Jornal Estado de Minas

Delação premiada é " arma" contra a corrupção

Delação premiada assumida por ex-diretor é um recurso poderoso para ajudar no combate à corrupção, segundo especialistas, apesar de ser ainda pouco utilizado pelo Judiciário

Amanda Almeida
Carlos Velloso, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal: "No caso de uma quadrilha de alto nível, como essa que agia na Petrobras, se não houver uma possibilidade como essa de mostrar como os malfeitos eram feitos, seria muito difícil para o MP e a própria Justiça desbaratar" - Foto: Cristina Horta/EM/D.A Press
Brasília – Sob holofotes depois que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa decidiu usá-la para tentar amenizar uma eventual condenação por envolvimento em esquema de corrupção, a delação premiada é, segundo especialistas, instrumento que pode ajudar o país a enquadrar mais organizações criminosas, como a que supostamente atuava na empresa em troca de propina. Para eles, no entanto, a morosidade da Justiça costuma atrapalhar a aplicação do expediente em investigações. Já advogados reclamam que o dispositivo deveria prever maior punição ao delator que mentir.

O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso defende a delação como um instrumento muito útil, “desde que seja usado com seriedade e responsabilidade”. Segundo ele, a delação é amplamente usada fora do Brasil para desbaratar quadrilhas. Na Itália, serviu para desmontar máfias, como na Operação Mãos Limpas, que investigou denúncias de corrupção nos anos 1990.

Velloso entende que o juiz federal Sérgio Moro, que tomou o depoimento do ex-diretor, está fazendo o trabalho perfeito. “É um homem que entende de direito penal como poucos, um magistrado de respeito, que está conduzindo de uma maneira perfeitamente correta esse processo”, destacou Velloso, acrescentando que “é bom que isso tenha prosseguimento justamente no período eleitoral para servir de alerta e advertência”.

Já o procurador da República Hélio Telho, do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal de Goiás, explica que, embora prevista na legislação brasileira desde 1999, a colaboração premiada ganhou peso depois de ser mais bem detalhada na Lei n° 12.850, de 2013, que define organizações criminosas: “É nesse tipo de crime que ela melhor pode contribuir com as investigações. Isso porque, quanto mais se sobe na hierarquia de uma organização criminosa, mais distante vão ficando as provas contra esses chefes. Ou seja, mais difícil é a apuração”.

Telho diz que, como a sanção da Lei n° 12.850 é recente, a delação pode se tornar agora um instrumento mais usado. “Se os investigadores conseguem provas robustas para condenar um dos integrantes da organização, a delação se apresenta como uma alternativa a esse réu. Torna-se mais vantajoso para ele fornecer informações contra esses chefes”, detalha. O acordo de colaboração premiada prevê que, dependendo da relevância da ajuda, o réu pode ter a pena reduzida em dois terços, trocar a cadeia por prisão domiciliar ou até ter perdão judicial.

Para o procurador, a morosidade da Justiça pode ser um inimigo do dispositivo. “A colaboração premiada é apenas uma das alternativas do réu. Se o advogado disser a ele que consegue atrasar a aplicação da pena eternamente por meio de recursos, o delator pode optar por essa alternativa. É mais um problema do excesso de instâncias recursais no Brasil”, avalia.

Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho diz que a delação é uma grande conquista para o Ministério Público. “Contribui muito para as investigações. É importante lembrar que o delator só se beneficia com esse instrumento caso haja coerência entre as informações prestadas por ele e o restante do conjunto probatório”, diz.

PROPINA O ex-diretor acusou políticos do PT, PMDB e PP de receberem recursos de propina para campanhas políticas em 2010. Segundo ele, o PT ficava com 2% a 3% dos valores dos contratos superfaturados na empresa. Ele afirmou que o partido era a legenda que mais recebia recursos de corrupção, já que comandava mais diretorias na empresa. As construtoras acrescentavam 3% a título de “ajuste político” em licitações que eram acertadas entre as empresas de um cartel.

A colaboração premiada prevê que o delator pode auxiliar a Justiça de várias maneiras, como identificando os demais integrantes da organização criminosa, revelando a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas do grupo e recuperando o produto ou o proveito das infrações penais. Além de delatar outros integrantes do esquema, Costa combinou pagar cerca de R$ 70 milhões em multas, desistir de recursos que havia ajuizado no processo e manter sigilo do acordo, entre outros termos.

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