A inércia do Congresso Nacional para buscar consenso em torno da esperada reforma política põe em alerta entidades da sociedade civil que, comandadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), decidiram fazer a matéria avançar na próxima legislatura por meio de projeto de iniciativa popular. A campanha nacional para a coleta de assinaturas será lançada nesta terça-feira, em Brasília, na sede do Conselho Federal da OAB.
“Se a iniciativa não for popular, a mudança não sairá do papel”, afirma o presidente da OAB de Minas, Luís Cláudio Chaves, em referência ao fato de só na última década já terem sido constituídas três comissões especiais no Congresso Nacional, cujos anteprojetos propostos a partir de inúmeras audiências públicas e debates terminaram esquecidos. “Dali não sai. Os parlamentares foram eleitos por esse sistema de regras. Não têm interesse em mudar”, considera Luís Cláudio Chaves.
O momento é oportuno para rearticular as mudanças. Já em seu primeiro discurso após as eleições, a presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) propôs a reforma por meio de plebiscito. A ideia não agradou a muitos no Congresso Nacional. Entre as reclamações a meia boca, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), indicou como “caminho” a aprovação de uma proposta no Legislativo, submetida a referendo popular. Em autocrítica, o próprio Renan reconheceu “uma unanimidade estática, onde todos são favoráveis, mas ela nunca prospera”.
OAB e CNBB, velhas parceiras que patrocinaram, depois da redemocratização, por meio de projetos de iniciativa popular, as mudanças mais importantes na legislação eleitoral – o projeto Ficha Limpa e o projeto de cassação por compra de votos –, estão à frente da mobilização pela reforma política desde o ano passado. Após as manifestações de rua, as duas entidades, encabeçando a plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema político, e outras 97 organizações da sociedade civil se intitularam “Coalizão pela reforma política”. Elaborado o anteprojeto, dão início agora à coleta de assinaturas, dispostos a levar a matéria à pauta na legislatura que se inicia em fevereiro do ano que vem.
Manifestações
O movimento ganha força porque o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento ainda em curso de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Conselho Federal da OAB, já sinalizou com as manifestações de seis ministros que será considerado inconstitucional o financiamento de campanhas eleitorais por empresas. Um dos argumentos da ação é o de que a Constituição define em seu artigo primeiro, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Para a OAB, as empresas, não sendo “povo”, não podem ser fonte do poder.
As pessoas jurídicas responderam nas eleições de 2010 por cerca de 70% do conjunto do financiamento de R$ 3,3 bilhões em valores nominais – R$ 4,10 bilhões em valores corrigidos despendidos nas campanhas de 22.538 candidatos em todo o país. Os valores gastos nas campanhas deste ano só serão divulgados a partir desta terça-feira, prazo final para a prestação de contas do primeiro turno. “Se confirmada a decisão do STF, o Legislativo poderá até tentar reação na direção oposta, aprovando emenda à Constituição Federal autorizando o financiamento privado”, avalia o cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fábio Wanderley Reis.
De fato, a proposta de emenda constitucional (PEC 352/2013), elaborada pelo grupo de trabalho para a reforma política, que hoje está parada na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, acaba com a reeleição, mantém os mandatos em quatro anos, institui o voto facultativo e estabelece o financiamento privado empresarial, apesar da manifestação da maioria dos ministros do STF, além de constitucionalizar a possibilidade de que os partidos políticos decidam entre o financiamento privado, o público ou a combinação de ambos (misto).
Não seria a primeira vez que o embate entre a decisão do STF e os interesses dos parlamentares levaria à aprovação de mudança na Constituição. Foi assim nas eleições de 2006. Após entendimento do STF de que os partidos políticos teriam de seguir nos estados as mesmas coligações firmadas para a disputa presidencial, no Congresso, as forças políticas da situação e da oposição se uniram em torno do fim da obrigatoriedade da chamada verticalização. “O Congresso, quando foi afetado pela interpretação do STF, se apressou em aprovar uma proposta para incluir na Constituição Federal a prática que era corrente”, analisa o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Jairo Nicolau, em referência à liberdade que até então prevalecera para todas as possibilidades de coligações nas eleições nacionais e estaduais.
