As mobilizações de junho do ano passado não conseguiram sensibilizar os deputados e senadores a levar adiante um dos principais pedidos das ruas: a reforma política. Mas deram fôlego para um movimento a favor dessa mudança, que já conta com o apoio
de 91 entidades – entre elas Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Comissão Nacional de Justiça e Paz, Aliança Evangélica – e de cerca de 300 mil eleitores. Esse é, até agora, o número de pessoas que já assinaram o manifesto a favor do projeto de lei batizado de Eleições Limpas e que está em tramitação na Câmara dos Deputados.O objetivo é recolher 1,5 milhão de assinaturas, a mesma quantidade que foi exigida para a aprovação do projeto de lei de iniciativa popular que culminou na Lei da Ficha Limpa. Como a proposta já foi apresentada na Câmara por um grupo suprapartidário de 161 parlamentares, a estratégia é usar a coleta para pressionar os parlamentares a aderir ao projeto e também como forma de mobilizar a sociedade em torno desse debate. Sem apoio e pressão popular, o projeto dificilmente vai sair do papel, avalia o juiz eleitoral Marlon Reis, coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), uma das organizações não governamentais que articularam a campanha pela ficha limpa e que integra a secretaria executiva da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. “Se não houver mobilização da população, esse projeto não anda, pois as propostas dele vão mudar muito as eleições. As campanhas terão de ser mais baratas, mais sérias e mais centradas nas propostas e não nos candidatos e no poder econômico.”
O projeto, que recebeu o número 6.313/13 e que está parado desde o dia 24 de setembro na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, estabelece o fim do financiamento privado, autoriza a doação feita por pessoas físicas, mas limitada a um teto e ao percentual de 40% do limite total dos gastos, institui a eleição para deputado em dois turnos, sendo que na primeira etapa o eleitor escolhe o partido e seu plano de governo, e determina a composição paritária da lista de candidatos, ou seja, para cada homem candidato deve ter uma mulher. O texto também estabelece regras rigorosas para a prestação de contas das campanha e para a contratação de cabos eleitorais, cujos nomes deverão ser publicados para garantir transparência. Todos os pagamentos de despesas de campanha deverão ser pagas com cartão de débito ou com cheque nominal. Em relação à participação popular, o projeto assegura formas diretas de intervenção do cidadão no processo de elaboração de leis e de consulta popular.
Crise
Representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Coalização pelas Eleições Limpas, o ex-deputado federal constituinte Aldo Arantes defende o projeto e afirma que o financiamento de empresas para as campanhas eleitorais é um dos pontos que mais degradam o sistema político brasileiro e um dos principais motivos da crise de representatividade enfrentada hoje. “Hoje, ganha a eleição quem tem mais dinheiro para campanha. Isso distancia os parlamentares dos anseios da população. Os eleitos não representam interesses do povo e sim interesses particulares, privados”. Para ele, o financiamento privado formata um parlamento distanciado das ruas e é um dos principais canais de corrupção na política.
Segundo Arantes, para facilitar a aprovação do texto, a Coalizão resolveu apresentar um texto enxuto, que exige maioria simples para ser aprovado. O texto foi protocolado na Câmara antes da coleta final de assinaturas para sua tramitação em forma de projeto de lei de iniciativa popular, para evitar uma manobra de um grupo de deputados que tenta impedir o fim do financiamento privado. É que o Supremo Tribunal Federal (STF) votou por 6 a 1 pelo fim do financiamento privado em uma ação direta de inconstitucionalidade movida pela OAB. O julgamento ainda não terminou, pois o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo e só deve voltar com o assunto para sentença final depois das eleições.
O assessor político da Coalizão, Ricardo Durigan, diz que o texto do projeto Eleições Limpas não abarca todas as questões que devem ser atacadas para a melhoria do sistema político, mas dá um pontapé inicial para o começo de uma mudança. “Precisamos conseguir colocar dentro do parlamento mais pessoas comprometidas com o interesse da população, e não privados. Só assim poderemos de fato fazer todas as mudanças que precisam”, defende. Para Aldo Arantes, o sucesso das Eleições Limpas depende do engajamento da população, que tem de assumir essa pauta como assumiu o movimento pelas Diretas Já. “Tem de ser um movimento dessa grandeza”, defende.
Na Rede
As assinaturas a favor do projeto Eleições Limpas podem ser enviadas pessoalmente ou pela internet, por meio das páginas:
www.mcce. org.br
www.reformapoliticademocratica.org.br
www.reformapolitica.org.br
www.oab.org.br
Primeiro passo para a qualidade
O presidente da Comissão da CNBB para a Reforma Política, dom Joaquim Mol, classifica a Reforma Política como fundamental para que outras mudanças possam acontecer no Brasil. “Sem ela, o Brasil mergulha ainda mais fundo em dois grandes problemas: a falta de qualidade dos políticos, sempre reprovados pela população, salvo honrosas exceções, e a falta de outras reformas importantes, como a fiscal e a própria reforma do Estado Brasileiro, do Judiciário, que dependem da boa qualidade dos políticos”, define Mol. Segundo ele, somente com essa reforma é possível “abrir espaços para uma interação entre a democracia representativa e a democracia participativa, direta”. “Por esta, o povo terá a grata obrigação de decidir questões de grande impacto no país, indo às urnas para participar de um plebiscito, um referendo ou elaborando um projeto de lei de iniciativa popular; por aquela, o povo brasileiro exercitará o direito de escolher bons políticos para desenvolver bons programas que atendam aos interesses coletivos e às principais necessidades das pessoas”, defende Mol, professor, reitor da PUC-Minas e bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte.
Segundo ele, o povo não se sente representado pelos eleitos, e um dos motivos disso, aponta, é a forma de financiamento. “As campanhas eleitorais são absurdamente financiadas pelas pessoas que detêm o poder econômico nos municípios, nos estados e no país. Os políticos representam, portanto, os interesses de seus financiadores, que cobram alto o ‘investimento’ feito. Pela reforma política e, agora, com o apoio do STF, desejamos afastar as empresas do processo eleitoral. Empresa não vota, não é eleitora, portanto não deve financiar campanha.”
Mol diz que a a Igreja Católica, através da CNBB, teve papel decisivo na articulação para a formação da Coalização e vai continuar atuando para que o projeto saia do papel.