Todos os dias a cena se repete numa escola pública de Francisco Sá, pequena cidade do Norte de Minas: por volta das 15h30, crianças fazem uma enorme fila para receber a merenda preparada na cantina. Nas panelas, arroz temperado com salsicha ou macarrão sem molho com ovo. Mais ou menos no mesmo horário, em Vitória, Espírito Santo, os 31 deputados estaduais têm à disposição durante as reuniões de plenário frutas da estação, sucos, bolos e sanduíches recheados com queijo branco e peito de peru light, entre outras guloseimas. Os cardápios tão diferentes são apenas um exemplo da disparidade encontrada entre a merenda escolar servida aos estudantes do ensino público de todo o Brasil e o lanche degustado pelas autoridades em diversos órgãos públicos. Se para as crianças o custo per capita de cada refeição varia de R$ 0,30 a R$ 1 – de acordo com a idade e tempo de permanência na escola –, para autoridades pode chegar a valor bem superior, como R$ 22 no caso de cada parlamentar capixaba.
Do bolso do contribuinte para o prato das autoridades vão milhares de reais a cada mês. No Espírito Santo, pregão lançado no início deste ano prevê um gasto de R$ 81.872,28 para fornecimento de refeições para “suprir as demandas das sessões plenárias ordinárias e eventuais sessões plenárias extraordinárias, principalmente em ocasiões em que os parlamentares, por questões regimentais, permanecem por longo período em plenário sem poder se ausentar”, diz o edital.
Os 24 deputados de Roraima também não podem se queixar.
A chamada “vaquinha” também foi usada durante muito tempo pelos vereadores de Campinas (SP) para se alimentarem durante as jornadas de trabalho. Eles juntavam uns trocados para comprar pão, mortadela, presunto, queijo e refrigerantes, o que dava um gasto total de cerca de R$ 50, segundo informações dos próprios parlamentares. A partir do ano passado, no entanto, eles deram um jeitinho de economizar e melhorar o cardápio: lançaram um edital para fornecimento de lanche durante as sessões.
Em Brasília, o longo período das reuniões motivou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a licitar, em junho do ano passado, lanches para os seus 14 conselheiros durante 15 reuniões de comissões, 25 sessões plenárias e cinco eventos especiais ao custo estimado de R$ 31.457,25. Há menus para café da manhã, chá, intervalo, coffe break, lanche e brunch, que incluem chá e leite, bolo, granola, iogurte, salada de frutas, cesta de minipães variados, geleias, tábua de queijos e frios, requeijão, biscoitos, salgados “sem frituras”, refrigerantes “de boa qualidade” e massas.
Com validade de um ano, o contrato do CNMP dá sequência a outro assinado em 2012, cuja justificativa dizia que o fornecimento dos alimentos é “essencial” para a realização das reuniões plenárias do CNMP. A alegação é que os conselheiros iniciam o trabalho às 9h e terminam às 20h, muitas vezes com mais de nove horas contínuas de jornada, “imersos em atividades ligadas diretamente às finalidades institucionais e constitucionais” do órgão.
HORA-EXTRA Se a hora-extra é justificativa para a compra de boa parte dos quitutes servidos aos agentes públicos, há crianças que preferem ficar na escola por mais tempo só para ter o que comer. É o que presenciou a diretora de uma escola da periferia de Belo Horizonte. “Tinha meninos que estudavam à tarde e vinham na escola de manhã para lanchar. O que eu ia fazer? Negar comida para o aluno que não tem o que comer em casa porque ele estava fora do horário? Então chamamos os pais e falamos para matriculá-lo no tempo integral”, conta ela, que preferiu não ter o nome identificado.
A sugestão da educadora tem motivo: aumentar o repasse de verbas para a merenda. É que as escolas de ensino fundamental, médio e educação de jovens e adultos recebem o correspondente a R$ 0,30 para cada aluno.
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