"Haverá futuro?"
Pichada no muro de um colégio em Belo Horizonte, a pergunta aponta para as incertezas nos rumos da educação, um dos maiores desafios dos governantes que serão eleitos em pouco mais de um mês. Mas, se depender dos anseios de quem vive o cotidiano do setor, haverá futuro, sim, desde que haja investimento na escola pública e a valorização dos docentes. Na segunda reportagem da série “A vontade do eleitor”, professores, estudantes, universitários e pais de alunos mostram quais os principais gargalos do setor – que envolve cerca de 60 milhões de alunos e 2,5 milhões de professores no país desde a educação infantil ao ensino superior – e propõem ações para alcançar esse novo tempo.
Enquanto sobra agressividade, faltam aprendizado, merenda nutritiva, quadras esportivas e até acesso a internet. Aluna do 9º ano de uma escola pública em Andiroba, distrito de Esmeraldas, na Região Metropolitana de BH, Janaína Fagundes, de 16, sabe o que quer: “Aula de computação, reforço educacional, merenda com pelo menos uma fruta”. A melhoria do transporte escolar também faz parte do plano de governo imaginário da estudante. “Meus colegas vêm num ônibus apertado na estrada de terra”, conta.
Quem abandonou a escola, problema comum sobretudo no ensino médio, propõe a criação de mais cursos profissionalizantes. “Se desse para fazer um curso de mecânica,
teria me formado”, afirma o morador de Ribeirão das Neves, também na região metropolitana, Raí Benício, de 18, que largou os estudos no 9º ano do ensino fundamental. Já a valorização do docente é a principal proposta da professora de português Nilce Faria Campos, de 57, apaixonada pela profissão, que exerce há 19 anos. “Se o professor não é valorizado, ele não tem interesse nem boa vontade”, afirma Nilce, que recebe salário de R$ 1,4 mil.
Já aqueles com diploma na educação básica se queixam do funil para entrar no ensino superior e voltam a lamentar a falta que uma boa escola pública faz, caso do estudante Felipe Augusto Vieira, de 22. “É preciso ter ensino de tempo integral, não apenas com teoria, mas com laboratórios, aulas de música”, diz o jovem, também defendendo a criação de mais vagas no ensino superior. Assim como nas universidades, a abertura de vagas é também um desafio na educação infantil. José Alberto, de 45, só conseguiu matricular as filhas gêmeas com intervenção da Justiça. “É preciso criar mais unidades de educação infantil”, reforça.
DESAFIOS QUE VÃO ALÉM DA POSSE
Novos governantes terão pela frente a missão de pôr em prática as metas traçadas pelo PNE
Os próximos governantes escolhidos nas eleições de outubro terão de antemão um grande e principal desafio: pôr em prática o Plano Nacional de Educação (PNE). Sancionado em junho, o documento estabelece 20 metas para o setor e traça também as estratégias a serem implementadas para alcançá-las em 10 anos. “Esse é o instrumento legítimo disponível hoje para que haja uma cobrança. O acompanhamento da sociedade civil tem que ir além das eleições”, afirma o especialista em políticas educacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) Carlos Roberto Jamil Cury.
Um dos participantes da elaboração do PNE, construído de forma compartilhada por especialistas de todo país, o professor reforça que o plano reúne a maior parte dos anseios dos eleitores que vivem os problemas da área. “Vemos pelas demandas da população que ela está muito sintonizada com o plano”, afirma. Entre as metas da educação infantil, estão, por exemplo, a universalização da educação infantil para crianças de 4 e 5 anos e creches que atendam pelo menos a metade dos pequenos de até 3 anos. Pelo plano, todas as crianças têm que estar alfabetizadas até o 3º ano do ensino fundamental.
No ensino fundamental, um dos desafios é garantir que pelo menos 95% dos alunos concluam o período na idade recomendada. Já no ensino médio, o plano estabelece até 2016 o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos. O ensino integral deverá, em 10 anos, ser realidade em metade das escolas, de forma a atender a um quarto dos alunos da educação básica.
