Entretanto, o momento político da entrega do relatório – logo após uma acirrada disputa presidencial, quando algumas pessoas chegaram a ir às ruas levantando cartazes pedindo uma intervenção militar e a volta da ditadura – pode influenciar na decisão da comissão. Os três livros irão trazer o resultado dos 13 grupos de trabalho da CNV, que são variados e vão da Guerrilha do Araguaia, passando pela Operação Condor, o funcionamento da estrutura da repressão, o papel da Igreja, as violações contra camponeses e indígenas até os mortos e desaparecidos políticos. Sobre este último será contada a história de 420 militantes.
Nos bastidores da comissão circula a informação de que o único contrário a pedir a responsabilização criminal dos agentes da ditadura é o advogado José Paulo Cavalcanti.
No final de setembro, quatro membros da CNV estiveram em Belo Horizonte para uma diligência nas dependências do 12º Batalhão de Infantaria, no Barro Preto, que nos anos de chumbo era chamado de 12º Regimento de Infantaria e foi palco de graves violações dos direitos humanos. Na ocasião, Maria Rita Khel comentou uma resposta do Ministério da Defesa, assinada pelo ministro Celso Amorin, admitindo a possibilidade de torturas e mortes nas dependências das Forças Armadas.
“Percebemos como até hoje – talvez o nosso trabalho sirva para isso – a democracia não está plenamente consolidada no Brasil, se o ministro da Defesa não se sente à vontade para dizer: ‘Houve sim’. O máximo que ele pode dizer é: ‘Não posso negar’. É um jeito também de não se comprometer junto aos seus subordinados”, afirmou Maria Rita Khel.
A integrante da CNV avaliou que a anistia foi “um pacto com os próprios violadores de direitos humanos”. Para ela, esse acordo feito pela sociedade brasileira faz com que, mesmo 30 anos após o fim da ditadura militar, “um ministro da Defesa não se sinta à vontade para dizer claramente tudo o que aconteceu. Ele ainda é refém de uma parte muito conservadora”.
Apuração O coordenador da CNV, Pedro Dallari, adota um discurso mais conciliador. Em Belo Horizonte, ele disse que a CNV não tem poderes persecutório e jurisdicional. “Tem que fazer uma apuração muito criteriosa dos fatos, das circunstâncias, dos locais onde houve tortura, execução e graves violações dos direitos humanos”, pontuou.
Quando questionado sobre a Lei da Anistia, Dallari respondeu: “A CNV não tem competência para lidar com a temática da anistia. Somos uma comissão de apuração de fatos. Portanto, acompanhamos.
A Lei da Anistia é de 1979 e um pedido de revisão foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 2010, mas foi rejeitado por sete votos a dois. Porém, ainda há um recurso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Após a votação do STF, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por não ter punido os responsáveis pelo desaparecimento de 62 militantes da Guerrilha do Araguaia. De acordo com a OEA, os crimes contra a humanidade são imprescritíveis e a Lei da Anistia teria violado os tratados internacionais assinados pelo Brasil.
A data de encerramento da CNV é dia 16 de dezembro. A comissão foi formada em maio de 2012 e deveria ter sido encerrada em maio de 2014, mas conseguiu seis meses a mais de prazo. A vontade da presidente Dilma Rousseff foi fundamental para a criação da comissão. Maria Rita Khel destacou que Dilma é a primeira presidente que foi torturada pelos militares que chegou ao poder.
Momentos da CNV
» Em parceria com a Comissão da Verdade do Rio, a CNV colheu o depoimento do coronel reformado Paulo Malhães, que admitiu ter participado da operação para ocultar o cadáver do ex-deputado Rubens Paiva, que foi morto sob tortura em 1971. Após o depoimento, Malhães foi encontrado morto em abril deste ano.
» Contribuiu para a alteração do atestado de óbito de Vladimir Herzog, deixando de constar o forjado suicídio e considerando que houve tortura no DOI-Codi, em
São Paulo.
» Desmontou a versão oficial de que o militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) Luiz Eurico Tejera Lisbôa teria suicidado com um tiro na cabeça.
» Considerou que a morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek foi um acidente e não vítima de um atentado provocado por tiro, como chegou a se especular devido a um fragmento metálico encontrado no cérebro de Geraldo Ribeiro, motorista do Opala em que JK estava. Segundo laudo da CNV, o objeto é um cravo metálico usado em caixões e não um resquício de bala de revólver. .