Jornal Estado de Minas

Juiz proíbe roupas consideradas indecentes

Juiz federal de Uberaba provoca polêmica ao baixar portaria que proíbe mulheres de entrar no fórum local com vestes que ele julga indecentes, como camisetas sem mangas

Alessandra Mello
- Foto: Arte/Quinho

Mulheres estão sendo barradas na Justiça Federal de Uberaba, no Triângulo Mineiro, sob o argumento de estarem usando roupas incompatíveis com a “austeridade e o decoro inerentes ao Poder Judiciário”. Portaria baixada pelo diretor do fórum, juiz Élcio Arruda, proíbe, entre outras coisas, a entrada no prédio da Justiça de mulheres – advogadas e demais frequentadoras, inclusive testemunhas e outras partes do processo – que estejam usando blusas e camisetas sem manga ou frente única. Em vigor desde setembro, a norma é alvo de reclamações, principalmente de advogadas, que consideram a decisão machista, cerceadora de direitos e sujeita a critérios subjetivos.

A portaria foi contestada pela Ordem dos Advogados do Brasil/Seção Uberaba na corregedoria da Justiça Federal e também denunciada por advogadas ao Ministério Público Federal e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O texto, de acordo com o presidente da OAB local, Vicente Flávio Macedo Ribeiro, amplia uma instrução normativa já em vigor baixada pela Justiça Federal para disciplinar trajes exigidos para que servidores, estagiários e prestadores de serviço tenham acesso aos prédios do Judiciário. Além disso, segundo ele, uma lei de 1994 afirma que compete exclusivamente à OAB definir os critérios para os trajes que devem ser usados pelos advogados no exercício da profissão.

Além da restrição a blusas sem manga, a portaria também obriga as mulheres oficiais de justiça a usar pelerines ou sobrecapas durante as audiências. Também exige que todos os servidores usem camisas de manga longa, sapatos fechados e gravatas e faculta aos juízes o poder de decidir qual tipo de roupa deve ser usada pelos servidores de suas respectivas varas.
Em relação às testemunhas e partes do processo, as exigências da portaria podem ser descumpridas em caso de “presumida hipossuficiência”.

Uma das barradas na Justiça Federal é a advogada Roberta Toledo, que fez questão de ser fotografada no dia em que foi impedida de ter acesso ao prédio para protocolar documentos. “Estava vestindo calça comprida e blusa Cacharel (com gola alta), mas, como ela não tinha manga, não pude entrar. Tive de chamar um servidor da vara para entregar os documentos. Foi muito constrangedor”, afirma a advogada. Ela conta que, para resolver o impasse e garantir sua entrada no prédio o segurança chegou a oferecer emprestado seu paletó. “Não aceitei de maneira nenhuma”, disse a advogada, que classifica a atitude como uma violência contra as mulheres. “Tanto problema que temos para melhorar a Justiça e ele vai se preocupar se estamos ou não mostrando o braço”, critica a advogada, que já representou contra a portaria em diversas instâncias alegando crime de constrangimento ilegal.

A advogada disse que estuda a possibilidade de acionar a seção feminina da OAB e também movimentos de defesa dos direitos das mulheres para protestar contra a norma. “As mulheres e nem ninguém podem ser julgados pela roupa que usam. A minha roupa não define o meu caráter e a minha seriedade”, afirma. A reportagem tentou falar com o juiz, mas ele não quis dar entrevistas. Segundo servidores do fórum, Élcio Arruda tem 47 anos.


O presidente da seção local da OAB disse que a entidade é a favor de “vestimentas sóbrias”, mas afirma que a portaria causou surpresa em toda a sociedade em relação à proibição de blusas de alças e sem mangas. “Uberaba é uma cidade religiosa, de bons hábitos e também de temperatura quente. Não temos assistido a exageros em decotes ou transparência nos trajes das advogadas de Uberaba. Vale lembrar que as exigências atingem também cidadãs, partes e testemunhas que nem sempre possuem condições de adquirir roupas aptas a atender à portaria e por isso fica prejudicado o direito de acesso à Justiça por questões de roupa”, afirma Vicente Flávio.

O que diz a portaria

Constitui-se como traje impróprio todo aquele reconhecido como incompatível com a austeridade, o decoro e o respeito inerente ao Poder Judiciário, como por exemplo:

Calções e shorts
Bermudas (entendidas como shorts até o joelho, inclusive) de algodão, laicra, cotton, calças transparentes, facultando às senhoras e senhoritas o uso de bermudas sociais ou de alfaiataria

Miniblusas, minissaias, micro vestidos e congêneres

Blusas ou camisetas sem mangas, de alças, ou caracterizadas por tops, bustiê, tomara-que-caia, frente única, por decotes indecorosos, além de blusas transparentes

Fonte: Portaria Número 27 de setembro de 2014.