Victor não reclamou do fato de sair de casa sem se alimentar e disse que
também “não gosta muito” de merendar na escola. Assim – disse, tem dia que
passa 12 horas sem comer, almoçando às 15 horas, quando retorna para a casa.
A reclamação dele é contra o desconforto da viagem até Buritizeiro. “Na estrada faz muito frio. As janelas do ônibus se abrem sozinhas e entra poeira.Os bancos são muitos duros e isso dificulta para a gente dormir”, lamenta. “Na escola, a gente fica com um pouco de sono”, completa.
Flabert Aparecido Coutinho Santos, de 15, o irmão mais velho de Victor, também reclama das dificuldades para estudar. “Dentro do ônibus a gente não dorme direito.
Irmão de Flabert e Victor, o garoto Fagner Santos Coutinho, de 13, matriculado no sexto ano, com timidez, falou pouco sobre a luta que enfrenta para chegar a escola. Contudo, reclamou que, as vezes, o ônibus quebra e demora a fazer a viagem de volta após a aula, que termina às 11 horas. Quando isso ocorre, os alunos sofrem mais ainda, ficando sem alimentação. “Ás vezes, compro uma pipoca em barzinho perto da escola”, relata Fagner, explicando como consegue “driblar” a fome. Ele disse que ainda não sabe que profissão pretende seguir.
Também morador da Fazenda Chaparral, Breno Carvalho Soares, de 12, do sétimo ano e integrante de uma família de sete irmãos, informa que acorda entre dois e meia e da madrugada para chegar o ônibus que vai levá-lo a escola na cidade. Ele disse que toma café antes da viagem e que, de vez em quando, leva uma fruta na mochila. “Realmente, o horário é muito puxado”, diz Breno, que sonha em ser veterinário.
Já Gesiele Nascimento da Silva, de 18 anos, estudante do terceiro ano do ensino fundamental, moradora da comunidade de Xupé, acorda às 3h45min e retorna quando aproxima de 3 da tarde. Não se alimenta antes de pegar a estrada, tendo que esperar pela merenda, servida ás 9h30min na escola. “O sacrifício vai valer a pena para o sucesso do meu futuro. Pretendo me formar em engenheira mecatrônica ou advogada”, garante Gesiele.
O motorista do ônibus, Paulo Rodrigues dos Santos, de 50, também encara sacrifício.
Palavra de especialista
Maria Cleonice Mendes, professora e mestre em
Educação, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)
O sacrifício de ter que acordar de madrugada e encarar o desconforto – ou a gonia – de ônibus caindo aos pedaços e estradas de terra mal conservadas – dificulta o aprendizado dos alunos. A opinião é da professora Maria Cleonice Mendes de Souza, “A situação desses alunos que acordam antes de quatro da madrugada e vão para escola sem receber nenhuma alimentação é uma coisa impiedosa. É claro que isso dificulta o aprendizado. Mas não podemos usar isso como desculpa para não educar esses alunos. Os professores precisam ter um preparo psicológico para receber esse tipo de situação”, afirma a especialista. “Esses alunos já chegam á escola desmotivados. Então, os professores devem estimulá-los.
ritual desse como se fosse um teatro. O nossos sistema educacional é falho por permitir uma situação dessa. É preciso melhorar as condições das escolas e também assegurar aos professores condições para reverter o quadro”, observa Maria Cleonice Mendes.
PREFEITURA CULPA EXTENSÃO TERRITORIAL A grande extensão territorial do município, a disponibilidade de poucas escolas rurais e limitação de recursos são os motivos alegados pela prefeitura de Buritizeiro pelo fato de alunos da zona rural serem obrigados acordar de madrugada e enfrentar longas viagens para chegar à escola.
Situação semelhante ocorre em outros municípios de grande extensão
territorial.
O chefe de Gabinete da Prefeitura de Buritizeiro, Orígenes Pereira, alega que é o terceiro maior em extensão territorial de Minas Gerais , com 7.225 km2, e conta somente com três distritos (Sambaíba, Cachoeira da Manteiga e Paredão de Minas), onde existem escolas de ensino fundamental e médio.
Lembra que existem alunos em áreas isoladas, longe da sede ou dos distritos, como a Fazenda Chaparral, visitada pela reportagem. “Mas, o número de alunos desses locais é pequeno e tem como o município criar escolas para atender uma quantidade pequena de alunos. Para colocar todo mundo na escola, temos que recorrer ao transporte escolar’, observa o representante da prefeitura.