O aumento do salário dos professores da educação básica é outra meta, assim como os cursos profissionais. Essa modalidade terá que responder por um quarto das matrículas no ensino fundamental, médio e na educação de jovens e adultos (EJA). Nas universidades, a meta é aumentar a formação de mestres e doutores e o número de alunos de pós-graduação.
RETRATO Na avaliação do professor da Faculdade de Educação (FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Juarez Dayrell, integrante do Observatório da Juventude, as propostas sugeridas pelos pais, alunos e professores são um retrato de outros três grandes desafios da educação em Minas e no Brasil. “Faltam recursos. A partir do governo militar, houve a abertura de escolas, mas ela não veio acompanhada de investimentos. Isso incide também sobre o salário do professor, que se tornou quase um subemprego”, afirma.
De acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira, do Ministério da Educação (MEC), o investimento em educação no país somou 6,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2012. O Plano Nacional da Educação (PNE), aprovado em junho, prevê a aplicação de 10% do PIB no setor. No ano passado, foi aprovada lei que destina 75% dos royalties do petróleo e 50% do excedente em óleo do pré-sal para a educação, o que pode ajudar no cumprimento da meta.
Segundo Dayrell, outro desafio é a desorganização da escola. “Há uma distância entre o conteúdo escolar e os conteúdos da vida. O que se faz hoje, seja nas instituições públicas ou particulares, é instrumentalizar um discurso que sem diploma você não é nada. Isso reduz a função da escola”, reforça. O ensino médio é atualmente o grande gargalo da educação básica. “Metade dos jovens que deveriam cursar o ensino médio está fora da escola”, afirma.
A solução para os problemas passa por um terceiro desafio da educação: conviver com a diversidade. “Problemas sociais do Brasil estão dentro da escola, que não foi preparada para lidar com eles”, afirma Dayrell. Experiências adotadas em Portugal e na Argentina podem ser um caminho, segundo Dayrell. “O professor tem que ser contratado para atuar em tempo integral. Temos defendido a existência de uma tutoria, em que o profissional acompanha um grupo de 10 a 15 alunos do primeiro ao terceiro ano do ensino médio”, reforça. (FA)
CIÊNCIA GUARDADA NA GAVETA
Bruno Valiate, 28 anos, doutorando em imunologia
Tantos anos dedicados ao estudo e à pesquisa ainda não levaram a um caminho promissor para o biólogo Bruno Valiate. O doutorando em imunologia da UFMG quer ser pesquisador, mas não vê futuro na área. Atualmente, ganha bolsa de R$ 2,2 mil para desenvolver estudos relacionados à doença de Chagas e à artrite. Depois de concluir o doutorado, acredita que terá que se tornar professor. “Não há cargo de pesquisador no Brasil. A maior parte vira professor. A pós-graduação é feita a título de volume e a pesquisa acaba engavetada, sem nenhuma contribuição efetiva”, reclama. As barreiras à importação de produtos para serem usados nos experimentos é outra complicação. “Poderíamos desenvolver as pesquisas bem mais rapidamente”, diz.
Proposta: valorizar as pesquisas científicas e aplicar de forma mais efetiva o conhecimento produzido na universidade
DE FORA DA UNIVERSIDADE
Felipe Augusto Vieira, 22 anos, estudante
As portas do ensino superior ainda estão fechadas para Felipe. Ele fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) três vezes, mas não teve nota suficiente para conquistar uma cadeira no curso de química em uma universidade pública. “A prova tem muito mais conteúdo do que o ensino médio da escola pública oferece”, avalia. Em busca de um futuro melhor, ele largou o emprego como repositor em uma padaria e, com a poupança, está focado nas aulas de um cursinho pré-vestibular. Além do aumento das vagas no ensino superior, ele acredita que a melhora na escola pública pode fazer parte da solução. “É preciso ter escola de ensino integral, não apenas com teoria, mas com laboratórios, aulas de música”, diz.
