Jornal Estado de Minas

Socorro aos atingidos pela seca em Minas está travado à espera de decreto

Sem a confirmação do estado de emergência exigida pela Lei Eleitoral, Codevasf acumula projetos para levar água aos atingidos pela seca em MG, enquanto políticos trocam acusações

Luiz Ribeiro
Aos 67 anos, a aposentada Maria Amália tem que percorrer dois quilômetros na zona rural de Montes Claros para buscar água - Foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press

Dezenove projetos para a perfuração de poços em comunidades rurais atingidas pela seca em Montes Claros, no Norte de Minas, e um grande estoque de equipamentos para a implantação de sistemas de abastecimento de água estão parados na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf). O órgão está impedido de realizar as obras e entregar o material às famílias que sofrem os efeitos da estiagem porque ainda não foi assinado o decreto de emergência no município, como exige a Lei Eleitoral.


A situação da Codevasf é semelhante à do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) que, como mostrou o Estado de Minas em sua edição de ontem, tem estocados 600 mil metros de canos, 200 caixas d’água, bombas e tubos em sua unidade em Montes Claros à espera dos decretos para que possam ser entregues a dezenas de comunidades castigadas pela seca. Assim como o Dnocs, a Codevasf perfura poços e distribui material adquirido com recursos de emendas inseridas no Orçamento da União por deputados federais.

Devido à seca, 133 municípios de Minas Gerais, a maioria situada no Norte do estado e no Vale do Jequitinhonha, já decretaram estado de emergência neste ano. Para que entrem em vigor, os decretos precisam ser homologados pelo Ministério da Integração Nacional. Prefeito de Montes Claros – cidade que abriga as sedes regionais do Dnocs e da Codevasf –, Ruy Muniz (PRB) afirma ter assinado um decreto de emergência, que não teria sido homologado pelo governo federal. Por outro lado, ele denuncia que o Dnocs perpetua a chamada “indústria da seca” e que foi “aparelhado” pelo PT e transformado em instrumento de captação de votos no período eleitoral, com distribuição de canos, bombas e caixas d’água comprados com recursos de emendas de deputados federais petistas candidatos à reeleição. Muniz alega que o órgão é usado para favorecer o deputado estadual Paulo Guedes (PT), que foi seu adversário no segundo turno da eleição de 2012.

A denúncia é rebatida por Guedes, que contra-ataca e diz que o prefeito “pensa pequeno”.

43.200 metros de canos destinados a sistemas de abastecimento em Montes Claros estão "embargados" - Foto: Codevasf/Divulgação
O chefe de gabinete da Superintendência da Codevasf em Minas Gerais, Fernando Brito, disse que não sabe precisar quantos tubos e outros equipamentos para poços tubulares estão estocados na sede regional do órgão em Montes Claros. Mas é expressiva quantidade de materiais destinados ao município temporariamente “embargada”: 43.200 metros de canos, 21 bombas submersas e 24 caixas d’ água (com capacidades de 5 mil e 10 mil litros), além dos 19 projetos de poços tubulares já aprovados.

Outro município na lista dos que estão impedidos de receber ajuda da Codevasf por falta do decreto de emergência é Espinosa, um dos mais castigados pela falta de chuvas. Para essa cidade, informou Brito, foram aprovados, mas estão embargados, projetos de distribuição de 4.800 metros de tubos e de envio de duas patrulhas mecanizadas, que incluem tratores e maquinário utilizados pelos pequenos produtores para produzir a alimentação alternativa (silagem e ração), a fim de garantir a manutenção dos seus rebanhos apesar da falta de pasto.

O chefe de gabinete da Codevasf disse que não há como contornar a exigência do decreto de emergência estabelecida na lei eleitoral. Ele salienta que a elaboração do decreto compete aos próprios municípios, que, com o auxílio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão (Emater), devem fazer o levantamento dos dados, preencher o “Fide – Formulário de Informação de Desastres – e encaminhar a documentação para o Ministério da Integração Nacional. Somente após a homologação pelo Ministério a Codevasf pode entregar os bens públicos no ano eleitoral.

