O cadastro da atividade de lobby da Câmara dos Deputados não informa quem realmente influi, como influi e sobre quem influi no processo de elaboração de leis. É o olhar do eleitor sobre as prestações de contas dos deputados federais candidatos à reeleição que desvenda o lado desconhecido da representação de interesses no Poder Legislativo.
Dados sistematizados pelo Estado de Minas das prestações parciais de contas apresentadas à Justiça Eleitoral pelos 43 deputados federais mineiros que tentaram um novo mandato apontam as mineradoras como campeãs em doações: foram R$ 5,03 milhões, o correspondente a 22% do total de R$ 22,497 milhões das contribuições de pessoas jurídicas. As empreiteiras foram a segunda categoria de empresas que mais investiram na composição do futuro parlamento: R$ 3,138 milhões – 14% do total das contribuições de empresas. O segmento de fármacos e da saúde – aí incluídas as cooperativas médicas –, os frigoríficos, o agronegócio e as instituições financeiras doaram a esses deputados federais mineiros, nessa ordem, R$ 1,96 milhão (8,7%), R$ 1,85 milhão (8,2%), R$ 1,47 milhão (6,5%) e R$ 1,27 milhão (5,6%).
Apesar do intenso envolvimento das empresas desses segmentos nas contribuições das campanhas ao longo das duas últimas décadas, nenhuma delas teve a representação de seus interesses, por meio de um lobista, registrada junto à Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados, responsável por esse cadastro. Quem afirma é o cientista político Manoel Leonardo Santos, do Centro de Estudos Legislativos do Departamento de Ciência Política da UFMG, coordenador de pesquisa inédita financiada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o lobby e a representação dos interesses na Câmara dos Deputados.
Ao longo desse período registraram a sua atividade de lobby no Congresso Nacional principalmente órgãos do governo, agências reguladoras, empresas de economia mista, sindicatos e associações profissionais. Segundo revelou a pesquisa, estão entre os lobistas inscritos no cadastro representantes dos grupos de interesses da sociedade civil e os assessores parlamentares dos órgãos de estado. “Não há empresas ligadas aos setores da economia que contribuem com as campanhas e que têm fortes interesses na aprovação de matérias. Tampouco há registro daqueles lobistas que desenvolvem a atividade profissionalmente intermediando esses interesses”, diz o cientista. Enquanto com a prestação de contas das campanhas é possível saber quem paga a conta, a atividade do lobby no Brasil não exige qualquer registro. “Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde há clara regulamentação”, explica Manoel Leonardo Santos.
A partir da redemocratização do país e da promulgação da Constituição de 1988, o Congresso Nacional foi valorizado como arena política. “Nesse novo contexto, a competição por influência num ambiente pluralista no interior do parlamento leva à profissionalização do lobby”, afirma o cientista. A atividade é crescentemente valorizada: 70% afirmaram que desempenham a atividade em tempo integral e, em 77% dos casos, é atribuído a eles alto status, já que há um setor posicionado no topo do organograma da organização dedicado à representação dos interesses. “Em 64% dos casos, os entrevistados afirmam ainda que existe uma equipe especializada, de em média 12 pessoas, para apoiar a atividade de lobby e a representação de interesses”, revela Manoel Santos. É alto o grau de especialização de 55% dessas equipes e, em 58% delas, é também alta a profissionalização.
A primeira luz colocada pelo trabalho de Manoel Leonardo Santos sobre o cadastro do Congresso Nacional indica que entre as entidades que formalizam o acompanhamento da tramitação das matérias de seu interesse, há forte apoio pela regulamentação do lobby no Brasil: 80% delas consideram importante que sejam definidas regras claras para a atividade. Na avaliação de 76%, essa iniciativa aumentaria a transparência da representação dos interesses e 65% acham que isso diminuiria a corrupção e o tráfico de influência. Para 72%, a formalização do lobby no país também aumentaria o controle social e o acompanhamento dos representantes eleitos.
Mineração no topo dos financiadores
Com interesses no âmbito federal e também estadual, os segmentos da mineração, da construção e do agronegócio são aqueles que mais financiaram as campanhas de deputados que concorreram à reeleição tanto para a bancada mineira da Câmara dos Deputados quanto para a Assembleia Legislativa. Deputados federais e estaduais que tentaram um novo mandato também se valeram do expediente de transferências de recursos entre diretórios e entre campanhas para evitar a identificação dos doadores: 5% das contribuições declaradas estão nesta categoria.
O que difere o perfil do financiamento para os dois cargos é a diferença no peso que assumem alguns segmentos. O setor imobiliário, por exemplo, investiu proporcionalmente duas vezes mais na reeleição de deputados estaduais do que de deputados federais mineiros. Também os segmentos de transportadoras, locadoras de veículos e postos de gasolina, empresas de venda de material de construção e o segmento de gráficas e editoras apostaram muito mais, quando não exclusivamente, nas eleições para a Assembleia Legislativa. Já os frigoríficos, o segmento de bebidas e de produtos químicos nada ou pouco investiram em deputados estaduais: fizeram as apostas na reeleição de deputados federais.