Proposta: ampliar as vagas nas universidades públicas e investir em escola de tempo integral
MOTOCICLETA NO LUGAR DA SALA DE AULA
Raí Benício, de 18 anos, motoboy
Aos 18 anos, Raí exibe a motocicleta e se orgulha de ter renda mensal em torno dos R$ 2 mil, conquistada no trabalho como motoboy. Já o currículo escolar, ele prefere esconder. “Tomei duas bombas e parei de estudar no 9º ano”, conta. A falta de interesse fez com que ele abandonasse os bancos da escola, em Ribeirão das Neves. “Achei que não ia fazer falta. Queria trabalhar, adquirir as minhas coisas mais rápido”, afirma o jovem, que gostaria de estudar numa escola que já o encaminhasse para um emprego. “Se desse para fazer um curso de mecânica, já teria me formado.”
Proposta: incluir ensino profissionalizante e técnico nas escolas
SEM CONFIANÇA NA ESCOLA
Cleide Fernandes, 36 anos, dona de casa
Moradora do Taquaril, Cleide Fernandes largou o emprego para ficar com a filha. Gostaria de voltar a trabalhar, mas teria que matricular Emanuelle, de 6 anos, na turma de tempo integral. “Não tenho confiança. Acho que os meninos ficam muito soltos. Vão fazer atividades em outro prédio e atravessam a rua sozinhos. Não tenho coragem”, diz Cleide. O sonho da mãe é conseguir pôr a menina numa escola melhor. “Os professores aqui não têm muita paciência com as crianças. Para começar, eles também não têm um bom salário”, diz.
Proposta: contratar mais funcionários e oferecer melhor estrutura para evitar que os alunos fiquem sem suporte adequado
AULA DE ROLETA-RUSSA
L.N., 14 anos, aluna do 9º ano
Cansada da agressividade dos alunos, a professora resolveu entrar na onda da violência. Ensinou para a turma como se faz a roleta-russa, jogo que envolve o uso de revólver. Em outro dia, foi a vez de um aluno dar um chute em um professor. Quem conta os casos de horror são estudantes da Escola Estadual Barão de Macaúbas, no Bairro Santa Tereza, Região Leste de Belo Horizonte. “A violência se tornou natural. Há muita indisciplina e falta respeito dos alunos”, afirma a aluna do 9º ano L.N.. E o problema se soma a outros. “Os pais não se envolvem, há muita troca de professores. Não me sinto preparada hoje para escrever uma redação num vestibular”, afirma.
Proposta: Trabalhar melhor os conteúdos para que os alunos possam se envolver mais e aumentar o salário dos professores de forma que eles se sintam mais estimulados
O APARTAMENTO PARA PAGAR A ESCOLA
Helenice Leite, 38 anos, mãe de três crianças em idade escolar
Educação é prioridade para a estudante de letras Helenice Leite, de 38 anos, mãe de Gabrielle, de 10, Daniel, de 6, e Arthur, de 5. Os dois mais velhos estudam no Colégio Padre Eustáquio. Ano que vem, o caçula, que estuda na Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei), também vai para a escola particular. Para isso, a família vai vender um carro e trocar de apartamento. “Queremos que, no futuro, eles estudem numa universidade federal. O momento é agora”, afirma. Nos estágios da faculdade, Helenice dá aula na rede pública, mas vê outra realidade em relação à época em que era aluna. “Falta interesse, o comportamento é diferente. Não me sinto segura em mantê-los na escola pública”, diz.
