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Estado de Minas

Estatuto do Desarmamento volta a ser discutido no Congresso

'Bancada da bala' já se mobiliza para reabilitar projeto de lei que facilita o acesso ao porte e permite aquisição de maior número de armas e munições


postado em 29/12/2014 06:00 / atualizado em 29/12/2014 07:31

Armas apreendidas pela polícia: para opositores, mudanças nas regras sobre porte de armas pode aumentar número de homicídios e não a segurança(foto: Ed Alves/CB/D.A Press)
Armas apreendidas pela polícia: para opositores, mudanças nas regras sobre porte de armas pode aumentar número de homicídios e não a segurança (foto: Ed Alves/CB/D.A Press)

A “bancada da bala” não desistiu de aprovar mudanças no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.892/2003), mesmo com as críticas de vários segmentos de que a proposta revoga a legislação, em vigor há 11 anos, que restringe o porte de armas no Brasil. Apresentado pelo deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), o Projeto de Lei 3.722/12, que altera o estatuto, estava na pauta da comissão especial criada pelo Congresso Nacional para discutir o relatório final, mas não chegou a ser apreciado por causa da obstrução imposta por parlamentares contrários ao texto no decorrer deste mês. Com isso, ele será automaticamente arquivado. No entanto, o presidente da atual comissão, deputado federal Marcos Montes (SD-MG), disse que vai insistir, tentar desenterrar o projeto e brigar por sua apreciação logo no início da nova legislatura. O parlamentar já se candidata a presidir uma nova comissão especial sobre o tema e quer manter no mesmo posto o relator, deputado federal Cláudio Cajado (DEM-BA).

O texto propõe a redução da idade mínima para portar armas de 25 para 18 anos, libera a propaganda em todos os veículos de comunicação, aumenta a quantidade de munição e o número de armas a que cada cidadão tem direito e flexibiliza os critérios para a concessão e manutenção do porte. O deputado defende o projeto e alega que ele representa o desejo da população “que não aguenta mais ver bandido armado e cidadão de bem proibido de portar arma”. Ele nega a acusação de que a maioria dos integrantes da comissão seja financiada pela indústria. “Uma coisa não tem nada a ver com a outra”, afirma. Segundo o Instituto Sou da Paz, 19 deputados titulares da comissão que analisa o PL 3.722 receberam doações da indústria das armas em 2010 ou 2014, entre eles Marcos Montes.

Já batizado pelos opositores do projeto de “Estatuto das Armas de Fogo”, o PL é rechaçado por unanimidade pelo Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp). Para o órgão consultivo e deliberativo, que agrega entidades da sociedade civil e trabalhadores de segurança pública , a mudança no estatuto vai contribuir para o aumento dos homicídios no Brasil. “Sua aprovação pelo Congresso Nacional seria um desastre, algo na contramão daquilo tudo que foi obtido de 2003 para cá quanto à redução da quantidade de armas e munições em circulação”, afirma o advogado Massimiliano Russo, um dos representantes de Minas Gerais no Conasp.

"A lei, se aprovada, vai permitir maior circulação de armas e, consequentemente, mais roubos. Relaxar as exigências do Estatuto do Desarmamento é um erro. Quanto menos armas nas ruas, menor a chance de haver mortes em crimes passionais, brigas de trânsito, acidentes. Menor também o volume de armas que podem cair na mão de criminosos. As polícias de São Paulo continuarão a combater o crime de forma incessante. Mas é preciso garantir uma legislação que nos ajude”, alerta Fernando Grella, secretário de Segurança Pública de São Paulo, um dos gestores estaduais que assinaram carta contra o projeto.

Para o coronel Ubiratan Gonçalves, integrante da ONG Viva Rio e ex-comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro, armar os cidadãos não vai resolver o problema da criminalidade. “Pelo contrário, vai facilitar a chegada de armas nas mãos dos bandidos”. Segundo ele, antes da entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, em 2003, a maioria das armas apreendidas no Rio de Janeiro em assaltos e homicídios ou tentativas era de “cidadãos de bem” e foi furtada ou roubada em casa ou em porta-mala de carros. Além disso, segundo ele, a reação a qualquer tipo de violência não é recomendada pelos órgãos de segurança.

Ele afirma ainda que a entrada em vigor do estatuto contribuiu para uma redução significativa das mortes por arma de fogo no Brasil. De acordo com o Mapa da Violência, produzido pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, entre 2004 e 2010, foi registrada uma queda de cerca de 60% no total de mortes por arma de fogo no Brasil, incluindo homicídios, suicídios e acidentes. Antes do Estatuto, segundo o estudo, o crescimento do número de mortes por armas de fogo foi sistemático, regular e em ritmo acelerado (7,3% ao ano).

O Instituto Sou da Paz também condena o PL. Para o diretor-executivo Ivan Marques, “a arma é instrumento de morte e não de defesa”. Um dos pontos mais graves da proposta, para ele, é a flexibilização das regras para porte. Pelo projeto, quem responder a processos por qualquer tipo de crime pode requerer o porte armas enquanto não houver condenação. A proposta acaba também com os testes periódicos de análise de capacidade para o portar arma.

