Embora tenha se transformado em um escândalo de proporções gigantescas somente no ano passado, a sangria da maior estatal brasileira, apontada em investigações de fontes diversas – Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal (PF) e Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso –, vem de longe. Se os prejuízos com a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, e a deflagração da Operação Lava-Jato pela Polícia Federal deram início ao escândalo envolvendo a Petrobras, foram as obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que desencadearam as investigações sobre os maiores rombos nos cofres da estatal.
A Abreu e Lima começou a sair do papel em 2005, com projeto que estimava investimentos de R$ 2,5 bilhões para a instalação da refinaria mais moderna já construída em território nacional. Os aditivos para o empreendimento começaram logo nos primeiros anos de obra e, em 2008, o TCU incluiu Abreu e Lima na lista de irregularidades graves. O orçamento inicial de R$ 2,5 bilhões seria multiplicado várias vezes, alcançando mais de R$ 40 bilhões no final de 2014. No relatório final da CPI Mista da Petrobras – comissão comandada por parlamentares da base governista –, foi apontado sobrepreço de US$ 4,2 bilhões na construção da refinaria, valor que ultrapassa os R$ 10 bilhões.
A aquisição da refinaria de Pasadena, no estado norte-americano do Texas, também entrou na mira do TCU depois que os valores da compra aumentaram significativamente. Em 2006, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por 50% da refinaria, valor superior ao despendido um ano antes pela empresa belga Astra Oil, que desembolsou US$ 42,5 milhões pela totalidade da planta. Em 2008, os brasileiros e belgas se desentenderam e levaram as negociações sobre a refinaria para a Justiça. O resultado foi ruim para a estatal brasileira, obrigada a comprar a parte que pertencia à empresa belga. O valor total da compra ficou em US$ 1,18 bilhão.
Grandes obras da Petrobras com o objetivo de ampliar a produção e distribuição de petróleo e gás natural em território nacional também tiveram irregularidades flagradas por órgãos de fiscalização e representaram mais prejuízos para a estatal. Na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), localizada no município de Araucária, no Paraná, o MPF investiga supostos desvios semelhantes aos que aconteceram na refinaria pernambucana. Um consórcio de empreiteiras gastou um montante de R$7,5 bilhões nas obras da refinaria, que, segundo o MPF, teriam um sobrepreço de R$ 1,4 bilhão.
Já os rombos no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) podem alcançar R$ 4,8 bilhões, segundo auditorias da própria Petrobras. De acordo com a companhia, a compra de equipamentos antes de definir qual seria o modelo de produção causou um prejuízo superior a R$ 1 bilhão. Os gastos de outros R$ 3,8 bilhões no mesmo complexo também foram apontados como irregulares, uma vez que não houve concorrência pública na disputa vencida pelo consórcio formado pelas empresas Odebrecht, UTC e Toyo.
O tamanho do rombo
TOTAL: R$ 18,3 bilhões
Refinaria Abreu e Lima
R$ 10,5 bilhões
No relatório final da CPI Mista da Petrobras, os parlamentares apontam sobrepreço de US$ 4,2 bilhões na construção da refinaria em Pernambuco. O valor, segundo o relatório, foi obtido a partir de informações da própria estatal sobre o custo da obra e comparações com preços internacionais. O valor representa cerca de R$ 10,5 bilhões. As obras também são investigadas pelo TCU. O relatório conclui que os custos de implementação da refinaria são “excessivos”, citando entre os fatores que levaram às perdas o uso do decreto de contratações, o 2.745/98, e a decisão da Petrobras de avocar para si os riscos da obra, normalmente repassados às construtoras.
Complexo Petroquímico
do Rio de Janeiro (Comperj)
R$ 4,8 bilhões
Uma auditoria interna da Petrobras nas obras do Comperj apontou irregularidades na compra de equipamentos e na falta de concorrência pública para a contratação das empreiteiras que realizam a obra no complexo. A aquisição de equipamentos antes de uma definição sobre o modelo do negócio e a estrutura de produção na refinaria gerou um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão. No mesmo levantamento, foram verificadas irregularidades na contratação de R$ 3,8 bilhões para uma das etapas da obra. Esse gasto foi feito sem concorrência pública por meio da contratação de consórcio formado pelas empresas Odebrecht, UTC e Toyo. O relatório da auditoria traz evidências de que os gestores da estatal não tinham justificativa para que a contratação fosse feita de forma direta, sem competição entre empresas interessadas.
Compra de refinaria em Pasadena, Estados Unidos
R$ 1,6 bilhão
O TCU condenou a diretoria da Petrobras a devolver US$ 792 milhões referentes à compra de Pasadena. A maior irregularidade apontada pelo órgão, que causou prejuízo de US$ 580 milhões, foi a Petrobras avaliar a refinaria em US$ 766 milhões, quando havia posicionamento de uma consultoria americana que apontava valor de US$ 186 milhões. Outra irregularidade apontada foi o pagamento de adiantamentos da Petrobras à sócia que, depois, não foram compensados, causando prejuízo de outros US$ 39,7 milhões.
Refinaria Presidente
Getúlio Vargas (Repar)
R$ 1,4 bilhão
Para as obras da refinaria no Paraná, a Petrobras contratou cinco consórcios de empreiteiras por R$ 7,5 bilhões, um sobrepreço de R$ 1,4 bilhão. O MPF suspeita que as obras da refinaria tenham sido alvo do mesmo esquema da Abreu e Lima. Relatório produzido por procuradores diz que recursos de contratos superfaturados na unidade de refino do Paraná podem ter abastecido empresas do doleiro Alberto Yousseff e do ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa. Documento diz que há uma "conexão entre os desvios". Planilha da Operação Lava-Jato indica que o ex-diretor da Petrobras negociou doações eleitorais com empreiteiras, entre elas, três contratadas para obras da Repar (UTC, Mendes Júnior e Toyo Setal).
Gasene: gasoduto entre
Bahia e Espírito Santo
Sob investigação
Auditoria do TCU identificou superfaturamento de 1.800% na construção de um trecho da rede de gasodutos operada pela Petrobras na Bahia. Com 954 quilômetros de extensão, o trecho liga o Espírito Santo à Bahia, e custou R$ 3,7 bilhões. Segundo o jornal O Globo, a Petrobras criou uma empresa de papel – a transportadora Gasene S.A. – para construir e operar o gasoduto. Uma das empresas foi contratada sem licitação por R$ 266 milhões. Os auditores do TCU constataram que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) autorizou a construção e a operação do gasoduto sem analisar os documentos das empresas e sem avaliar se o projeto era adequado. A agência reguladora pediu uma cópia do contrato de operação e manutenção do trecho entre Cacimbas (ES) e Catu (BA) em 4 de março de 2010, segundo ofício anexado ao processo que tramitou na ANP. Não houve exame do contrato, escreveram os auditores. Três semanas depois, Lula e Dilma inauguravam o trecho, hoje em operação.