Uma das principais referências nacionais na causa dos direitos humanos, Nilmário Miranda diz ter ficado encantado com a proposta do governador Fernando Pimentel para fortalecer esse setor em Minas Gerais. Tanto é que abriu mão da presidência do Instituto dos Direitos Humanos do Mercosul, em Buenos Aires, e do mandato como deputado federal pelo PT, em Brasília, onde poderia assumir já, como suplente da coligação Minas pra Você. Ele decidiu permanecer em Belo Horizonte, onde mora com a família no Bairro Santo Antônio e recebeu a reportagem do Estado de Minas para uma conversa.
“Tudo com que um militante de direitos humanos sempre sonhou vai estar ali”, diz Nilmário, que se prepara para assumir a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Cidadania e Participação Social, a ser criada até o fim de fevereiro dentro da reforma administrativa do governo de Minas. “Em vez de fazer uma pequena secretaria de mulheres, outra de racismo e outra de juventude, como fazem outros estados governados pelo PT, Minas vai dar o exemplo de reunir as demandas em um único lugar institucional. Sempre defendi isso”, afirma.
Embora mantenha o compromisso com Pimentel de manter discrição sobre as metas de governo, a serem anunciadas pessoalmente pelo governador em 90 dias, Nilmário antecipa que vai trabalhar para aplicar em Minas a lei que ajudou a aprovar no Congresso, como relator, que determina a extinção da revista vexatória das mulheres em visitas a penitenciárias. Embora não confirme, Nilmário também não descarta que poderá assumir a gestão sobre a questão dos adolescentes infratores no estado. Chega a anunciar a extensão do bem-sucedido modelo das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs) para adolescentes. “Para mim, compromisso tem de ser coisa sagrada. A pior desgraça do política seria não cumprir o que prometeu durante o processo eleitoral. Em eleição, a pessoa mente muito só para ter o voto”, dispara. Confira os principais trechos da entrevista de Nilmário ao EM.
Proposta irrecusável
Na eleição para deputado federal, fiquei como o quarto entre 10 suplentes da minha coligação. Eu poderia assumir o mandato como deputado federal em Brasília, já que dois foram convocados para ser ministros da presidente Dilma, o Patrus Ananias e o George Hilton, e dois deputados federais estão integrando o governo Fernando Pimentel, o Odair Cunha e o Miguel Corrêa. Nesse caso, eu poderia assumir como deputado federal porque, com os quatro assumindo cargos, eu deixaria a suplência e me tornaria efetivo. Tive também um convite para ir para o Instituto de Direitos Humanos do Mercosul. Na presidência rotativa entre os cinco países, com mandato de dois anos, agora é a vez do Brasil. Eu iria morar em Buenos Aires. Mas optei por ficar com o Fernando Pimentel. Ele me convidou para uma conversa dizendo que pretendia criar um mecanismo forte de participação social e fortalecer a área de direitos humanos em Minas. E me pediu para que eu não aceitasse o convite para o Mercosul na Argentina nem assumisse o mandato em Brasília. Quis que eu ficasse aqui em Minas.
Reforma política
Fernando Pimentel quer que eu assuma a Secretaria de Direitos Humanos, que será criada aqui. Hoje, a pasta de Direitos Humanos é uma subsecretaria da Sedese (Secretaria de Desenvolvimento Social) e não tem, portanto, força política, status nem o orçamento que o governador pretende. Mas a mudança só se consumará no fim de fevereiro. Serão quatro as novidades dentro da reforma política. Surge a Secretaria de Direitos Humanos, que estou chamando de Direitos Humanos, Cidadania e Participação Social, e haverá também a Secretaria de Recursos Humanos. Você imagina que um governo com 560 mil servidores não tem até hoje uma secretaria de RH? Bem, será criada ainda uma Secretaria de Desenvolvimento Agrário, dentro do compromisso de campanha do Pimentel de atender agricultores familiares, reforma agrária, cooperativismo, economia popular e solidária. Além disso, a Secretaria de Esporte vai se separar da do Turismo. Então, na verdade, vão ser criadas quatro secretarias e serão extintos o Escritório de Brasília e o Escritório de Prioridades. A Ouvidoria-Geral do Estado vai para Direitos Humanos. Então, três serão extintas ou modificadas, três serão criadas e uma, dividida. Essa é a reforma política.
