(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas REPRESSÃO ALÉM DA FRONTEIRA

Sara Kubitschek e políticos brasileiros eram espionados por embaixadores na ditadura

Comissão Nacional da Verdade teve acesso aos documentos e revelou detalhes no relatório


postado em 27/12/2014 06:00 / atualizado em 27/12/2014 07:34


Um embaixador escondido atrás das pilastras do Hotel Bristol, em Paris, para observar os encontros da esposa do ex-presidente Juscelino Kubitschek, Sara Kubitschek. Os estreitos laços entre a polícia política uruguaia e a embaixada brasileira em Montevidéu, que vigiavam os movimentos do então ex-deputado Leonel Brizola, exilado no país. O cônsul-geral de Santiago, no Chile, atento aos passos dos brasileiros que recebiam aulas de caratê em um clube da capital chilena. Essas são algumas das ações da rede de espionagem montada pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) durante a ditadura militar (1964-1985) e que estão descritas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

A atuação do Itamaraty e a participação dos embaixadores é detalhada pelos pesquisadores da CNV, que tiveram acesso a documentos do MRE e do Arquivo Nacional. Com o levantamento, eles concluíram que “o Itamaraty desvirtuou suas funções a ponto de envolver-se diretamente com a violência ilegal e com a exceção”. Os postos do Itamaraty no exterior e os diplomatas nas embaixadas e consulados, segundo documentos obtidos pela CNV, foram instrumentos da política repressiva.

“Muitos diplomatas e funcionários de outras categorias do Serviço Exterior desempenharam funções de espionagem de brasileiros que se opunham ao regime: restringiram-lhes o exercício de direitos fundamentais, criaram embaraços à sua vida cotidiana nos países em que residiam, impediram seu retorno ao Brasil, mantiveram os órgãos repressivos informados de seus passos e atividades no exterior, e chegaram a interagir com autoridades de outros países para que a repressão brasileira pudesse atuar além das fronteiras. Inegavelmente, o MRE funcionou, naqueles anos, como uma das engrenagens do aparato repressivo da ditadura”, aponta o relatório da CNV.

No organograma elaborado pela comissão sobre os órgãos de repressão, a pasta das Relações Exteriores estava no mesmo patamar do Ministério do Exército, da Aeronáutica, da Marinha e da Justiça. O principal braço do Itamaraty era o Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores (Ciex). O relatório aponta, porém, que a atuação não se limitou apenas ao Ciex. Havia ainda, como nos outros ministérios civis, uma Divisão de Segurança Interna (DSI).

VIGÍLIA O Ciex foi criado em 1967, no auge da repressão do período da ditadura. Segundo um documento recolhido pela CNV, a motivação foi a necessidade de se criar um órgão de informações, no âmbito do MRE, para monitorar as “ações subversivas” de brasileiros no exterior. De acordo com o relatório da CNV, como a produção de informações ocorria, em muitos casos, clandestinamente, estava fora do campo de atuação tradicional do serviço diplomático. Vale destacar que nas décadas de 1960 e de 1970, o Brasil não estava ligado ao mundo exterior por sistemas de comunicação como a internet e era essencial a utilização dos canais do serviço exterior brasileiro para a troca de informações.

A CNV reuniu documentos e testemunhas de que o Ciex teve bases em Assunção, Buenos Aires, Montevidéu, Santiago, Paris, Lisboa, Genebra, Praga, Moscou, Varsóvia e na extinta Berlim Oriental. Há ainda indícios do funcionamento de bases do Ciex em La Paz, Lima, Caracas e Londres. O relatório da CNV traz, inclusive, provas documentais de que o Ciex fazia pagamentos em cheques de uma conta no Citibank, em Nova York, para informantes e conseguiu identificar alguns dos pseudônimos desses informantes.

NEGAÇÃO
O embaixador Marcos Henrique Camillo Cortes, o primeiro chefe do Ciex, sustentou, em depoimento à CNV, que o órgão jamais existiu. Porém, a comissão considerou a declaração “falaciosa”. Os pesquisadores consultaram 11.327 páginas dos documentos produzidos pelo Ciex, que tinha carimbos com a sigla da entidade e rubricas dos chefes, como Cortes. “Convém não esquecer que a dissimulação é uma das facetas mais características das atividades ligadas ao mundo da espionagem. No organograma do MRE, o Ciex abrigou-se sob denominações administrativas diversas, todas subordinadas diretamente à secretaria-geral ou ao gabinete do ministro de Estado”, assinala o texto do relatório da CNV.

Os pesquisadores recolheram provas mais contundentes da espionagem do Itamaraty, como no caso em que o embaixador brasileiro em Lisboa, Azeredo da Silveira, em 1974 remeteu despacho telegráfico considerado “secreto” para a embaixada de Paris informando que havia decidido abrir uma base do Ciex diretamente subordinada a ele e pedindo que fosse mantido o “máximo de sigilo e segurança operativa no desempenho das tarefas de caráter especial”. Além dessa, o relatório da CNV traz a descrição de várias comunicações entre embaixadores e o MRE que evidenciam a espionagem feita a serviço da ditadura militar.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)