No transporte coletivo de qualidade, reivindicação que ensejou as demais manifestações no país, o governo tem números que impressionam, mas poucas realizações concretas para mostrar. Dos R$ 50 bilhões anunciados dentro do Pacto da Mobilidade Urbana, lançado como resposta aos protestos, R$ 29 bilhões já têm destinação definida: 114 obras e 97 estudos e projetos a serem elaborados, prioritariamente em oito regiões metropolitanas e municípios com mais de 700 mil habitantes. O Ministério das Cidades não informou, entretanto, em que fase estão as ações financiadas com tais recursos ou exemplos de realizações mais adiantadas e, portanto, perceptível para a população.
O tema é tão sensível no dia a dia das cidades que foi o combustível para os primeiros protestos de visibilidade no ano passado. Em 3 de junho, usuários de ônibus, trens e metrôs ocuparam a Zona Sul de São Paulo, contra um aumento na tarifa de R$ 3 para R$ 3,20. No mesmo dia, passageiros ocuparam a Avenida Rio Branco, uma das principais do Rio, indignados com o reajuste das passagens de R$ 2,75 para R$ 2,95. Mas a grande passeata, que inaugurou a temporada de manifestações, se deu em 6 de junho, quando cerca de 5 mil pessoas se reuniram no centro de São Paulo contra bilhetes mais caros. Houve o primeiro confronto com a PM, que prendeu 15 pessoas.
No bojo do anseio por transporte de qualidade, manifestantes pediram saúde e educação padrão Fifa. Para essa última reivindicação, a presidente Dilma prometeu a aplicação do dinheiro do petróleo nas escolas públicas. Só honrou o compromisso em parte, ao sancionar a Lei 12.858, em setembro. “O movimento social conseguiu convencer a presidente a destinar, em vez de rendimentos, o total dos aportes do Fundo Social do petróleo para a educação e para a saúde. Ela se sensibilizou, foi um grande avanço. Mas é preciso que ela, agora, regulamente a lei, por meio de decreto, para que isso possa ser operacionalizado e o dinheiro chegue na prática”, afirma Daniel Cara, mestre em ciência política e coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Cerca de 500 manifestantes fizeram um protesto, na tarde de ontem, na região central de São Paulo, contra gastos públicos na Copa do Mundo. A nona manifestação do grupo "Se não tiver direitos, não vai ter Copa", começou por volta das 17h, no Theatro Municipal. Foi a primeira vez que policiais militares de São Paulo utilizaram um exoesqueleto apelidado de ‘Robocop’ como parte de um kit de equipamentos comprado para controle de possíveis distúrbios durante o Mundial. O material é feito de polipropileno – resistente a pancadas – e foi adquirido para o uso da cavalaria da Tropa de Choque da Polícia Militar de São Paulo. O kit inclui também viseira de acrílico, botas antiderrapantes, protetor facial e cobertura de couro no peito. Ainda de acordo com a Polícia Militar, além dos policiais com armaduras, havia policiais da 'Tropa do Braço', treinados em artes marciais. Os manifestantes passaram pela Rua Xavier de Toledo e pela Avenida Rio Branco.
FINANCIAMENTO Na saúde, a principal bandeira do governo federal, para responder às reivindicações da população nas ruas, é o Mais Médicos – programa que levou atendimento a 49 milhões de brasileiros carentes do serviço, segundo o Ministério da Saúde. Presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Ana Maria Costa aponta a iniciativa como positiva. “O Mais Médicos toca em uma agenda central no acesso à saúde no Brasil, sem dúvida, mas não resolve o problema do subfinanciamento.”
“Qualquer medida que aproxime a população das decisões do governo é bem-vinda, mas geralmente o que ocorre é uma encenação”, diz Leila Saraiva, do Movimento Passe Livre no DF. De todas as propostas apresentadas pela presidente Dilma, no pacto com o povo brasileiro, a mais ousada foi também a que menos saiu do papel: a reforma política.
Avanço tímido no Congresso
Acuados pelas manifestações, os parlamentares brasileiros se apressaram para mostrar serviço à população. As agendas positivas – montadas com projetos de forte apelo popular, como o endurecimento de penas para corrupção –, no entanto, trombaram na disputa entre Senado e Câmara pela paternidade das ideias e pouco avançaram.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), fez questão de encampar a reivindicação inicial das ruas: o passe livre no transporte público. Em 25 de junho do ano passado, apresentou projeto que institui a gratuidade para estudantes. A agilidade, porém, acabou na aprovação da urgência para votação e o o tema não avançou.
Anunciada com alarde pelos parlamentares, a transformação da corrupção em crime hediondo também não chegou às mãos da presidente Dilma Rousseff para sanção. Entre os projetos colocados pelas duas Casas, o fim do foro privilegiado para autoridades também não andou.
Um dos poucos itens das agendas positivas que andaram foi a aprovação do fim do voto secreto para análise de cassações de mandato, pleito antigo de parcela da população e organizações de combate à corrupção.