Desde que assumiu o Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff nunca fez questão de esconder a pouca deferência à política externa, bem diferente da postura do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, com mais apreço e vocação para "vender" o Brasil.
Essa mudança se fez sentir nos números: enquanto nos dez primeiros meses de 2014 o Ministério das Relações Exteriores se comprometeu a gastar R$ 1,9 bilhão, o empenho no mesmo período de 2010 foi de R$ 2,3 bilhões - o valor foi atualizado a preços de outubro de 2014. A redução de gastos levou o Itamaraty a dever mensalidades para órgãos da ONU e a cortar o número de missões diplomáticas: de mais de 180 em 2013, o volume caiu para 50 em 2014.
Completa o cenário a indefinição sobre o futuro do ministério. A permanência de Luiz Alberto Figueiredo é improvável, e as opções seriam um retorno de Celso Amorim, titular da pasta com Lula, ou a escolha do hoje embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Mauro Vieira, que seria substituído pelo atual chanceler.
Mas a insatisfação vai além do dinheiro. Sem um plano de carreira e, segundo o sindicato dos funcionários, "desprezados pelo Palácio do Planalto", a Casa de Rio Branco vive um mal-estar generalizado. Historicamente, o Itamaraty prefere a discrição e o isolamento mesmo em tempos de maior transparência da gestão pública. Por isso, sinais de que as coisas não vão bem são percebidos em casos emblemáticos como o de Edson Zuza, secretário que há poucos meses decidiu dar baixa na Divisão de Pessoal do Itamaraty para montar uma clínica particular de dermatologia.
Os pedidos de remoção para serviços fora do País também cresceram. Neste semestre, 68 terceiros-secretários - posto inicial na diplomacia - somaram-se a outros 19 diplomatas mais graduados na disputa por vagas espalhadas pelo mundo - aumento de 70% em relação a 2013.
Pela Ordem
"Estamos vivendo um momento dramático", disse Eduardo Saboia, diplomata que retirou da Bolívia o senador oposicionista Roger Pinto, em 2013. Depois de ser alvo de uma sindicância na chancelaria que jamais resultou em uma definição sobre sua carreira, ele está hoje no Departamento Financeiro do Itamaraty em Brasília. Mas confessa que está estudando para a prova da OAB. "Já passei na primeira fase. Não posso descartar outras possibilidades", justificou.
A queixa nos corredores do Itamaraty é de que as promoções dão prioridade ao tempo de serviço dos beneficiados, e não aos méritos propriamente ditos. Há ainda queixas dos que, ao chegar a postos mais altos, descobrem que não há verba ou estratégia traçada para promover a política externa.
"Reparamos que tem havido relativa frequência de servidores das carreiras de oficial e de assistente de chancelaria pedindo vacância, para assumir outro cargo publico, ou para aposentadoria voluntária", disse a presidente do Sinditamaraty, Sandra Malta dos Santos.
Em 2013, ao assumir o ministério, Figueiredo anunciou que as promoções seguiriam critérios de tempo de permanência no órgão: 30 anos de carreira é pré-requisito para um ministro de segunda classe ser promovido a embaixador; 18 anos para um conselheiro ascender a ministro, e 15 anos para um primeiro-secretário aspirar a conselheiro. O resultado prático disso é a desmotivação de jovens diplomatas, em especial entre os quase 400 recrutados pelo governo Lula para dar maior projeção externa ao Brasil.
Figueiredo também deixou de adotar uma lei aprovada na gestão do antecessor, Antonio Patriota, que permitiria um fluxo maior na carreira diplomática. Uma série de embaixadores já ultrapassaram a idade-limite de 65 anos, em postos na Europa, Ásia e América do Norte, mas não têm aceitado abandonar seus postos, o que permitiria uma maior renovação dos quadros e amenizaria a insatisfação entre os novatos."As perspectivas para os jovens diplomatas atualmente não são as mais promissoras", disse Sandra. .