Flávia Ayer
A disputa pelo governo de Minas supera gastos com educação, saúde, transporte e outros serviços básicos prestados à população. Numa corrida milionária ao Palácio Tiradentes, os oito candidatos a governador preveem desembolsar, juntos, R$ 151,8 milhões em três meses de campanha. O valor ultrapassa os recursos que 93% dos 853 municípios mineiros têm, individualmente, para sobreviver durante todo o ano. Na maior parte das cidades (87,6%), o orçamento anual não chega nem mesmo à metade do caixa administrado pelos aspirantes ao posto de chefe do Executivo.
As conclusões são de levantamento feito pelo Estado de Minas com base na previsão de gastos de campanha registradas no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) e no orçamento anual de 2014 declarado pelas prefeituras ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Os dados revelam distância entre as cifras das eleições e o cotidiano das cidades. Um grupo de 191 municípios mineiros – que representa mais de um quinto deles – conta com receita anual inferior a R$15,1 milhões. O valor equivale a um décimo do que os candidatos pretendem investir na campanha eleitoral.
O caixa dos candidatos ao Palácio Tiradentes se compara ao da maior cidade do Sul de Minas, Poços de Caldas, com 161 mil habitantes e economia voltada para turismo e indústria. Somente 11 municípios despendem por trimestre valor superior aos R$ 151,8 milhões que os candidatos preveem gastar no mesmo período. São elas: Belo Horizonte, Uberlândia, Betim, Juiz de Fora, Contagem, Uberaba, Governador Valadares, Montes Claros, Sete Lagoas, Ipatinga e Nova Lima.
Os gastos de campanha também se comparam aos recursos que a Prefeitura de BH investiu em saúde e educação no ano passado. Na prestação de contas ao TCE, o município informou ter gasto R$ 125 milhões em recursos próprios com as duas pastas. “Isso demonstra o quanto o sistema político está errado. Numa campanha com esse volume de dinheiro, a democracia está perdendo espaço para se tornar uma disputa elitista”, critica o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Antonio Andrada (PSDB), prefeito de Barbacena.
Se entre candidatos sobra dinheiro, a história é outra quando as prefeituras são o assunto. “Os municípios estão à míngua”, afirma Andrada. A maior fatia da receita municipal vem do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), transferido pelo governo federal. A arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) representa a principal parcela do FPM. “Num momento de retração econômica, a receita dos municípios diminui. As prefeituras nem sequer conseguem fazer a projeção orçamentária”, diz.
POBRE E RICO
A 240 quilômetros da capital, Pimenta, município da Região Centro-Oeste do estado, tem o mesmo nome de um dos principais candidatos ao governo, Pimenta da Veiga (PSDB). Mas a semelhança para por aí. O político é o que dispõe de mais recursos entre os concorrentes para gastar nas eleições e declarou investimento máximo de R$ 60 milhões nos três meses de campanha.
Enquanto isso, o município de 8,5 mil habitantes só conta com um terço desse valor para gastar durante todo o ano, com orçamento anual de R$ 21,5 milhões. O prefeito de Pimenta, Ailton Sapinho (PR), diz que se contentaria com a metade dos recursos da campanha do tucano. “Com esse dinheiro pagaria dívidas herdadas de R$ 8 milhões e ainda reformaria a Santa Casa. O município não tem condição de arcar com recursos próprios hoje”, reforça o prefeito, da base aliada do PSDB ao governo.
No Vale do Rio Doce, Mendes Pimentel, a 400 quilômetros de BH, tem o mesmo sobrenome do candidato Fernando Pimentel (PT), que prevê gastar R$ 42 milhões na campanha. Na família Pimentel, o político é certamente o primo rico, já que o município tem menos da metade desse dinheiro para investir durante o ano. De acordo com o TCE, o orçamento de Mendes Pimentel para 2014 é de R$ 15 milhões, o equivalente a 35% do custo da campanha do petista.
Segundo a coordenação da campanha de Fernando Pimentel, a previsão de gastos teve como base cotação de preços dos principais serviços contratados nas eleições de 2010. Na época, o candidato Hélio Costa (PMDB), apoiado pelo PT, gastou R$ 28 milhões. As principais despesas foram com a produção dos programas de rádio e TV e logística. A campanha do candidato Pimenta da Veiga não informou como pretende gastar os R$ 60 milhões previstos.
Jogo marcado pelo dinheiro
Dinheiro na campanha, vitória nas eleições. A regra esteve presente nos últimos pleitos dos três maiores colégios eleitorais do Brasil: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em 2006 e 2010, os candidatos a governador vencedores nesses estados foram aqueles que mais gastaram nas campanhas. Enquanto o poder econômico dita os resultados, a legislação fica em segundo plano. A Lei 9.504/97, que estabelece normas para as eleições, já determina que norma específica definida em cada pleito estabeleça o máximo de recursos que os concorrentes poderão investir.
