Não precisou nem de 48 horas depois da posse de Dilma Rousseff (PT) para que um dos nomes fortes do núcleo econômico do novo ministério, Nelson Barbosa, novo titular do Planejamento, levasse o seu primeiro puxão de orelha da presidente. A petista, que está de férias na base de Aratu, na Bahia, determinou ontem que o auxiliar voltasse atrás em relação à sua intenção de rever a regra atual de correção do salário mínimo. Durante toda sua campanha à Presidência da República, Dilma garantiu que não mexeria em direitos trabalhistas, apesar de ter endurecido, na última semana, o acesso a alguns benefícios como o seguro-desemprego. Logo depois de assumir o cargo, anteontem, Nelson Barbosa anunciou sua intenção de enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei que altera o cálculo do reajuste do rendimento básico do trabalhador, apesar de reafirmar que manteria o aumento real.
A ordem de Dilma veio logo depois de ela ler as manchetes dos jornais de ontem e se irritar, temendo reação negativa das centrais sindicais, o que aconteceu logo após as declarações do novo ministro. Em razão disso, mandou que Barbosa desmentisse a informação. A presidente foi atendida por meio de uma nota seca do Ministério do Planejamento: “A proposta de valorização do salário mínimo a partir de 2016 seguirá a regra de reajuste atualmente vigente”.
A nota explica que a pr2oposta requer um novo projeto de lei, que será enviado ao Congresso este ano. A regra em vigor atualmente estabelece que o cálculo do piso deve levar em consideração a inflação do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), acrescida da variação do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores.
DETALHES
Aproveitando a possível brecha para alteração, Barbosa disse na sexta-feira que iria propor nova regra para o período de 2016 a 2019 e que o projeto seria enviado ainda no primeiro semestre. “São medidas que corrigem alguns excessos para que outros programas continuem, como, por exemplo, a continuação da elevação do salário mínimo. A regra de que o salário mínimo tem de ser corrigido pela inflação mais o crescimento de dois anos anteriores vale apenas para este ano. Por isso, o governo já editou um decreto que eleva o ganho básico para R$ 788”, afirmou Barbosa. Apesar de dizer que manteria o aumento real, o ministro não detalhou a proposta, o que gerou críticas. Quando ainda atuava como pesquisador da Fundação Getulio Vargas, ele defendeu que o salário mínimo fosse calculado com base na média salarial nacional.
A reação das centrais sindicais – já insatisfeitas com mudanças nas regras de concessão do seguro-desemprego, pensão por morte, abono salarial, seguro para pescador artesanal e auxílio-doença –, de fato, não foram críticas. Elas já vinham fazendo gestão junto ao governo para rever a base de cálculo do reajusto do rendimento básico já que o PIB do Brasil, que está em desaceleração, pudesse representar um reajuste menor nos próximos anos. Ainda assim, o cálculo pela média salarial nacional – que significaria menor impacto nas contas públicas, já que o salário é vinculado a várias despesas do governo, como a Previdência Social – não agrada aos sindicalistas. Nesse caso, as centrais preferem que seja mantida a atual fórmula.
EFEITO
A imediata intervenção da presidente para desautorizar o recém-empossado ministro, no entanto, surtiu o efeito desejado por ela. Para os dirigentes das centrais sindicais, Nelson Barbosa confundiu a autonomia que a petista concedeu à equipe econômica com desobediência e meteu os pés pelas mãos. “A resposta ágil e determinada da presidente foi muito importante. É também um bom sinal de que a chefe do Executivo manterá compromissos assumidos na campanha eleitoral”, afirma a secretária de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Graça Costa.
Para o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o discurso de Barbosa pegou os trabalhadores de surpresa. “Foi imediatamente interpretado como rompimento de acordo. Pareceu que Dilma havia se curvado aos ditames dele (Barbosa)”, disse. “Ainda bem que a presidente Dilma recuperou a razão”. No entender de Canindé Pegado, secretário-geral da União Geral dos Trabalhadores (UGT), a sensação, logo após a transmissão de cargo no Ministério do Planejamento, foi de que toda a luta das centrais e os poucos resultados positivos dos últimos anos tinham sido jogados no lixo. “Estranhamos porque, em várias reuniões, a presidente reiterou a manutenção dos cálculos. Todo mundo sabia disso”, afirma. “Foi autoritário.