Brasília – As recentes condenações proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contra parlamentares fez reacender no Congresso, mesmo que de forma velada, o debate sobre o fim do foro privilegiado. Os projetos que tratam do assunto continuam paralisados nas comissões, em função da proximidade das eleições, mas a expectativa é de que o assunto seja enfrentado no começo da próxima legislatura. Hoje, todos os 513 deputados federais e 81 senadores têm como foro em matérias criminais o Supremo Tribunal Federal (STF). Além deles, ministros de Estado, integrantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o presidente da República, entre outras autoridades, só podem ser julgados pela Suprema Corte.
Até 2010, quando o STF condenou pela primeira vez um deputado desde a promulgação da Constituição, os parlamentares não demonstravam qualquer incômodo com o fato de serem submetidos ao mais alto tribunal do país. Naquele ano, o Supremo sentenciou o então deputado José Gerardo (PMDB-CE) por crime de responsabilidade, mas converteu a pena em prestação de serviços comunitários e no pagamento de 50 salários mínimos. Depois, outras condenações vieram. As mais emblemáticas foram as do deputado Natan Donadon (sem partido-RO) – que perdeu o mandato e está preso no Complexo da Papuda – e dos quatro parlamentares do julgamento do mensalão: José Genoino (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). No rol de sentenciados e presos da Ação Penal 470, figuraram também ex-deputados como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
Atualmente, 18 projetos que tratam do foro privilegiado tramitam na Câmara dos Deputados, dos quais pelo menos seis propostas de emenda à Constituição (PECs) estabelecem o fim do foro por prerrogativa de função. Na avaliação do secretário-geral da Mesa da Câmara, Mozart Vianna, há uma vontade expressada por uma parte considerável de deputados no sentido de se extinguir o foro. No entanto, ele admite que neste momento pré-eleitoral não tem havido manifestações políticas em prol de mudança. “Já houve momento em que para processar um deputado era preciso pedir licença ao Congresso. Agora, as pessoas até deixam o mandato para serem julgadas pela primeira instância”, observou.
Alguns ministros do STF têm se manifestado publicamente pelo fim do foro. Um deles é Luís Roberto Barroso, para quem não é próprio que a Suprema Corte trabalhe como um tribunal penal de primeira instância, encarregada de apurar fatos, ouvir testemunhas e produzir provas. “Uma Corte como o Supremo deve ser de teses jurídicas”, destaca. Além disso, o ministro avalia que o foro acarreta prejuízo ao processado, uma vez que impede o chamado duplo grau de jurisdição – que é a possibilidade de o réu ser julgado em mais de uma instância.
Barroso sugere como solução a criação de uma vara federal específica para o julgamento de autoridades, com sede em Brasília, e cujo titular seja escolhido pelo Supremo. Contra a decisão dessa vara, caberia recurso ao STF. “Acho que mandar esses julgamentos para a Justiça Estadual de primeiro grau ofereceria o risco de influência política de autoridades locais e de caráter persecutório”, pondera.
Em recente entrevista à imprensa, o ministro do STF Marco Aurélio Mello também defendeu o fim do foro privilegiado. Ele, porém, considera que os julgamentos de autoridades devem acontecer nos tribunais de primeira instância, sem distinção com o cidadão comum. “O argumento (para o foro privilegiado) é que é para proteger o cargo. Mas nós não julgamos cargo. Julgamos o cidadão”, frisou Marco Aurélio.
Autor da PEC 312/2013, que extingue o foro por prerrogativa de função, o deputado Marcos Rogério (PDT-RO) disse que estuda a possibilidade de retirar a proposta, que está “apensada” a outros projetos semelhantes que tratam do assunto. “Estou um pouco convencido de que o foro não é privilegiado, atualmente não é mais. Hoje, o Supremo tem sido mais ágil. Tenho avaliado a minha posição considerando essa nova sistemática do Supremo”, comentou o parlamentar, que havia apresentado a proposta sob o argumento de igualar o deputado ao cidadão comum, por meio da possibilidade de julgamento pela Justiça de primeira instância.
O pedetista conta que encomendou um levantamento para constatar em que juizado as ações tramitam mais rapidamente. Ele contou que, a partir do resultado, seja qual for, ele se posicionará de acordo com “o caminho mais favorável à população”. “Não vou me servir ao papel de defender uma PEC para que os deputados tenham vantagem”, afirmou.