São Paulo, 18 - Por meio de um mandado de segurança que acaba de ser protocolado na Justiça Federal, a Federação das Entidades dos Oficiais Militares Estaduais (Feneme) quer retirar do relatório final da Comissão Nacional da Verdade o item que recomenda a desmilitarização das policias militares. Segundo o documento de 70 páginas, a comissão cometeu erros em relação à instituição.
Diz o texto que o relatório final "chega a conclusões que exorbitam sua competência nos termos de sua lei de criação, bem como inferindo falsamente, sem qualquer base histórica".
O documento apresentado pela federação à Justiça afirma, no entanto, que não é esta a história das polícias militares. "Ela confunde-se com a da própria formação do país (...) e com as disputas de poder entre as unidades federadas e o poder central."
Colonização
Ao apresentar a evolução institucional dessa força, observa que "a colonização portuguesa adotou o modelo napoleônico militar, calcado na hierarquia e disciplina presente em Portugal, França, Itália, Espanha, Holanda, entre outros".
O embrião das PMs estaria em Minas. "No Estado de Minas Gerais, em 9 de junho de 1775, é criado o Regimento Regular de Cavalaria de Minas embrião da Polícia Militar mineira, tida como a mais antiga do Brasil. No Rio de Janeiro em 1809, na Bahia em 1825, em São Paulo em 1831, em Santa Catarina em 1835 e no Rio Grande do Sul em 1837. Quando da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o adjetivo militar passou a fazer parte do designativo das polícias brasileiras de manutenção de ordem pública de modo uniforme."
Ainda segundo o texto, na Carta Política de 1934, Getúlio Vargas, "no intuito de aumentar o controle central sobre os Estados e debelar eventuais movimentos insurgentes ou separatistas, elevou as polícias militares à categoria de forças reservas do Exército." Na sequência, em 1946, as polícias militares "passaram a ter sua esfera de atribuição tutelada constitucionalmente".
A Constituição de 1967, outorgada sob o regime militar, "manteve inalterado o comando legislativo relativo às forças de segurança pública". As únicas inovações introduzidas pelos militares, segundo o texto, foram: "A elevação dos corpos de bombeiros militares a categoria de forças auxiliares, reserva do exército. Em relação à esfera de atribuições e competências, o regime de exceção manteve inalterado o funcionamento e a atuação das policiais militares".
Com o fim do regime militar, a Carta de 1988 decidiu, lembra o texto apresentado à Justiça pela federação, que "as forças militares estaduais são indispensáveis para a manutenção do equilíbrio social e a realização da justiça"; e que, "pela disposição constitucional constante no art.144, § 5º, é atribuição exclusiva das polícias militares, além da atividade de polícia ostensiva, a manutenção da ordem pública".
Para a entidade representativa, a comissão teria errado, portanto, ao afirmar que a PM é fruto do regime militar. Ela também lembra que os organismos policiais mais diretamente ligados à repressão política, como Departamento de Ordem Política e Social, "eram vinculados ou às policias civis dos Estados ou à polícia federal (ambas de natureza civil)".
Por outro lado, "os mecanismos de controle político na esfera militar (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi) eram vinculados ao Exército."
Referindo-se sempre à comissão instituída por lei como "dita Comissão da Verdade", o documento enviado à Justiça afirma que o seu relatório "afronta a história do País, tem fundamento ideológico e desqualifica uma comissão que deveria trazer a verdade, a conciliação e aperfeiçoar a pacificação do País e não a inverdade, a intranquilidade e a injustiça".
Ao final, a federação, que agrega 38 organizações de representação militar no País, pede a concessão de liminar para determinar a supressão do item 20 do relatório final da Comissão da Verdade, até a decisão definitiva do mandado de segurança coletivo, que poderá levar à supressão definitiva.