Comunidade sofre

Em meio aos entraves, quem sofre é a população afetada pela estiagem. A comunidade de Palmito, zona rural de Montes Claros, distante oito quilômetros da área urbana, por exemplo, conta com um poço tubular, perfurado pelo Dnocs no ano passado, mas que não que tem serventia alguma. Isso porque a entrega dos equipamentos para levar água a 20 das 70 famílias da comunidade – um sistema de abastecimento abastecimento formado por uma caixa d´agua de 10 mil litros, uma bomba submersa e 1.600 metros de tubo –, foi aprovada em fevereiro, mas não pôde ser feita por falta do decreto de emergência.

As pessoas têm que apanhar água na cabeça ou em lombo de animal”, conta o presidente da Associação dos Moradores de Palmito, Paulo Sérgio Vieira Magalhães, o Quim. Ele lamenta a dificuldade imposta pelo imbróglio em torno da assinatura do decreto de emergência: “Isso é um descaso com o pessoal da roça. Conheço outras comunidades rurais que estão enfrentando o mesmo tipo de problema”.

As conseqüências são sofridas pelos moradores como a aposentada Maria Amália Silva Dias, de 67 anos, que está sendo obrigada a apanhar água no lombo de um animal, a dois quilômetros de distância. “O caminhão-pipa da prefeitura, em média, demora de dois a três meses para voltar”, reclama.

Companhia nega uso eleitoral

A atuação da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) na assistência às comunidades pela estiagem é reforçada com emendas ao Orçamento da União apresentadas pelos deputados federais. Os recursos das emendas são destinados para a abertura de poços tubulares ou distribuição de equipamentos para equipá-los e levar água até as casas dos moradores, como canos, bombas e caixas d’água.


Geralmente, as emendas dos deputados federais ao Orçamento são destinadas aos municípios onde eles são mais votados. Porém, o chefe de gabinete da Superintendência da Codevasf em Minas, Fernando Brito, garante que não há uso eleitoral das emendas e nega favorecimento partidário. “A emenda parlamentar é um instrumento para se obter mais verbas para a Codevasf no Orçamento da União e reforçar o seu trabalho, mas não existe a utilização dos recursos para fins políticos”, afirma.

Segundo ele, uma prova disso é que o total de recursos aprovados para a Codevasf em Minas Gerais foi maior em 2013 (R$ 28 milhões) do que neste ano, que é eleitoral, em que o montante ficou em R$ 21,77 milhões.
Com o contingenciamento (cortes) no Orçamento determinado pela presidente Dilma Rousseff, destaca, o volume é ainda menor: R$ 16,6 milhões.

Ele salienta que, mesmo com o parlamentar indicando os locais a serem contemplados, uma equipe técnica da Codevasf verifica, por meio de visitas, se a comunidade designada realmente necessita dos equipamentos e do poço tubular, que somente pode ser perfurado em terreno de associação comunitária ou doado para o poder público. “Se for constatado que não há necessidade do poço ou dos materiais, a Codevasf informa ao parlamentar, que deve indicar outra comunidade a ser beneficiada”, observa.

Segundo Fernando Brito, “a Codevasf não prioriza atendimento a determinados parlamentares por questão partidária, dando um tratamento igualitário a todos eles”. Para reforçar o seu argumento, ele lembra que foram destinados ao órgão neste ano recursos de emendas de deputados de partidos de oposição ao Governo Federal como Vitor Penido (DEM), no valor de R$ 1 milhão; Domingos Sávio (PSDB), R$ 200 mil; e Humberto Souto (PPS), R$ 500 mil. Contudo, coincidência ou não, o maior volume de emendas aprovado para o orçamento do órgão em Minas neste ano é do deputado federal Saraiva Felipe (PMDB), apontado como o responsável pela indicação do atual superintendente do órgão no estado, Dimas Rodrigues.

Na lista dos deputados que destinaram emendas para a Codevasf neste ano também estão: Doutor Grilo (SD), R$ 1,9 milhão; Ademir Camilo (Pros), R$ 1,45 milhão; Gabriel Guimarães (PT), R$ 1,4 milhão; Newton Cardoso (PMDB), R$ 1,35 milhão; Bilac Pinto (PR), R$ 1 milhão; Bernardo Santana (PR), R$ 900 mil; Padre João (PT), R$ 950 mil; José Humberto (PSD), Leonardo Monteiro (PT), R$ 450 mil; Fábio Ramalho (PV), R$ 700 mil; e Jô Morais (PC do B), R$ 300 mil..