De um lado, prefeituras e câmaras municipais. Do outro, a União. No meio, o Judiciário – mais especificamente o Supremo Tribunal Federal (STF). É que está nas mãos dos ministros da mais alta Corte do país a solução para um problema que vem assombrando os prefeitos: a dificuldade de obter a certidão de regularidade de débitos fiscais. Tudo porque a Receita Federal tem se negado a emitir a certidão negativa para os municípios em caso de inadimplência por parte do Legislativo, o que impede a prefeitura de, por exemplo, firmar convênios com o poder público.
Para tentar evitar essa penalidade, a Prefeitura de São José da Coroa Grande, interior de Pernambuco, recorreu à Justiça. Há cinco anos, o município teve negada a certidão porque a Câmara Municipal estava devendo ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o repasse previdenciário dos servidores. Na ocasião, a prefeitura obteve no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) o direito à certidão positiva de débitos com efeito de negativa (CPDEN). O argumento da decisão é que as restrições “não podem ultrapassar a pessoa do infrator”.
A União recorreu da decisão no próprio TRF-5 e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sem sucesso, partiu para o STF. A alegação do governo federal é que as câmaras municipais têm somente personalidade judiciária, e não jurídica. Assim, “havendo débitos envolvendo órgãos como a prefeitura ou a câmara municipal, deve-se negar a certidão ao município”. Outro argumento é que a Lei 8.212/91 equipara o município a uma empresa no que diz respeito ao recolhimento de contribuições, de forma que a dívida de um tem reflexo sobre todo o município.
A palavra final caberá ao Supremo. Em 13 de junho, o plenário decidiu que o entendimento a ser adotado para São José da Coroa Grande terá repercussão geral – ou seja, será aplicado a todas as prefeituras brasileiras. O recurso federal foi ajuizado no STF em 5 de setembro do ano passado e o relator é o ministro Marco Aurélio Mello. Ainda não há data definida para a apresentação do documento e julgamento.
RECORRENTEO grande problema das câmaras municipais é o recolhimento da contribuição previdenciária para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Os servidores têm descontados na folha 11% do valor do salário, enquanto a contribuição patronal do Legislativo é de 22%. O índice é considerado alto pela Associação Brasileira das Câmaras Municipais (Abracam). “Esse é realmente um peso muito grande para as câmaras e estamos tentando discutir o assunto para ficarmos isentos”, diz o ex-vereador e presidente da entidade, Rogério Rodrigues.
Ele alega que o aperto financeiro é resultado de recentes alterações na Constituição Federal, que reduziram em um ponto percentual o repasse de verbas para as câmaras e ainda aumentaram o número de parlamentares em várias cidades. Atualmente, as câmaras recebem entre 3,5% e 7% da arrecadação do município. O dinheiro é repassado mensalmente pelo Executivo e, segundo Rogério Rodrigues, a entidade vem orientando as câmaras a negociar com as prefeituras o desconto do valor em cada parcela.
Enquanto isso, as entidades representantes dos prefeitos torcem para que saia do Supremo um entendimento favorável a eles. Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, a inadimplência das câmaras é um problema recorrente e vem resultando em decisões negativas para os municípios. “Quem representa o município é a prefeitura, embora a Câmara Municipal seja um órgão fiscalizador e tenha contabilidade própria”, afirmou.
Longa fila de exigências
O presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Antônio Andrada (PSDB), até torce para que o Judiciário resolva a pendenga envolvendo as câmaras e prefeituras, mas ressalta que não será suficiente para aliviar os gestores. É que a certidão negativa de débitos é apenas um dos 15 itens exigidos pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para que o município seja regularizado no Cadastro Único de Convênios (Cauc) – do que depende a realização de convênios e contratos públicos.
Para se ter uma ideia, segundo levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 3,2 mil cidades brasileiras – o correspondente a 58% do total – estão com alguma pendência no Cauc. Deste total, 543 são prefeituras mineiras. “São muitas as exigências e você encontra incompreensões em cada item”, lamenta Andrada, que é prefeito de Barbacena, na Região Central de Minas.
Segundo o prefeito, no fim de 2013 foi realizada uma reunião em Brasília com técnicos do governo federal e representantes dos prefeitos para discutir as dificuldades para ficar em dia com o Cauc. “O órgão mais importante da República é o Cauc. É preciso flexibilizar as regras. Hoje, trata-se o município como uma empresa, e quem sai punida é a população, não o gestor”, argumenta.
Antônio Andrada conta que, quando chegou ao comando de Barbacena, em janeiro de 2013, a prefeitura cumpria apenas três dos 15 itens impostos pela STN e que ele levou nove meses para regularizar a situação. “E olha que sou ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado”, ressalta o tucano, que integrou o TCE durante sete anos, tendo renunciado ao cargo em 2012 para disputar as eleições.
Sobre o julgamento do recurso em tramitação no Supremo, o prefeito foi enfático: “Hoje, prevalece que, se a Câmara Municipal tem algum débito, trava o município. Se o Supremo Tribunal Federal decidir diferente, vai ser um alívio pontual, pelo menos no que diz respeito à certidão negativa de débito”.