Brasília – Há exatos 365 dias, os condenados do maior julgamento da história da Suprema Corte brasileira foram presos. Num domingo da Proclamação da República, nomes importantes do partido que governava, e ainda está à frente do Executivo, se entregaram à Polícia Federal e começaram a cumprir as penas determinadas em 2012. Oito anos depois do escândalo do mensalão vir à tona e um ano depois da conclusão do julgamento, os condenados deram entrada no sistema prisional, contrariando a ideia de impunidade em casos de crimes do alto escalão do poder.
Daquele feriado para cá, houve também denúncias de privilégios na prisão e acompanhamento das saídas dos condenados para trabalho externo, progressão para o regime aberto, além da fuga quase cinematográfica para a Itália do ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, usando documentos do irmão falecido há anos. Mas por mais que aqueles que tenham progredido de regime sejam políticos e isso tenha despertado novos questionamentos, os especialistas ouvidos pela reportagem descartam qualquer tipo de privilégio e concordam que o julgamento do mensalão foi um marco para a história da Justiça brasileira.
Com 57 anos de advocacia, o jurista Ives Gandra Martins avalia que o legado do julgamento e prisão dos condenados do mensalão é positivo. “O povo começou a exigir o fim da impunidade e levou o próprio governo a compreender a necessidade de investigar todas as notícias de corrupção”, analisa. Para Gandra, uma resposta foi dada à sociedade. “Considero que foi primeiro grande passo para a moralização das instituições”, afirma o professor emérito da Universidade Mackenzie.
No entanto, ele discorda da posição do Supremo em um ponto. “Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a da dúvida pró-réu”, diz. Para ele, a teoria adotada de forma inédita pela Corte foi usada para condenar José Dirceu e poderia trazer uma insegurança jurídica. “No caso do Dirceu, eu entendia que não havia prova material, só testemunhal”, reafirma. Os crimes de lavagem de dinheiro e formação quadrila também tiveram avaliação controversa, mas que, segundo ele, foi corrigida posteriormente no julgamento dos embargos infringentes.
O ex-procurador da República e advogado gaúcho Lênio Streck chegou a escrever, em artigo publicado na época, que existiria uma história antes e outra depois do mensalão. “Não importam os acertos e os erros. Houve um aprendizado muito grande. Sou muito otimista com relação ao futuro do STF depois do mensalão, com a questão dos processos complexos e das garantias dos direitos fundamentais. Às vezes a sociedade moralista quer que o réu seja esfolado. A sociedade tem direito, mas os tribunais devem preservar os direitos”, analisa.
Ele defende que a Corte amadureceu e está pronta para enfrentar novos casos, como num possível julgamento decorrente da operação Lava a Jato. Para ele, as teses de favorecimento dos réus liberados para o regime aberto são infundadas. “Tecnicamente, está tudo na Lei de Execuções Penais. Não vejo nenhum tratamento privilegiado. O Supremo não favoreceu ninguém”, enfatiza.
Em capítulos
No feriado da Proclamação da República de 2013, os condenados da Ação Penal 470 começaram a cumprir a pena de prisão. Relembre alguns momentos:
Novembro de 2013
Dia 12 - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, envia parecer ao STF recomendando a imediata execução das penas dos condenados no mensalão
Dia 13 - STF determina a execução imediata das penas impostas
Dia 15 - O presidente do STF, Joaquim Barbosa, manda prender 12 condenados. José Dirceu e José Genoino se apresentaram na Superintendência da Polícia Federal (PF) em São Paulo. Ambos ergueram os punhos cerrados em agradecimento ao apoio de amigos e militantes. Marcos Valério e mais seis condenados se entregaram em Belo Horizonte
Dia 16 - Delúbio Soares se entrega. Descobre-se que o ex-dirigente do Banco do Brasil Henrique Pizzolato fugiu para a Itália e ele passa a ser considerado foragido
Dia 21 - Após passar mal na prisão, Genoino é levado para o Instituto de Cardiologia do Distrito. Barbosa permite que Genoino se trate em casa ou em um hospital até que uma junta médica divulgue parecer sobre o quadro de saúde
n Dia 26 - Laudo médico atesta que a cardiopatia de Genoino não se caracteriza como grave. O Senado aprova o fim da votação secreta na cassação de mandatos
Dezembro de 2013
Dia 3 - Genoino renuncia ao mandato de deputado para evitar o processo de cassação
Dia 5 - Valdemar Costa Neto (PR-SP) também renuncia ao
mandato e se entrega à polícia
Dia 27 - Joaquim Barbosa nega transferência de Genoino para São Paulo, mas autoriza prisão domiciliar ou hospitalar por 90 dias, contados a partir de 21 de novembro
2014
27/2 - José Dirceu, apontado em 2012 como o chefe do grupo, Delúbio Soares, José Genoino e outros cinco são absolvidos do crime de formação de quadrilha. Com isso, Dirceu e Delúbio escaparam de cumprir pena em regime fechado
28/5 - Marcos Valério é transferido da Papuda para presídio de Minas Gerais
16/6 - Intelectuais e artistas assinam carta contra “arbitrariedades” de Barbosa
3/7 - Dirceu sai da cadeia para primeiro dia de trabalho externo em biblioteca de escritório de advocacia
12/8 - Genoino deixa presídio e segue para cumprimento da pena em casa
18/8 - Ministro do Supremo anula leilão de bens de Marcos Valério. Leilão foi autorizado por Joaquim Barbosa, mas Luís Roberto Barroso reverteu decisão
27/8 - STF nega prisão domiciliar a Roberto Jefferson. O delator do mensalão cumpre pena no Presídio Ary Franco, no Rio de Janeiro, desde fevereiro
30/9 - Delúbio Soares deixa a prisão e passa a cumprir pena em regime domiciliar
28/10 - Justiça da Itália nega extradição e solta Pizzolato
4/11 - José Dirceu passa para o regime aberto
12/11- A defesa do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP)
pede ao STF progressão para o regime aberto, sem precisar pagar R$ 536,4 mil
por ressarcimento aos cofres públicos pelo desvios que causou no
esquema do mensalão