que você compra com R$ 0,30 por dia? Não dá nem para um pãozinho francês e uma água”, reclama.
Para o presidente da CNM, nas atuais condições, o convênio com a União para receber o recurso acaba fazendo com que o município gaste ainda mais com a merenda. “A refeição exigida não é um pedacinho de pão com café. Além do cardápio mais elaborado, o convênio exige salas próprias para armazenamento dos alimentos, nutricionista, uma série de coisas que torna ainda mais cara a alimentação”, diz. E para piorar, ele lembra que quem não tem condições de seguir todas as exigências acaba respondendo a processos no Tribunal de Contas da União (TCU). .