Proposta: Investir nos professores e retomar o padrão de qualidade das escolas públicas
UM SALÁRIO NA FACULDADE
Renata Rodrigues, 18 anos, estudante de direito
A satisfação está estampada no sorriso de Renata, primeira da família a cursar o ensino superior. Mas, apesar de ter estudado em escola pública a vida toda, a jovem de origem humilde se tornou aluna de faculdade particular. “Não consegui nota para a UFMG nem para conseguir bolsa pelo Prouni”, conta Renata, exemplo de determinação. Ela ganha R$ 724 (um salário mínimo), enquanto a mensalidade é de R$ 800. Como a mãe e o padrasto estão desempregados, a jovem é o esteio da casa. De dia, trabalha como atendente de telemarketing e à noite vai para a faculdade, onde cursa o 2º período de direito. “Consegui o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e vou pagar depois que me formar.”
Proposta: Facilitar o acesso às bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni) para alunos de renda mais baixa
CONTRACHEQUE MAGRO
Nilce Faria Campos, 57 anos, professora de português
São 19 anos na sala de aula, atividade que Nilce mantém por paixão. A professora de português cansou de ver colegas mudarem de área. “Para dar 16 aulas e ainda planejar as atividades, recebo R$ 1.400”, conta. A falta de valorização fez baixar a autoestima da categoria, que se cansou também de conviver com outros problemas. “Enquanto escrevemos no quadro de giz, alunos mexem no celular”, comenta, ao se referir ao atraso tecnológico na rede pública. Mas ela não deixa de sonhar: “Temos que levar o aluno a tomar posse do espaço, abrir a escola aos domingos para atividades culturais, permitir que o aluno veja uma escola interessante”.
Proposta: aumentar o salário dos professores da educação básica e estimular a integração entre escola e comunidade, com a promoção de atividades culturais e esportivas nos fins de semana
VAGA CONQUISTADA NA JUSTIÇA
José Alberto*, 45 anos, autônomo
Somente com intervenção da Justiça José Alberto conseguiu matricular as filhas gêmeas, de 2 anos, numa Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei). Apesar de referência em educação infantil, ainda falta vaga para atender a tantos interessados. No início do ano passado, as duas entraram na fila e, como não foram sorteadas, ficaram de fora da escolinha. “Temos que correr atrás, porque é nosso direito. A verba destinada à educação não vai para a educação”, afirma José Alberto, que não deu conta de manter as filhas numa escola particular. “Pagava R$ 450 para cada, fora a alimentação, fraldas e leite que levava durante o dia. Ficou pesado”, disse.
Proposta: construir mais unidades de educação infantil para suprir a demanda reprimida
* Ele não quis se identificar por temer problemas para as filhas
CHANCES RESTRITAS DE INTERCÂMBIO
Isabella Martins, 20 anos, estudante de psicologia
Parte de uma parcela restrita da população, Isabella Martins conseguiu passar pelo funil do ensino superior e conquistar uma vaga na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a maior do estado. Agora, tenta passar por outra peneira: fazer intercâmbio numa universidade no exterior. Como optou pela psicologia, as possibilidades são mais escassas. “O Ciência sem Fronteiras (programa de intercâmbio estudantil do governo federal) excluiu os cursos de humanas como se o que fizéssemos não fosse ciência”, critica a jovem. “Um intercâmbio me ajudaria, além de aprender outra língua, a entender melhor a diferença, o que é fundamental para um psicólogo”, completa.
Proposta: ampliar as bolsas de intercâmbio estudantil no exterior para outras áreas além daquelas correlatas à tecnologia e inovação
Grandes temas
Desde domingo passado, o Estado de Minas publica a série semanal de reportagens “A vontade do eleitor”. Longe dos palanques políticos e distantes da corrida eleitoral, os cidadãos comuns, que vivem na pele os problemas, propõem medidas a serem implementadas pelos futuros governantes em áreas essenciais. A primeira reportagem mostrou as demandas da saúde, que vão desde o incremento da estrutura hospitalar no interior até a agilidade no tempo do atendimento.
E VOCÊ O QUE ACHA QUE PODE SER MELHORADO NA EDUCAÇÃO PÚBLICA DO PAÍS? COMENTE ABAIXO: