Acusado pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (TSE) Joaquim Barbosa de ter cometido racismo, difamação e injúria (esta, qualificada pelo uso de elementos referentes à raça) em um artigo publicado em 19 de agosto de 2013, o colunista Ricardo Noblat, do jornal "O Globo", foi considerado inocente pela Justiça Federal.
O artigo, intitulado "Quem o ministro Joaquim Barbosa pensa que é?", foi publicado quatro dias depois que Barbosa, durante sessão de julgamento do Mensalão, acusou o colega Ricardo Lewandowski de fazer "chicana".
Noblat escreve: "Que poderes (Barbosa) acredita dispor só por estar sentado na cadeira de presidente do Supremo Tribunal Federal? (...) Ora, se foi honesto e agiu orientado unicamente por sua consciência, nada mais fez do que deveria. A maioria dos brasileiros o admira por isso. Mas é só, ministro".
O colunista afirma que ser admirado "não autoriza ninguém a tratar mal seus semelhantes, a debochar deles, a humilhá-los, a agir como se efêmera superioridade que o cargo lhe confere não fosse de fato efêmera".
Ao citar a autoridade, Noblat escreve: "Joaquim faz questão de exercê-la na fronteira do autoritarismo. E, por causa disso, vez por outra derrapa e ultrapassa a fronteira, provocando barulho. (...) Não é uma questão de maus modos. Ou da educação que o berço lhe negou, pois não lhe negou. No caso dele, tem a ver com o entendimento jurássico de que para fazer justiça não se pode fazer qualquer concessão à afabilidade".
Na sequência, o colunista se refere ao fato de Barbosa ser negro. "Para entender melhor Joaquim acrescenta-se a cor - sua cor. Há negros que padecem do complexo de inferioridade. Outros assumem uma postura radicalmente oposta para enfrentar a discriminação. Joaquim é assim se lhe parece. Sua promoção a ministro do STF em nada serviu para suavizar-lhe a soberba. Pelo contrário. Joaquim foi descoberto por um caça-talentos de Lula incumbido de caçar um jurista talentoso e... negro. (...) Quando Lula bateu o martelo em torno do nome dele, falou meio de brincadeira, meio a sério: Não vá sair por aí dizendo que deve sua promoção aos seus vastos conhecimentos. Você deve à sua cor".
Noblat encerra o texto fazendo uma recomendação ao jurista: "Julgue e deixe os outros julgarem."
Após receber a representação de Barbosa, o MPF, representado pela procuradora da República Lilian Guilhon Dore, apresentou denúncia contra o jornalista. A defesa de Noblat afirmou que o texto não é ofensivo à honra de quem quer que fosse e tampouco indutivo da prática de racismo.
Na sentença, o juiz afirma que "questionar os poderes de uma autoridade pública não deve ser considerado uma afronta. (...) A crítica à autoridade pública (...) tornou-se algo não somente possível, mas necessário. (...) A emitente tarefa de julgar não deve estar desatrelada da atenção e de críticas (construtivas) para o bem desempenho da função. A atenção e a crítica serão maiores se maior for a responsabilidade do detentor do cargo".
A "possibilidade de crítica é uma das facetas da liberdade de expressão, previsto no art. 5º, IX, da Constituição Federal", continua o magistrado. "Da leitura do texto não se pode extrair que, em qualquer momento, o articulista tenha colocado em dúvida a probidade exercida no cargo de ministro do STF. (...) Ainda que o articulista tenha se utilizado de duras palavras, deveria ser punido por justamente retratar uma realidade vista sob a sua ótica? Evidentemente, situação diversa existiria se o articulista tivesse deturpado totalmente a existência dos fatos".
"Barbosa despertou paixões com a mesma velocidade com que despertou ódio. Não há problemas quanto a isso. (...) Mas também não há problema de as pessoas, dentre elas as jornalistas, entenderem se a sua compostura na Suprema Corte era adequada ou não. Alguns o elogiavam, outros o criticavam. Se casos como esse foram reputados como crime, perde a sociedade a oportunidade de formular senso autocrítico", afirma o juiz na sentença.