Problemas estruturantes
O anteprojeto de iniciativa popular para a “reforma política e eleições limpas” aborda quatro problemas no atual sistema eleitoral e político considerados, em cartilha explicativa, como “estruturantes”:
1 » O financiamento das campanhas por empresas e a corrupção que, acredita, dele deriva.
2 » O sistema eleitoral proporcional de lista aberta para a eleição de deputados estaduais e federais.
3 » A sub-representação das mulheres nos legislativos e em cargos majoritários.
4 » A falta de canais para a participação e a influência direta dos cidadãos no sistema político.
O que propõe
1 » A proibição do financiamento de campanhas por empresas e o “financiamento democrático”, uma combinação de financiamento público com o financiamento de pessoas físicas. O financiamento de pessoas físicas seria de, no máximo, R$ 700, corrigidos por índices oficiais, a cada eleição. E o total dessas contribuições não poderia ultrapassar 40% dos recursos públicos destinados ao candidato.
2 » Para substituir o atual sistema proporcional de lista aberta utilizado para as eleições legislativas, o movimento pela reforma política propõe o sistema proporcional em lista pré-ordenada e em dois turnos. No primeiro turno, o voto seria dado ao partido, a partir do debate em torno de sua plataforma política e também considerando uma lista pré-ordenada de candidatos. Nesse primeiro turno, os partidos elegeriam o número de cadeiras. Já no segundo turno, os eleitores escolheriam os candidatos. Cada legenda apresentaria o dobro de candidatos das vagas conquistadas no primeiro turno.
3 » Para corrigir a su-representação das mulheres, as listas pré-ordenadas, que seriam escolhidas em eleições primárias, apresentariam alternância de gênero em sua composição – de tal forma que 50% das vagas seriam preenchidas por homens e 50%, por mulheres.
4 » A proposta ainda busca ampliar os instrumentos de consulta aos eleitores, como plebiscito, referendo, além dos projetos de iniciativa popular.
“Se a iniciativa não for popular, a mudança não sairá do papel”, afirma o presidente da OAB de Minas, Luís Cláudio Chaves, em referência ao fato de só na última década já terem sido constituídas três comissões especiais no Congresso Nacional, cujos anteprojetos propostos a partir de inúmeras audiências públicas e debates terminaram esquecidos. “Dali não sai. Os parlamentares foram eleitos por esse sistema de regras. Não têm interesse em mudar”, considera Luís Cláudio Chaves.
O momento é oportuno para rearticular as mudanças. Já em seu primeiro discurso após as eleições, a presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) propôs a reforma por meio de plebiscito. A ideia não agradou a muitos no Congresso Nacional. Entre as reclamações a meia boca, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), indicou como “caminho” a aprovação de uma proposta no Legislativo, submetida a referendo popular. Em autocrítica, o próprio Renan reconheceu “uma unanimidade estática, onde todos são favoráveis, mas ela nunca prospera”.
OAB e CNBB, velhas parceiras que patrocinaram, depois da redemocratização, por meio de projetos de iniciativa popular, as mudanças mais importantes na legislação eleitoral – o projeto Ficha Limpa e o projeto de cassação por compra de votos –, estão à frente da mobilização pela reforma política desde o ano passado. Após as manifestações de rua, as duas entidades, encabeçando a plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema político, e outras 97 organizações da sociedade civil se intitularam “Coalizão pela reforma política”. Elaborado o anteprojeto, dão início agora à coleta de assinaturas, dispostos a levar a matéria à pauta na legislatura que se inicia em fevereiro do ano que vem.
