Jornal Estado de Minas

Prisões dos condenados no mensalão completam um ano neste sábado

Detenções em pleno feriado provocaram críticas. Hoje, seis dos condenados do maior julgamento do STF cumprem pena em casa

Ana Pompeu
- Foto: REUTERS/Nacho Doce

Brasília – Há exatos 365 dias, os condenados do maior julgamento da história da Suprema Corte brasileira foram presos. Num domingo da Proclamação da República, nomes importantes do partido que governava, e ainda está à frente do Executivo, se entregaram à Polícia Federal e começaram a cumprir as penas determinadas em 2012. Oito anos depois do escândalo do mensalão vir à tona e um ano depois da conclusão do julgamento, os condenados deram entrada no sistema prisional, contrariando a ideia de impunidade em casos de crimes do alto escalão do poder.


Nesse período, seis condenados da Ação Penal 470 conseguiram progressão para o regime aberto e cumprem pena em casa. Todos do núcleo político. Entre eles, os nomes mais famosos do escândalo: o ex-deputado federal José Genoino, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o último a ter o benefício autorizado. A prisão, porém, não significou o fim das polêmicas. A própria expedição dos mandados de prisão de 12 réus do mensalão no feriado provocou críticas ao relator do processo, ministro Joaquim Barbosa. Existiam especulações sobre pretensões do ministro em usar o capítulo do mensalão em uma eventual carreira política.

Com ampla cobertura da imprensa durante todo o dia, falou-se em “espetáculo midiático”.


Daquele feriado para cá, houve também denúncias de privilégios na prisão e acompanhamento das saídas dos condenados para trabalho externo, progressão para o regime aberto, além da fuga quase cinematográfica para a Itália do ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, usando documentos do irmão falecido há anos. Mas por mais que aqueles que tenham progredido de regime sejam políticos e isso tenha despertado novos questionamentos, os especialistas ouvidos pela reportagem descartam qualquer tipo de privilégio e concordam que o julgamento do mensalão foi um marco para a história da Justiça brasileira.


Com 57 anos de advocacia, o jurista Ives Gandra Martins avalia que o legado do julgamento e prisão dos condenados do mensalão é positivo. “O povo começou a exigir o fim da impunidade e levou o próprio governo a compreender a necessidade de investigar todas as notícias de corrupção”, analisa. Para Gandra, uma resposta foi dada à sociedade. “Considero que foi primeiro grande passo para a moralização das instituições”, afirma o professor emérito da Universidade Mackenzie.


No entanto, ele discorda da posição do Supremo em um ponto. “Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a da dúvida pró-réu”, diz. Para ele, a teoria adotada de forma inédita pela Corte foi usada para condenar José Dirceu e poderia trazer uma insegurança jurídica. “No caso do Dirceu, eu entendia que não havia prova material, só testemunhal”, reafirma. Os crimes de lavagem de dinheiro e formação quadrila também tiveram avaliação controversa, mas que, segundo ele, foi corrigida posteriormente no julgamento dos embargos infringentes.


O ex-procurador da República e advogado gaúcho Lênio Streck chegou a escrever, em artigo publicado na época, que existiria uma história antes e outra depois do mensalão.

“Não importam os acertos e os erros. Houve um aprendizado muito grande. Sou muito otimista com relação ao futuro do STF depois do mensalão, com a questão dos processos complexos e das garantias dos direitos fundamentais. Às vezes a sociedade moralista quer que o réu seja esfolado. A sociedade tem direito, mas os tribunais devem preservar os direitos”, analisa.


Ele defende que a Corte amadureceu e está pronta para enfrentar novos casos, como num possível julgamento decorrente da operação Lava a Jato. Para ele, as teses de favorecimento dos réus liberados para o regime aberto são infundadas. “Tecnicamente, está tudo na Lei de Execuções Penais. Não vejo nenhum tratamento privilegiado. O Supremo não favoreceu ninguém”, enfatiza.

 

 

Em capítulos

No feriado da Proclamação da República de 2013, os condenados da Ação Penal 470 começaram a cumprir a pena de prisão. Relembre alguns momentos:

  Novembro de 2013

Dia 12 - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, envia parecer ao STF recomendando a imediata execução das penas dos condenados no mensalão

Dia 13 - STF determina a execução imediata das penas impostas

Dia 15 - O presidente do STF, Joaquim Barbosa, manda prender 12 condenados.

José Dirceu e José Genoino se apresentaram na Superintendência da Polícia Federal (PF) em São Paulo. Ambos ergueram os punhos cerrados em agradecimento ao apoio de amigos e militantes. Marcos Valério e mais seis condenados se entregaram em Belo Horizonte

Dia 16 - Delúbio Soares se entrega. Descobre-se que o ex-dirigente do Banco do Brasil Henrique Pizzolato fugiu para a Itália e ele passa a ser considerado foragido

Dia 21 - Após passar mal na prisão, Genoino é levado para o Instituto de Cardiologia do Distrito. Barbosa permite que Genoino se trate em casa ou em um hospital até que uma junta médica divulgue parecer sobre o quadro de saúde

n Dia 26 - Laudo médico atesta que a cardiopatia de Genoino não se caracteriza como grave. O Senado aprova o fim da votação secreta na cassação de mandatos

  Dezembro de 2013

Dia 3 - Genoino renuncia ao mandato de deputado para evitar o processo de cassação

Dia 5 - Valdemar Costa Neto (PR-SP) também renuncia ao
mandato e se entrega à polícia

Dia 27 - Joaquim Barbosa nega transferência de Genoino para São Paulo, mas autoriza prisão domiciliar ou hospitalar por 90 dias, contados a partir de 21 de novembro

  2014

27/2 - José Dirceu, apontado em 2012 como o chefe do grupo, Delúbio Soares, José Genoino e outros cinco são absolvidos do crime de formação de quadrilha. Com isso, Dirceu e Delúbio escaparam de cumprir pena em regime fechado

28/5 - Marcos Valério é transferido da Papuda para presídio de Minas Gerais

16/6 - Intelectuais e artistas assinam carta contra “arbitrariedades” de Barbosa

3/7 - Dirceu sai da cadeia para primeiro dia de trabalho externo em biblioteca de escritório de advocacia

12/8 - Genoino deixa presídio e segue para cumprimento da pena em casa
18/8 - Ministro do Supremo anula leilão de bens de Marcos Valério. Leilão foi autorizado por Joaquim Barbosa, mas Luís Roberto Barroso reverteu decisão

27/8 - STF nega prisão domiciliar a Roberto Jefferson. O delator do mensalão cumpre pena no Presídio Ary Franco, no Rio de Janeiro, desde fevereiro

30/9 - Delúbio Soares deixa a prisão e passa a cumprir pena em regime domiciliar

28/10 - Justiça da Itália nega extradição e solta Pizzolato

4/11 - José Dirceu passa para o regime aberto

12/11- A defesa do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP)
pede ao STF progressão para o regime aberto, sem precisar pagar R$ 536,4 mil
por ressarcimento aos cofres públicos pelo desvios que causou no
esquema do mensalão

 

 

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