ESTATUTO NA MIRA
Confira como é hoje e como pode ficar a lei que regula o porte de armas no Brasil

» QUANTIDADE
Como é – O cidadão tem autorização para portar até seis armas de fogo.
Como pode ficar – A proposta aumenta para nove a quantidade de armas que cada cidadão pode ter.

» PORTE
Como é –O estatuto permite que profissionais de algumas categorias, a maioria delas ligadas à área de segurança pública, inclusive do Judiciário e Ministério Público, portem armas, desde que tenham sido aprovados em testes de aptidão física e psicológica, não respondam ou tenham sido condenados por quaisquer tipos de crimes. Além desses requisitos, a pessoa ainda tem de justificar para a Polícia Federal ou Exército – responsáveis por conceder o porte – por que pretende portar armas.
- A autorização de porte de arma de fogo será cassada automaticamente caso o portador seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.
Como pode ficar – Serão exigidos apenas testes de aptidão física e psicológica para qualquer cidadão. A apresentação da justificativa para andar armado será abolida e a autorização para o porte será automática.
- Quem for pego embriagado ou sob efeito de substância química ou alucinógena terá o porte suspenso e só será cassado em caso de reincidência.

» MUNIÇÃO
Como é – É permitida a compra de até 50 munições por ano.
Como pode ficar – Seria permitida a compra de 600 munições por ano

» REGISTRO
Como é – O registro de porte tem validade de três anos.
Como pode ficar – Terá validade de oito anos.

» PUBLICIDADE
Como é – É permitida somente em revistas especializadas.
Como pode ficar – A publicidade de arma de fogo e munição poderá ser veiculada em qualquer meio de comunicação, desde que contenha a informação de que sua aquisição depende de licença do órgão competente.

» IDADE
Como é – A idade mínima para aquisição e porte de arma é de 25 anos.
Como pode ficar – Reduz para 18 anos a idade mínima para aquisição e porte de arma.

Financiamento de campanha

Levantamento do Instituto Sou da Paz com base em dados registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a indústria privada brasileira de armas e munições, monopolizada pela Taurus e Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), destinou R$ 1, 7 milhão para financiar campanhas de 30 candidatos, entre eles 17 deputados federais. O PMDB, o DEM e os deputados de São Paulo e Rio Grande do Sul receberam a maioria dos recursos (50%). No caso do Rio Grande do Sul e da Paraíba, mais de 16% da bancada de deputados federais foi financiada pela indústria de armas.

Três perguntas para...
Bené Barbosa
presidente da ONG Viva Brasil, que defende O PL 3.722/12

Opositores do projeto do deputado Peninha dizem que ele revoga o Estatuto do Desarmamento e defende interesses da indústria armamentista. Afirmam, inclusive, que o PL é analisado, em sua maioria, por parlamentares financiados por essa indústria. Qual a opinião do senhor sobre essa crítica?
É uma crítica frágil. Embora, óbvio, haja interesse da indústria, o Estatuto do Desarmamento deveria ser defendido com base na sua eficiência em reduzir a criminalidade violenta, em especial os homicídios. O problema é que é praticamente impossível comprovar qualquer melhora nos quadros da segurança pública por conta dessa lei. O PL 3.722/12, que está sendo discutido, é hoje o projeto recordista de apoio popular e vem ao encontro do que foi decidido pela população brasileira no referendo de 2005.

Por que alterar o estatuto?
Cito aqui trecho de artigo do doutor Fabrício Rebelo, pesquisador em segurança pública, intitulado “Estatuto do Desarmamento – uma lei socialmente desajustada”, que foi responsável pelo convencimento do autor do PL 3722/12, deputado Rogério Peninha: “Assim, na disciplina das armas de fogo, o Brasil é regido por uma lei maciçamente reprovada pela sociedade, que não reflete os interesses da população, não considera sua heterogeneidade e não se ampara em estudos técnicos. É uma norma que trata igualmente o cidadão residente em grandes centros urbanos, a alguns metros da unidade policial mais próxima, e aquele ruralista, sediado nos confins dos interiores, onde a polícia, por vezes, nunca chegou.” Em resumo, a grande vantagem da alteração é garantir ao cidadão, que assim decida, poder usufruir da liberdade de escolha de ter uma arma para sua defesa.

O senhor concorda com o teor do projeto apresentado no relatório que não chegou a ser votado?
Quase totalmente. Vejo ainda diversas restrições que poderiam até ser mais brandas. Porém, ele apresenta um enorme avanço, criando uma lei que fiscaliza, controla, mas acima de tudo, garante o direito do cidadão. Ao contrário do que se afirma de forma inverídica, o PL 3.722/12 não visa, de forma nenhuma, possibilitar que qualquer um ande armado. Por esse motivo, a entidade que presido, o Movimento Viva Brasil, representante da sociedade civil organizada, está empenhada em sua aprovação.


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