Ele disse que, por causa da grande extensão territorial, os veículos do transporte escolar de Buritizeiro rodam 4.053 quilômetros por dia, sendo mantidas 43 linhas. Orígenes Pereira salientou ainda que, em algumas séries, as escolas do município só oferecem aulas no turno da manhã, o que gera a situação em que os alunos de comunidades rurais são obrigados a acordar no meio da madrugada para pegar a estrada rumo à sala de aula. O chefe de gabinete disse ainda que somente com o transporte escolar a prefeitura gasta cerca de R$ 2 milhões por ano, recebendo contrapartida dos governos
Estadual e Federal muito inferior ao custo do serviço, o que também ocorre com a merenda, disse. “Aplicamos na educação muito mais do que 25% exigidos por lei, mas o que recebemos dos governos é pouco”, disse.
SITUAÇÃO EM OUTROS MUNICÍPIOS João Pinheiro (Noroeste do estado),de 45,6 mil habitantes, o maior município em extensão territorial de Minas (e 12º do Brasil), com 10.717 Km2, também enfrenta dificuldades para manutenção do transporte escolar. Segundo o secretário de Educação de João Pinheiro, Sebastião Menezes, os veículos das 56 linhas do transporte escolar do município percorrem 8,9 mil quilômetros por dia e são transportados 1.500 alunos da rede publica.
O secretário também disse que no município ocorre a situação de alunos saírem de casa por volta de 4 e meia da madrugada e só retornarem depois de duas da tarde. Ou seja, eles permanecem, dentro dos ônibus por tempo igual ou superior à duração das aulas. “É até uma covardia deixar os alunos durante esse tempo todo dentro dos veiculo. Mas, é uma situação que, sozinhos, não temos como ajudar”, disse Menezes, que responsabiliza o próprio sistema de educacional e a extensão territorial.
Ele disse que a luta enfrentada pelos alunos geram reclamações constantes por parte das famílias. “Os alunos faltam muito à escola e também existem alunos que não suportam o sacrifício e acabam abandonando a escola, aumentando a evasão. Também existem casos de pais que deixam as fazendas e mudam para a área urbana”, disse o secretário. Ele alerta que a situação tende a se agravar a partir de 2016, quando será obrigatório que toda criança a partir de quatro anos esteja na matriculado no ensino infantil. “A única solução é o governo aumentar os investimentos na educação e destinar mais verbas para os municípios”, sugere.
O secretário de João Pinheiro afirmou que a Prefeitura melhorou a merenda escolar, contando com um cardápio balanceado e fornecendo uma refeição a mais para os alunos transportados da zona rural. Para isso, o município complementa a verba que recebe do governo federal destinada a merenda. “O problema é que,para complementar o dinheiro da merenda e oferecer uma alimentação de qualidade a prefeitura tem que tirar de outras áreas das educação, deixando de fazer outros investimentos como na infraestrutura da escola e na própria remuneração dos professores’, comenta.
A mesma situação é verificada em Unaí – 77,6 mil habitantes, o segundo maior município mineiro, com 8.492 km2, situado no Noroeste de Minas, já no entorno de Brasilia, Conforme dados fornecidos pela Prefeitura de Unaí, os eículos das 125 linhas do transporte escolar rodam 11.630 quilômetros por dia e carregamm 4.550 alunos, dos quais entre 25% e 30% deles percorrem longas distâncias (mais de 80 quilômetros) na zona rural para chegar até a escola. A prefeitura informou ainda que gasta R$ 7,134 milhões por ano para manter o transporte, recebendo R$ 1 milhão do Governo Federal e R$ 401,4 mil para o custeio do serviço.
A secretária municipal de Educação de Unaí, Francisca Ferreira Peres, informou que como, alternativa para diminuir o tempo de viagem dos alunos da zona rural até a escola, no início deste ano, criou linhas secundárias, com ônibus que só rodam nos chamados “galhos’, que levam os alunos das fazendas e pequenas comunidades até as linhas principais, das rodovias ou estradas vicinais. Já foram criadas três linhas dos ‘galhos’. Só que elas representam um custo adicional para o município, de R$ 5 mil a mais por mês, cada uma. A secretaria disse que ainda que a prefeitura completa o valor recebido para os gastos da alimentação escolar e ‘complementa o que for suficiente para oferecer uma merenda de qualidade".