Juntar tudo
Em vez de fazer uma pequena secretaria de mulheres, outra de racismo e outra de juventude, como fazem muitos estados governados pelo PT, Minas vai dar o exemplo de reunir as demandas em um único lugar institucional. Tudo o que um militante de direitos humanos sempre sonhou vai estar ali. Sempre defendi que é mais forte ter um lugar geral do que dividir em pequenas secretarias de pouco impacto. Acho que o Fernando (Pimentel) foi na linha certa, que me agrada e, por isso, a proposta se tornou irrecusável. Se você cria interações entre as políticas e fortalece as instâncias, dá mais resultado, facilita ter fluxos internos, dá mais celeridade. Vou trabalhar com a participação social. Valorizar as conferências, mesas de diálogo, consultas. Mas a participação popular no governo Pimentel não vai se restringir só a isso.
Gabinete digital
Pimentel vai ter um gabinete digital em que centenas de milhares de pessoas vão estar interligadas diretamente com o governador. As pessoas vão poder se queixar, demandar, dar sugestões e todos, todos mesmo, vão ser respondidos. Essa também é uma novidade importantíssima. Pimentel propôs na campanha dele descentralizar e regionalizar a administração. Vamos ter vários polos regionais para discutir o desenvolvimento nas dimensões econômica, social, política e também para fazer políticas públicas.
Apac para nfratores
É um ponto que ainda não está amadurecido e que vai entrar nesse processo dos 90 dias. O que posso adiantar é que Minas tem uma experiência notável, que são as Apacs, com 90% de reinserção dos presos na sociedade, sem reincidência no crime. Elas mostram que qualquer pessoa pode se ressocializar. Quem sabe a gente consegue implantar algo semelhante para os infratores? Já existem instituições que lidam com os infratores, e Minas é o estado com o maior número de Apacs no país. Ao todo, são 30. As Apacs são prisões sem policiais, construídas de baixo para cima pela sociedade civil, só com agentes penitenciários. Surgem por intermédio da sociedade civil, tribunais de Justiça e Ministério Público, mas o Estado tem de apoiar.
Humanização das prisões
O Tribunal de Justiça e o Ministério Público de Minas têm muita sensibilidade, e o estado conta com organizações de familiares de presos dispostos a apoiar a humanização das prisões. Como deputado federal, fui relator e aprovei projeto para acabar com toda a revista vexatória de mulheres, filhas e mães que visitam as prisões. Se o preso está na cadeia cumprindo a pena dele, a mulher não tem de ser punida para visitar o detento. Já existe uma lei agora, e o estado terá de se adaptar e homogeneizar o processo. É preciso discutir com o governo para colocar outra coisa no lugar. Só usar a revista íntima se o scanner mostrar algo suspeito.
Je suis Charlie
Você tem essa maluquice do ataque ao jornal de humor Charlie Hebdo, que é uma questão tão insana e difícil de entender no contexto do Brasil. Precisamos tirar coisas positivas das tragédias e trabalhar muito mais com a diversidade religiosa. Mostrar que, no cotidiano do Brasil e em Minas, o muçulmano pode se sentar com o judeu, o espírita com o da religião de matriz afro; o evangélico da igreja histórica com o da linha pentecostal. Conheço várias cidades de Minas que passam décadas sem nenhum homicídio, enquanto outras, onde passam rotas de tráfico, estão perplexas e tomadas pela violência. Precisamos criar em Minas este ambiente de desarmar a violência, de criar a convivência entre religiões distintas, de convivência racial interétnica. A diversidade cultural é um dom, algo positivo a tirar do Brasil.
Novos indicadores
Ainda é cedo para falar em público, daqui a uns dias o próprio governador vai anunciar, mas vai ser um governo marcante com fóruns regionais de desenvolvimento. Você não vai precisar andar 700 quilômetros para vir à Cidade Administrativa discutir um problema comezinho. Os órgãos estaduais vão estar mais próximos das pessoas, e elas vão estar representadas neles diretamente. Vamos trabalhar indicadores mais simples, mais fáceis para o povo entender e poder cobrar, ficar no pé mesmo do governo. Quanto mais simples os indicadores no entendimento, melhor. O povo é sábio, ele percebe que as mudanças não ocorrem da noite para o dia. Mas ele não aceita que haja retrocesso nem estagnação. Ele quer acompanhar para onde (o estado) está caminhando, o que está sendo construído a médio prazo, a longo prazo.
Compromisso de campanha
Para mim, compromisso tem de ser coisa sagrada. A pior desgraça da política seria não cumprir o que prometeu durante o processo. Em eleição, a pessoa mente muito só para ter o voto. Ele sabe o que o povo quer ouvir, porque qualquer pesquisa mostra isso. Faz parte da sociedade as pessoas se apropriarem da política. Não se pode estimular a antipolítica, o ódio à política. Você tem é de transformar a política. Isso também faz parte da pauta dos direitos humanos.