Étore Medeiros
Brasília – A semana seguinte à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) teve clima de “terceiro turno” no Congresso. Depois de sofrer uma derrota importante na terça-feira com a aprovação de um projeto de decreto legislativo (PDC) que anula a criação do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), lançado por Dilma em maio, a Câmara aprovou ontem a convocação dos ministros peemedebistas Neri Geller (Agricultura) e Edison Lobão (Minas e Energia) para prestar explicações sobre supostas irregularidades nas pastas. Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), já avisou que a Casa também vai derrubar o decreto.
Nos bastidores, a base reclama que Dilma ainda não fez nenhum aceno ao Congresso com potencial para tranquilizar a relação com o governo. As convocações de Geller e Lobão foram aprovadas a partir de requerimentos apresentados por oposicionistas, que formam a maioria na Comissão de Agricultura. PT e PMDB pediram “diálogo” e tentaram transformar as convocações em convites, que poderiam ser recusados pelos ministros.
Geller terá de explicar-se sobre supostas falhas na fiscalização da qualidade das vacinas contra a febre aftosa. Já Lobão foi convocado por um requerimento do deputado e senador eleito Ronaldo Caiado (DEM-GO), a pretexto de discutir o acordo firmado para a transferência do controle das Centrais Elétricas de Goiás (CELG) à Eletrobras.
Lobão, no entanto, é um dos políticos que teria sido citado na delação premiada do doleiro Alberto Youssef como beneficiário no esquema de corrupção denunciado pela Operação Lava a Jato, da Polícia Federal.
As pautas dos plenários da Câmara e do Senado prometem ser outra dor de cabeça para o Planalto. Na Câmara, o presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) pretende votar a PEC que estabelece o fim da contribuição à Previdência dos servidores inativos, assim como concluir a votação da PEC do chamado “orçamento impositivo”, com a derrubada de destaques ao texto que podem representar aumentos de gastos da União.
As relações de Dilma com o Congresso podem ficar mais complicadas caso o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), continue disposto a concorrer à presidência da Câmara em 2015. Reconduzido à liderança ontem durante reunião com a bancada no Congresso, Cunha considerou não ser “automático” o rodízio de presidências da Casa entre PT e PMDB, que existia desde 2007 para evitar brigas.
NOVA DERROTA No Senado, a proposta do Executivo de criação de conselhos populares também deve ser barrada. “Ela ser derrubada na Câmara não surpreendeu, da mesma forma que não surpreenderá se for, e será, derrubada no Senado”, disse Renan Calheiros. A oposição já coleta assinaturas para que a matéria tramite em regime de urgência, mas a medida ainda não tem data para ser apreciada.
O senador negou, no entanto, que a possível derrota do governo seja retaliação pós-eleitoral ao PT. “Ao contrário, essa dificuldade já estava posta desde antes das eleições, ela apenas se repete. Essa coisa da criação de conselhos é conflituosa”, argumentou. Apesar de negar mal-estar com o governo, Renan não deixou passar batida a fala de Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, na qual minimizou a derrota entre os deputados: “Sinceramente, mais uma vez, o ministro Gilberto Carvalho não está sabendo nem do que está falando”.
Apontado como um dos responsáveis pela derrubada da proposta na Câmara, o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), foi alvo de críticas do líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE). “Se é verdade que ele bancou essa decisão porque está com raiva do governo ou com raiva do PT, e não acredito, palmas para o Rio Grande do Norte”, alfinetou. Sem o apoio do PT, Alves perdeu a disputa pelo governo estadual e, depois de mais de 40 anos consecutivos como deputado, ficará sem mandato em 2015.
Apesar da expectativa de derrota, o Planalto aposta todas as fichas em uma reviravolta. A estratégia para manter o decreto que cria a Política Nacional de Participação Popular será chamar os conselhos para defender a proposta para os senadores.