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Estado de Minas

Decisão de Barbosa de deixar STF causa estranheza entre a magistratura

Polêmico, assim como foi em toda a sua gestão à frente do STF, Joaquim Barbosa anunciou que deixa o STF em junho, cinco meses antes do prazo


postado em 30/05/2014 06:00 / atualizado em 30/05/2014 07:50

"Sai da minha vida a Ação Penal 470 e espero que saia da de vocês. Chega deste assunto", Joaquim Barbosa, presidente do STF (foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)
Com seu estilo polêmico, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, 59 anos, anunciou ontem, em pouco mais de dois minutos, ao abrir sessão da Corte, que deixa a Presidência da Corte e sua cadeira no tribunal até o fim de junho. Sem apresentar justificativa, surpreendeu os ministros presentes. Joaquim Barbosa, que entrou para a história brasileira como relator do processo do mensalão, não foi poupado de crítica nem mesmo no momento de sua saída. Após o anúncio, dos 11 ministros, apenas Marco Aurélio Mello se manifestou para dizer que não consegue compreender como se vira as costas para uma cadeira no Supremo, e atribuiu a decisão à saúde debilitada do colega.

Para diversas entidades de classe dos juízes, Joaquim Barbosa, não deixou boas lembranças, porque “cortou o diálogo com a classe e tinha postura antidemocrática”. A nota de insatisfação com a atual Presidência do STF foi assinada em conjunto pela Associação dos Magistrados Brasileiros (Amagis), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

A única voz destoante foi a do Ministério Público Federal (MPF). Durante a sessão da Corte, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, lamentou a decisão e exaltou a importância de Barbosa para o MPF, que deixou para ocupar a vaga no Supremo em 2003, por indicação do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Fica aqui o protesto pela saída prematura e fica o agradecimento do Ministério Público brasileiro. No ver do Ministério Público, é incorreta a decisão de se ausentar desse honroso cargo”, disse.

Peregrinação

Pela manhã, Barbosa iniciou uma peregrinação pela Presidência da República, Senado e Congresso para anunciar sua decisão, antes mesmo de comunicá-las aos colegas. A conversa com a presidente Dilma Rousseff, a sós, também foi breve como o anúncio formal e durou pouco mais de 15 minutos. À presidente, Barbosa pediu apenas reserva e confidenciou o desejo de viajar após a aposentadoria. A reserva sobre o assunto foi esquecida no encontro com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que fez o anuncio logo depois da decisão do ministro, e também com Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), presidente da Câmara, que confirmou a informação.

Calheiros preferiu desconhecer os diversos embates entre Barbosa e o Legislativo e afirmou: “Sentimos muito, porque é uma das melhores personalidades do país. Estamos muito tristes”. Alves, visitado em seguida, escorregou: “Foi um mandato importante, polêmico, mas com uma conduta muito responsável. Desejei-lhe boa sorte na nova vida que vai iniciar”.

Logo após o anúncio da saída, especulações circularam sobre uma possível candidatura de Barbosa nas próximas eleições, fomentada por posição de destaque em pesquisas eleitorais. No entanto, o ministro Marco Aurélio pôs uma pá de cal nessa hipótese, lembrando que, para isso, o presidente teria que ter deixado a função até 4 de abril, seis meses antes do pleito.

'Fecundo'

Ao comunicar sua decisão à Corte, Barbosa ressaltou que sua decisão foi tomada depois de 41 anos de serviço público. “Tive a felicidade, a satisfação e a alegria de compor esta Corte no que é, talvez, o seu momento mais fecundo, de maior criatividade e importância no cenário político institucional do nosso país. Sinto-me deveras honrado de ter feito parte deste colegiado e de ter convivido com diversas composições – e, evidentemente, com a atual composição do STF. Agradeço a todos, meu muito obrigado”, finalizou. Em entrevista, o ministro afirmou que o assunto “mensalão” está “completamente superado”. “Sai da minha vida a Ação Penal 470 (julgamento do mensalão) e espero que saia da de vocês (jornalistas). Chega deste assunto”, disse ele. Desde o início do ano, Barbosa vem manifestando seu desejo de deixar o STF, mas sempre negou que tivesse pretensões eleitorais.

Marco Aurélio Mello pediu a palavra, em razão da ausência de Celso de Mello, o ministro mais antigo do tribunal. “Penso que devemos ocupar a cadeira até a undécima hora, mas compreendo, já que estou muito acostumado a viver com a divergência, a decisão tomada a partir do próprio estado de saúde de Vossa Excelência”. Suavizou o tom ao dizer “Vossa Excelência”. “Veio a ser relator de uma ação penal importantíssima na qual o Supremo, como colegiado, acabou por reafirmar que a lei é para todos indistintamente, e que processo em si não tem capa, tem conteúdo. E que não se agradece este ou aquele ato a partir da ocupação da cadeira no Supremo. Refiro-me à Ação Penal 470, que foi julgada acima de tudo pelo Supremo como colegiado.”

Sucessão

O sucessor de Joaquim Barbosa na presidência é o seu desafeto Ricardo Lewandowski, vice-presidente da Corte, com quem teve duros embates durante o julgamento do processo do mensalão – que durou um ano e meio e condenou 24 réus, entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino, além do delator do esquema Roberto Jefferson. A vice-presidência fica com a ministra Cármem Lúcia, que também não foi poupada dos arroubos de ira de Barbosa. O magistrado está na Presidência do tribunal desde novembro de 2012, e seu mandato só terminaria em novembro. No entanto, o STF terá de decidir se a substituição será apenas em um mandato tampão ou definitiva. Isso porque Lewandowski sucederia Barbosa em razão de acordo que indica ao cargo o mais antigo ministro que não tenha exercido a função.

 


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