Brasília – Nos corredores, na ala das comissões ou mesmo no cafezinho da Câmara, a reclamação é frequente entre os parlamentares: falta espaço na pauta da Casa para aprovar projetos de autoria dos próprios deputados. Levantamento feito pelo Estado de Minas com base em dados do portal do órgão mostra que o lamento das excelências tem fundamento: apenas 97 – menos de um quinto dos 513 deputados eleitos nesta legislatura – conseguiram aprovar um projeto próprio entre 2011 e 24 de setembro deste ano. A situação tende a se repetir a partir de 2015, mesmo com a renovação das cadeiras.
Segundo o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), parte do predomínio do Executivo na escolha da pauta de votações do Congresso se deve às características do sistema político brasileiro. Além do envio de medidas provisórias, que passam a trancar a pauta do plenário após o 45° dia caso não sejam votadas, o Executivo pode mandar projetos com urgência constitucional. “A nossa Constituição concede ao Executivo uma série de privilégios na relação com o Congresso, inclusive com a reserva de iniciativa em matérias tributárias, previdenciárias e adminsitrativas, entre outras”, observa. Especializado em análises sobre o funcionamento do Congresso, Queiroz destaca que, muitas vezes, o Executivo utiliza essas prerrogativas para trancar a pauta propositalmente e evitar a votação de projetos que possam significar aumento de custos.
Nesse contexto, destaca o especialista, em muitos casos é mais efetivo aproveitar propostas em tramitação do que ser o autor de uma. “Para um deputado, às vezes é mais vantajoso adicionar uma emenda a um projeto do Executivo do que apresentar um texto próprio porque a chance de sucesso é mais alta. Poucos projetos do governo saem do Congresso sem serem emendados. Então, há um pouco de conveniência do Legislativo também”, ressalva.
As medidas provisórias (MPs) são um bom exemplo: um levantamento do Diap sobre 2013 mostra que, de 21 MPs transformadas em lei naquele ano, 20 sofreram algum tipo de modificação dos parlamentares, e só uma foi aprovada tal qual enviada pelo governo.
Autoritarismo “O modelo é autoritário. No presidencialismo de coalizão que existe hoje, o governo acha que pode tudo. E o pior é que, às vezes, pode mesmo”, observa o líder da oposição na Câmara, deputado Domingos Sávio (PSDB-MG). Ele cita como exemplo o projeto de lei enviado pelo Executivo em junho para regulamentar o acesso e o uso da biodiversidade brasileira, que, atualmente, tranca a pauta da Câmara. “É um tema importante, sim, mas não tinha a menor necessidade de mandar com urgência constitucional. Para piorar, o PT nem sequer indicou os integrantes da Comissão Especial que vai analisar a proposta. Foi propositado, para manter a pauta trancada”, acredita.
“O Congresso, na prática, está fechado mais uma vez. As pessoas não percebem a gravidade disso. Aí, quando eventualmente a pauta fica destrancada, o que se põe em votação são projetos de consenso, geralmente homenagens ou modificações pontuais em leis já existentes. Ainda há muito para caminhar no sentido de termos uma democracia real”, enfatiza Sávio.
Uma análise dos projetos aprovados por parlamentares nesse período corrobora a tese do parlamentar. Entre outras medidas, deputados e senadores concederam sete títulos a municípios, nomearam quatro patronos (como Paulo Autran, que foi declarado patrono do teatro brasileiro), e trocaram os nomes de 33 trechos de rodovias, metrôs e até de um açude.