Jornal Estado de Minas

Falhas nas 'obras do doleiro'

TCU aponta irregularidades graves em 10 projetos de Youssef

Levantamento feito pelo Estado de Minas mostra que nos últimos anos houve quase R$ 1 bilhão em sobrepreço ou irregularidades em obras citadas na planilha de Youssef, que vão além da Petrobras e abrangem também área de transportes, esgoto e abastecimento

André Shalders João Valadares
Brasília – Em março deste ano, a Polícia Federal apreendeu no escritório do doleiro Alberto Youssef uma lista com referências a 747 projetos de infraestrutura espalhados pelo país.
Levantamento feito pelo Estado de Minas mostra que órgãos de fiscalização, como o Tribunal de Contas da União (TCU), identificaram nos últimos anos quase R$ 1 bilhão em sobrepreço ou irregularidades em 10 das obras citadas na planilha de Youssef. Os projetos não se restringem a obras da Petrobras: abrangem também área de transportes, esgoto e abastecimento. Os órgãos responsáveis pelas irregularidades vão desde prefeituras até entidades do governo federal, como a Infraero e o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs).


A tendência é que mais obras da planilha do doleiro sejam denunciadas, conforme avancem as investigações na trilha aberta pela Polícia Federal na Operação Lava-Jato. Na última terça-feira, por exemplo, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou a Petrobras e a construtora Andrade Gutierrez por desvios na ampliação do Centro de Pesquisas (Cenpes) da petroleira, no Rio. A obra está na planilha, que cita a “Construção e Montagem do Sistema de Geração e Distribuição da Água Gelada (CAG)” do Cenpes. Pela planilha, Youssef almejava fechar um contrato de R$ 237 milhões. Com base em auditorias do TCU, a denúncia do MPRJ estimou em R$ 31 milhões o superfaturamento total na obra.

Os promotores citam como exemplo a compra de uma caixa de passagem, de alumínio. Enquanto o preço de mercado do item é de R$ 13, no contrato da Petrobras a mesma unidade é cotada em R$ 1.572.


Várias das obras citadas na planilha de Youssef também frequentam as páginas do relatório Fiscobras. Editado anualmente pelo TCU, o levantamento é encaminhado ao Congresso com projetos onde se recomenda a retenção de valores e até a paralisação do trabalho. O caso mais conhecido é o da Refinaria de Abreu e Lima (PE). Citada dezenas de vezes na planilha de Youssef, a obra teve a paralisação recomendada em 2010, em 2011 e em 2012. Mas a recomendação de paralisação também atingiu obras menos vistosas, como a da adutora de Italuís (MA), citada na planilha, e que teve a interrupção recomendada em 2008.


A planilha é citada em despacho do juiz Sérgio Moro para sugerir que o esquema de corrupção transcendia a Petrobras, revela atuação da organização criminosa em vários empreendimentos Brasil afora e até no exterior. O volume total de potenciais contratos soma mais de R$ 12 bilhões. O documento foi produzido pelo empresário Márcio Bonilho, principal sócio da Sanko Sider, empresa acusada pelo Ministério Público de permitir a lavagem de dinheiro de recursos oriundos de desvios na estatal por meio da Camargo Corrêa e de empresas de fachada de Youssef.

Apreensão O juiz Sérgio Moro classificou de “perturbadora” a apreensão do documento. “Embora a investigação deva ser aprofundada quanto a este fato, é perturbadora a apreensão desta tabela nas mãos de Alberto Youssef, sugerindo que o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobras”, afirmou em despacho. Um dos advogados do doleiro, Tracy Joseph Reinaldet, afirmou que a tabela foi produzida por Márcio Bonilho. A assessoria da Sanko confirma e diz que o próprio Bonilho a entregou à Polícia Federal. A defesa do doleiro e a assessoria da fornecedora de tubos afirmam que os valores se referem às propostas de negócios feitas para cada cliente em potencial. Youssef era o representante comercial dessas propostas na perspectiva de fechar contratos para Bonilho.


No caso da Petrobras, a defesa de Youssef admite a acusação do Ministério Público segundo a qual o doleiro realmente atuou como vendedor da Sanko para negócios lícitos, mas também fez repasses de propinas usando o mesmo canal financeiro com a Camargo Corrêa na Refinaria de Abreu e Lima.

No entanto, Tracy Reinaldet e a assessoria da empresa negam que, para as propostas da “perturbadora” lista, tenha havido pagamento de propina para os negócios terem sido fechados.
Márcio Bonilho afirmou, por meio de sua assessoria, que a lista não é suspeita. Segundo ele, foi produzida com base em relação de obras publicadas no Anuário de Infraestrutura da revista Exame de 2013 e 2014. Entretanto, a relação de empreendimentos visados pela Sanko mostra que a fornecedora de tubos enviou propostas para as obras a partir de 2008. Para fechar os negócios, Bonilho citava empreiteiras gigantes, a exemplo da Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Galvão Engenharia. As empresas citadas têm negado as acusações sofridas no âmbito da Operação Lava-Jato.

 

O que o TCU constatou
Várias obras citadas na planilha de Youssef são velhas conhecidas dos órgãos de fiscalização. Muitas delas frequentaram as edições anuais do Fiscobras, elaborado pelo TCU. Em 10 exemplos selecionados pelo Estado de Minas, o valor das irregularidades encontradas pelas fiscalizações chega a R$ 919,5 milhões. Confira:

» Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (RJ)
Superfaturamento nas obras do Cenpes e CIPD chegaria a R$ 31 milhões, segundo o MP
 
» Refinaria Gabriel Passos (MG)
Auditorias realizadas pelo TCU e referidas em um acordo de 2006 apontam sobrepreço de R$ 2,13 milhões em obras na refinaria.

» Refinaria Landulpho Alves
No processo de modernização da refinaria, o TCU apontou sobrepreço de
R$ 129,6 milhões.

» Adutora Italuís (MA)
Em 2008, indícios de sobrepreço em dois contratos da adutora levaram o TCU a recomendar a paralisação das obras.

» Sistema Adutor do Agreste Alagoano
No Fiscobras de 2009, o sobrepreço foi estimado em R$ 103 milhões.

» Refinaria Presidente Vargas (PR)
Na edição de 2008 do Fiscobras, o TCU recomendou a paralisação das obras em razão de irregularidades e sobrepreços.

» Reforma do Aeroporto de Confins (MG)
Em 2011, o TCU mandou suspender a licitação voltada para a reforma do aeroporto. Além da "restrição ao caráter competitivo", o edital da licitação trazia um sobrepreço da ordem de R$ 45,9 milhões.

» Tubovias do Comperj
Só no projeto das Tubovias o sobrepreço é estimado em R$ 162 milhões.

» RNEST (Abreu e Lima)
TCU apontou sobrepreço de R$ 367,8 milhões em diversos contratos da refinaria pernambucana.

» Aeroporto de Manaus
O tribunal aponta a ocorrência de “preços excessivos frente ao mercado”.

No Fiscobras de 2013, a reforma do aeroporto figura entre aquelas com graves indícios de irregularidades.

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