Jornal Estado de Minas

Marina é criticada por dizer que Chico Mendes era da elite

Sindicato do Acre, terra da candidata, contesta afirmação feita pela candidata do PSB no primeiro debate entre os presidenciáveis

Alessandra Mello

Veio de Xapuri, cidade com cerca de 17 mil habitantes no Acre – estado onde nasceu Marina Silva –, a contestação da declaração dada pela candidata do PSB, no primeiro debate entre os presidenciáveis, de que o líder seringueiro Chico Mendes fazia parte da elite, ao lado do empresário Guilherme Leal, dono da empresa de cosméticos Natura, e Neca Setubal, herdeira do Banco Itaú e responsável pela coordenação do programa de governo da socialista.

O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri emitiu nessa quinta-feira uma nota oficial criticando Marina, que foi ministra do Meio Ambiente no período de 2003 a 2008, e rebatendo as declarações dela a respeito de Chico Mendes, assassinado em 1988 por fazendeiro contrário à sua luta em defesa dos trabalhadores extrativistas. Nascido em Xapuri, onde foi morto com um tiro de escopeta, Chico Mendes fundou, em 1977, o sindicato que, em nota oficial, se coloca como “legítimo representante do legado classista do companheiro”.

“O companheiro Chico foi um sindicalista e não ambientalista, isso o coloca num ponto específico da luta de classes que compreendia a união dos povos tradicionais (extrativistas, indígenas, ribeirinhos) contra a expansão pecuária e madeireira e a consequente devastação da Floresta. Essa visão distorcida do Chico Mendes ambientalista foi levada para o Brasil e a outros países como forma de desqualificar e descaracterizar a classe trabalhadora do campo e fortalecer a temática capitalista ambiental que surgia”, diz a nota assinada pelo presidente do sindicato, José Alves, e seu assessor jurídico, Waldemir Soares. O texto diz ainda que os trabalhadores rurais de Xapuri não concordam com a atual política ambiental em curso no Brasil, idealizada, segundo a entidade, pela candidata Marina Silva quando era ministra do Meio Ambiente e classificada na nota como “refém de um modelo santuarista e de grandes Ong’s internacionais”.

“Essa política prejudica a manutenção da cultura tradicional de manejo da floresta e a subsistência, e favorece empresários que, devido ao alto grau de burocratização, conseguem legalmente devastar, enquanto os habitantes das florestas cometem crimes ambientais”, afirma a nota, que critica também todos os candidatos que participaram do debate e os classifica como “claramente vinculados com o agronegócio” e pouco preocupados com a reforma agrária e os conflitos fundiários.

A vice-presidente do sindicato, Dercy Cunha, de 60 anos, que está no Rio de Janeiro há um mês para tratamento de saúde, disse que a política ambiental em curso no Brasil, que teria como mentora a candidata, é muito mais preocupada com o meio ambiente do que com as pessoas que nele estão.
Para ela, é preciso defender o meio ambiente, combater o desmatamento na Floresta Amazônica, mas respeitando os povos tradicionais e trabalhando para sua sobrevivência e desenvolvimento. Xapuri, de acordo com ela, vive da extração da borracha, da castanha e da pecuária. Apesar da nota com críticas a Marina, o sindicato não vai se manifestar contra ou a favor de nenhum candidato. Segundo ela, nas gestões passadas, a entidade era muito ligada a partidos políticos e não havia separação entre a atividade sindical e a partidária. Dercy não assistiu ao debate, mas diz não concordar que o líder seringueiro fazia parte da elite. “Ele era um defensor do trabalhador, um sindicalista e, de maneira indireta, um ambientalista , pois via a preservação da floresta como um meio de sobrevivência das populações tradicionais. Nunca fez parte da elite”, afirmou.

No debate, ao ser questionada pelo candidato Levy Fidelix (PRTB) se governará a favor do agronegócio, por manter relações próximas com Guilherme Leal e Neca Setúbal, Marina disse não ter preconceito contra a condição social de nenhuma pessoa. “Quero combater essa visão de apartar o Brasil, de que temos que combater as elites. O Guilherme faz parte da elite, mas os ianomâmis também. A Neca é parte da elite, mas o Chico Mendes também é parte da elite”.

Líder seringueiro

- Foto: Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes (1944-1988), foi um líder seringueiro, sindicalista e ativista ambiental assassinado por lutar em defesa da Floresta Amazônica e suas seringueiras nativas, em movimento que lhe valeu o Prêmio Global de Preservação Ambiental, concedido pela ONU. Nascido em Xapuri, Acre, em 15 de dezembro de 1944, Chico Mendes era filho do seringueiro Francisco Alves Mendes e de Maria Rita Mendes. Desde criança, acompanhava seu pai pela floresta.
Sem escolas na região, só foi alfabetizado aos 19 anos. Em 1975, iniciou sua atuação como sindicalista e em defesa da posse de terra para os habitantes nativos da região. Criou os “empates”, em que toda a comunidade fazia barreiras com o próprio corpo nas áreas ameaçadas de destruição pelos serralheiros e fazendeiros. Após a desapropriação das terras do fazendeiro Darly Alves da Silva, em 1988, ele recebe ameaças de morte, que denuncia às autoridades pedindo proteção. Em 22 de dezembro do mesmo ano, ao sair de casa, é assassinado com tiros de escopeta, deixando esposa e dois filhos pequenos. Em dezembro de 1990, a Justiça condena o fazendeiro Darly Alves a 19 anos de prisão pela morte do ambientalista.

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