“Esse limite deveria ser definido pelo Congresso Nacional a cada eleição. Enquanto isso não ocorre, o poder econômico entra financiando as campanhas pesadamente”, afirma o coordenador de Controle de Contas Eleitorais e Partidárias do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), Júlio César Diniz Rocha. O mesmo artigo que estabelece a norma diz também que, caso esse teto não seja determinado até 10 de junho, caberá a cada partido político fixar seu próprio limite de gastos, como ocorre atualmente.
Enquanto a regra não é posta em prática, altas cifras são aplicadas em campanhas. Nas últimas eleições para governador em Minas, Antonio Anastasia garantiu a reeleição com gasto de R$ 38 millhões, valor 35% maior em relação ao seu principal adversário, Hélio Costa (PMDB), que investiu R$ 28 milhões na campanha. Em São Paulo, o atual governador Geraldo Alckimin (PSDB) desembolsou R$ 34 milhões. O gasto do concorrente Aloizio Mercadante (PT) não chegou a 60% desse valor, num total de R$ 20 milhões.
Mas a maior diferença nas finanças ocorreu entre as campanhas do governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB) e seu principal oponente, Fernando Gabeira (PV). Cabral gastou R$ 20 milhões, mais de cinco vezes o valor do adversário, que despendeu R$ 3,6 milhões. “Gasto de campanha e televisão são indicadores de uma tendência de vitória”, afirma o consultor em marketing político Guga Fleury.
O professor Bruno Wanderley Reis, do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que o dinheiro tem um peso maior no caso da eleição de deputados. “Nas eleições majoritárias já há uma avaliação de quem vai ganhar e isso pode influenciar um potencial financiador a doar para esse ou aquele candidato a governador ou presidente”, ressalta. “Não sabemos em que medida o gasto causa a vitória ou se a perspectiva de vitória causa a arrecadação”, completa.
Numa tentativa de equilibrar a disputa entre os concorrentes, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mudou este ano a regra para uso do patrimônio próprio dos candidatos nas campanhas. Até então, eles podiam gastar todos seus bens na campanha. A partir de agora, o candidato pode aplicar, no máximo, 50% do patrimônio próprio na candidatura. “Se esse valor extrapolar o teto estabelecido pelo partido, vale o valor menor. É uma maneira de criar maior isonomia no financiamento de campanha”, explica Rocha.
Previsão de gastos cresce 65%
A previsão dos gastos de campanha dos candidatos ao governo de Minas aumentou 65% em relação às eleições de 2010, quando a disputa pelo Palácio Tiradentes teve nove candidatos, um a menos do que este ano. Naquela ocasião, candidatos declararam que gastariam R$ 91,7 milhões, enquanto este ano os valores já alcançam os R$ 151,8 milhões. Orçada em R$ 60 milhões, a campanha eleitoral do candidato tucano Pimenta da Veiga lidera o ranking, seguida do seu principal concorrente, Fernando Pimentel (PT), que prevê gastar R$ 42 milhões. A maior parte dos recursos deve ser direcionada a programas de rádio e televisão.
De acordo com o consultor em marketing político Guga Fleury, a produção midiática é o que mais encarece a corrida eleitoral. “Numa campanha em Minas, o gasto com televisão chega a R$ 10 milhões. A internet representa 5% do custo”, diz. Num estado com 853 municípios, a logística também pesa no bolso dos candidatos, segundo o especialista. “É necessário montar bases regionais e há um custo para fornecer materiais para todas elas, assim como na logística de uma fábrica”, ressalta.
Nas últimas eleições, os candidatos apresentaram prestação de contas com despesas 25% menores do que a estimativa inicial, comprovando gastos de R$ 68,2 milhões. “Candidatos morrem de medo de ser multados”, afirma Fleury. A Justiça obriga partidos a estabelecer um valor máximo de gastos de campanha. De acordo com a legislação eleitoral, quem extrapola esse número está sujeito a multa no valor de cinco a 10 vezes a quantia em excesso.
Enquanto isso...
… STF analisa doações
Está em suspenso no Supremo Tribunal Federal (STF) julgamento sobre a proibição de doações de empresas a campanhas eleitorais. Até maio, por 6 votos a 1, a maioria dos ministros votou por acabar com a prática, considerada inconstitucional pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ainda faltam os votos de quatro magistrados. A suspensão ocorreu porque o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo. Não há data para a continuação do julgamento. A orientação dos ministros contraria a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 352/13, em tramitação na Câmara dos Deputados. A PEC propõe um teto de despesa para a campanha eleitoral, mas admite que cada partido escolha o modo de financiamento entre privado, misto ou exclusivamente público. A PEC também está em suspenso e foi retirada em maio da pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Atualmente, pessoas físicas podem doar até 10% de seu rendimento bruto no ano anterior para campanha eleitoral. Para as empresas, o limite é de 2% do faturamento bruto do ano anterior.