Manifestações
O movimento ganha força porque o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento ainda em curso de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Conselho Federal da OAB, já sinalizou com as manifestações de seis ministros que será considerado inconstitucional o financiamento de campanhas eleitorais por empresas. Um dos argumentos da ação é o de que a Constituição define em seu artigo primeiro, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Para a OAB, as empresas, não sendo “povo”, não podem ser fonte do poder.
As pessoas jurídicas responderam nas eleições de 2010 por cerca de 70% do conjunto do financiamento de R$ 3,3 bilhões em valores nominais – R$ 4,10 bilhões em valores corrigidos despendidos nas campanhas de 22.538 candidatos em todo o país. Os valores gastos nas campanhas deste ano só serão divulgados a partir desta terça-feira, prazo final para a prestação de contas do primeiro turno. “Se confirmada a decisão do STF, o Legislativo poderá até tentar reação na direção oposta, aprovando emenda à Constituição Federal autorizando o financiamento privado”, avalia o cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fábio Wanderley Reis.
De fato, a proposta de emenda constitucional (PEC 352/2013), elaborada pelo grupo de trabalho para a reforma política, que hoje está parada na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, acaba com a reeleição, mantém os mandatos em quatro anos, institui o voto facultativo e estabelece o financiamento privado empresarial, apesar da manifestação da maioria dos ministros do STF, além de constitucionalizar a possibilidade de que os partidos políticos decidam entre o financiamento privado, o público ou a combinação de ambos (misto).
Não seria a primeira vez que o embate entre a decisão do STF e os interesses dos parlamentares levaria à aprovação de mudança na Constituição. Foi assim nas eleições de 2006. Após entendimento do STF de que os partidos políticos teriam de seguir nos estados as mesmas coligações firmadas para a disputa presidencial, no Congresso, as forças políticas da situação e da oposição se uniram em torno do fim da obrigatoriedade da chamada verticalização. “O Congresso, quando foi afetado pela interpretação do STF, se apressou em aprovar uma proposta para incluir na Constituição Federal a prática que era corrente”, analisa o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Jairo Nicolau, em referência à liberdade que até então prevalecera para todas as possibilidades de coligações nas eleições nacionais e estaduais.
Problemas estruturantes
O anteprojeto de iniciativa popular para a “reforma política e eleições limpas” aborda quatro problemas no atual sistema eleitoral e político considerados, em cartilha explicativa, como “estruturantes”:
1 » O financiamento das campanhas por empresas e a corrupção que, acredita, dele deriva.
2 » O sistema eleitoral proporcional de lista aberta para a eleição de deputados estaduais e federais.
3 » A sub-representação das mulheres nos legislativos e em cargos majoritários.
4 » A falta de canais para a participação e a influência direta dos cidadãos no sistema político.
O que propõe
1 » A proibição do financiamento de campanhas por empresas e o “financiamento democrático”, uma combinação de financiamento público com o financiamento de pessoas físicas. O financiamento de pessoas físicas seria de, no máximo, R$ 700, corrigidos por índices oficiais, a cada eleição. E o total dessas contribuições não poderia ultrapassar 40% dos recursos públicos destinados ao candidato.
2 » Para substituir o atual sistema proporcional de lista aberta utilizado para as eleições legislativas, o movimento pela reforma política propõe o sistema proporcional em lista pré-ordenada e em dois turnos. No primeiro turno, o voto seria dado ao partido, a partir do debate em torno de sua plataforma política e também considerando uma lista pré-ordenada de candidatos. Nesse primeiro turno, os partidos elegeriam o número de cadeiras. Já no segundo turno, os eleitores escolheriam os candidatos. Cada legenda apresentaria o dobro de candidatos das vagas conquistadas no primeiro turno.
3 » Para corrigir a su-representação das mulheres, as listas pré-ordenadas, que seriam escolhidas em eleições primárias, apresentariam alternância de gênero em sua composição – de tal forma que 50% das vagas seriam preenchidas por homens e 50%, por mulheres.
4 » A proposta ainda busca ampliar os instrumentos de consulta aos eleitores, como plebiscito, referendo, além dos projetos de iniciativa popular.