Jornal Estado de Minas

Operação Lava Jato

Empreiteiras investigadas já gastaram 49% do custo total do Comperj em apenas 10 contratos

Em apenas 10 dos 73 contratos do Comperj 'a maior obra da estatal no país', grupo de empreiteiras investigado pela Operação Lava a Jato abocanhou quase metade dos recursos

Eduardo Militão João Valadares
Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras: suborno para favorecer consórcio que toca as obras do Complexo Petroquímico do Rio - Foto: Carlos Moura/CB/D.A Press

Brasília – Empreiteiras acusadas por delatores da Operação Lava a Jato de formar cartel por pagarem subornos em troca de contratos bilionários receberam pelo menos R$ 11,8 bilhões da Petrobras para construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), a maior obra da estatal no Brasil. Com apenas 10 contratos assinados, o “clube vip” mordeu, até o momento, 49% de todo o atual custo do complexo, de acordo com análise da reportagem em lista de negócios fechados para a construção da unidade. Elas foram escolhidas ou diretamente pelos gestores da Petrobras ou por dispensa de licitação ou por “convite”, quando a estatal escolhe aleatoriamente três fornecedores para disputar a construção de um empreendimento.

Com 70 aditivos, o grupo de nove gigantes empreiteiras aumentou seus ganhos em R$ 1,1 bilhão. Isso significa acréscimo de 7% sobre o valor da estimativa de custos prevista pelos técnicos da Petrobras, apesar de os contratos inicialmente assinados preverem o contrário: uma redução de 4%. O “clube vip” do Comperj é formado pelas gigantes Odebrecht, OAS, Engevix, Queiroz Galvão, Iesa Óleo e Gás, UTC, Mendes Júnior, Toyo Setal e Galvão Engenharia. A Andrade Gutierrez, que não foi alvo da sétima e atual fase da Lava a Jato, mas foi citada pelos delatores do esquema, aparece em um consórcio com outras construtoras. Do outro lado, as demais fornecedoras do Comperj tiveram aditivos que encareceram menos as obras: 4%.

A lista inclui obras cujos contratos foram assinados a partir de fevereiro de 2008. Alguns projetos devem acabar apenas em março de 2018.
São R$ 24,2 bilhões em obras – sem indicação de concorrência ampla – até o momento. Mas o custo total, que inicialmente seria de US$ 6 bilhões (R$ 15 bilhões), deve chegar a US$ 48 bilhões (R$ 123 bilhões), segundo a área de estratégia corporativa da Petrobras relatou ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Dos 73 contratos, uma minoria pertence ao suposto cartel denunciado pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef e os executivos da Toyo Júlio Camargo e Augusto Mendonça. Entretanto, seus valores são bem maiores que os restantes, de R$ 1,1 bilhão em média contra R$ 196 milhões em média dos demais 63 negócios fechados. A reportagem retirou da lista oito contratos rescindidos.

SEM LICITAÇÃO
No levantamento, absolutamente todos os R$ 24,2 bilhões contratados indicam terem sido fechados sem uma concorrência ampla. As escolhas dos fornecedores são de contratação ou negociação direta, convite, dispensa ou falta de exigência de licitação. O TCU já havia identificado US$ 7,6 bilhões (R$ 19 bilhões) sem licitação no Comperj. Os prazos de conclusão da obra só esticam, já que o empreendimento era para estar concluído no segundo semestre do ano passado. Pronto, o Comperj transformará 165 mil barris de petróleo por dia em produtos como diesel, gás de cozinha e querosene de aviação.

A Petrobras não prestou nenhum esclarecimento ao jornal apesar de ter sido procurada desde quarta-feira. Mas uma fonte do setor afirmou que uma razão para atrasos e aumento de preços do Comperj são falhas na administração. Outra é brecha na lei que permite fazer aditivos sem limite sempre que o projeto muda. A Lei de Licitações limita esses reajustes a até 50%.

Mas, graças a uma decisão no Supremo Tribunal Federal (STF), a Petrobras está desobrigada de cumprir a regra, obedecendo apenas a um decreto de 1998, feito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que permite aditivos ilimitados. A liminar foi concedida em 2006 e repetida em 2009. As decisões impediram o TCU de obrigar a estatal a cumprir a Lei de Licitações.
A listagem de obras obtida pelo jornal não revela o valor de parte dos aditivos e, em alguns casos, não apresenta previsões de custos feitas pela Petrobras antes de escolher o fornecedor.

LÍDER
De longe, a Odebrecht lidera o fornecimento de bens e serviços ao Comperj. Sozinha ou reunida em consórcios com outras empresas, ela é responsável por tocar obras no valor de R$ 6,9 bilhões. A UTC, que participa com ela em algumas empreitadas, em R$ 5,7 bilhões. A Toyo, outra parceira da Odebrecht em projetos, por R$ 4,9 bilhões. A Odebrecht executa obras no complexo liderando o consórcio TUC, formado pela Toyo e UTC.

A Andrade Gutierrez nega irregularidades, diz que Youssef disse não ter mantido relações com a empresa, e que Paulo Roberto só mencionou um ex-funcionário da construtora que lá “trabalhou por pouco tempo”. A Queiroz Galvão afirmou seguir a lei “rigorosamente” a lei e que os aditivos são “os praticados pelo mercado”. Mendes Júnior, UTC e a Engevix nada esclareceram sobre os fatos. Iesa e a Galvão Engenharia não retornaram contatos do jornal.

SUBORNO
Em delação premiada ao Ministério Público, o executivo da Toyo Júlio Camargo relatou que Paulo Roberto, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e o ex-gerente de Engenharia Pedro Barusco pediram suborno para favorecer o consórcio TUC, que toca obras no Comperj. Ele afirma ainda que fechou a negociação, mas não foi o responsável por pagar a propina. Os responsáveis seriam Ricardo Pessoa, da UTC, e Márcio Farias, da Odebrecht – que fazia pagamentos em espécie, segundo o Ministério Público Federal (MPF).

Camargo alega que, como o contrato foi firmado e está em fase final de execução, “tudo levar a crer” que os pagamentos criminosos foram efetivados.
O executivo ainda relatou que a “regra do jogo” era pagar 1% para a área de Abastecimento e mais 1% para a área de Engenharia em cima do valor dos contratos vinculados às respectivas diretorias.

A Odebrecht afirmou ao jornal que seus contratos são conquistados legalmente. “Os aditivos atendem a mudanças no projeto e foram realizados de acordo com as cláusulas contratuais”, disse em nota. A construtora negou “veementemente” as afirmações de Paulo Roberto de ter pago propinas a atuais e antigos funcionários da Petrobras..