Governo engole traições na Câmara para garantir aprovação de projetos

Eleição de Cunha na Câmara ressalta divisão entre Mercadante e Jaques Wagner, articuladores do PT, e acentua a preocupação do Planalto com as propostas que Dilma quer ver aprovadas

Paulo de Tarso Lyra, Grasielle
Castro, Amanda Almeida
e André Shalders

Cunha, Mercadante e Calheiros na abertura dos trabalhos do Congresso: ministro adotou discurso conciliador, defendendo 'diálogo' e para a 'construção de uma agenda que o Brasil precisa' - Foto: Geraldo Magela/Agência Senado


Brasília – A derrota do Planalto com a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara escancarou a divisão de estilo entre o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o ministro da Defesa, Jaques Wagner, principais expoentes da nova articulação política da presidente Dilma Rousseff. Wagner tentou costurar até o último momento uma aliança entre PT e PMDB na Câmara, na tentativa de impedir o embate entre Cunha e Arlindo Chinaglia. Mercadante optou pelo confronto e apostou na mobilização dos demais ministros, como Cid Gomes (Educação) e Gilberto Kassab (Cidades), para ajudar a esvaziar o PMDB e reverter casos de infidelidade na base aliada, já que os sinais de debandada pró-Cunha já se tornavam nítidos. Deu errado.


O governo ainda tenta digerir as traições internas, já que Chinaglia teve menos votos do que poderia na coligação partidária que o apoiou formalmente. Isso sem levar em conta o PP e o PR, que comandam o ministério da Integração Nacional e do Esporte, respectivamente, e apoiaram oficialmente Eduardo Cunha. A presidente Dilma Rousseff, que montou a Esplanada dos Ministérios para garantir a fidelidade da própria base de sustentação, sentiu o impacto da própria fragilidade e agora terá de ter cuidado redobrado, pois a derrota política poderá transformar-se em derrota econômica.


O ano será difícil e é preferível, na visão de estrategistas dilmistas, distensionar os ânimos para não atrapalhar iniciativas legislativas importantes, como as mudanças no seguro-desemprego, nas regras de pensões ou a prorrogação por mais quatro anos da Desvinculação das Receitas da União (DRU).

Nessa segunda-feira, Mercadante disfarçou a derrota na Câmara, dando uma declaração blasé sobre a eleição de Cunha. “Na Câmara, houve a disputa entre as duas principais bancadas. Essa é uma casa política.

Tem votação, a gente ganha ou perde. O importante é manter o diálogo, e a disposição de construção de uma agenda que o país precisa”, disse ele.

Sem caça

Diante da fragilidade na articulação política, uma caça às bruxas em busca de infiéis está aposentada. “As bruxas estão espalhadas em muitos outros partidos aliados. Não dá para querer piorar ainda mais as coisas”, disse um integrante da articulação política. “Em matéria eleitoral, você converge, diverge, alguns trabalham para alguns, outros trabalham para outros até o dia das eleições. No dia seguinte às eleições a busca é pelo bem comum”, ameniza o vice-presidente Michel Temer. Segundo ele, não há preocupações com a relação entre a Câmara e o Planalto. Temer acredita que haverá independência com harmonia.


 “A Câmara deu um recado muito claro para nós. Se o governo insistir no confronto, as sequelas poderão ser piores”, afirmou um interlocutor palaciano. “Eles descobriram, na prática, que é o PMDB quem entende dos meandros do Congresso. É uma longa estrada pavimentada por José Sarney, Renan Calheiros, Michel Temer, Henrique Alves e, agora, Eduardo Cunha”, provocou um cacique peemedebista.


O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), confirmou ter recebido um telefonema de congratulações da presidente Dilma Rousseff. “Foi uma conversa amistosa”, afirmou, lacônico. O ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, um dos cabos eleitorais do candidato governista derrotado também telefonou para Cunha, mas apenas recebeu o recado de que o presidente da Câmara não poderia atendê-lo e que retornaria em outro momento.



‘Harmonia’

Por sua vez, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, enviou sinais de distensão na relação entre o Planalto e Cunha. Ele disse ter certeza de que o novo presidente da Câmara fará uma gestão “excelente” e “harmoniosa” com o Executivo. Questionado sobre o fato de seu partido, o PT, ter ficado sem cargos na Mesa Diretora da Câmara, Cardozo minimizou as dificuldades e comentou que governo conseguirá manter uma relação harmônica com o Legislativo.


Petista citado na Operação Lava-Jato e não reeleito, o ex-deputado Cândido Vaccarezza tripudiou nas redes sociais sobre a derrota do Planalto e do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). “O pior é que informaram para a bancada que Arlindo poderia ganhar no primeiro turno. É muita incompetência. O PT fica fora da mesa e das principais comissões. Por incompetência da articulação política do governo e do próprio PT na Câmara”, escreveu o ex-parlamentar.


 Integrantes do PMDB também não esconderam a satisfação por derrotar o PT. “O Aécio, que só pode oferecer um café, conseguiu 100 votos para Júlio Delgado (PSB-MG) na disputa da Câmara. O governo coloca sete ministros, tem o poder da caneta e dá 136 votos para o Chinaglia.

Que coisa, hein?”, ironizou um líder partidário.

 

 

PAUTAS EM SUSPENSE

Confira temas urgentes que preocupam o Planalto, especialmente com a perspectiva de um Congresso hostil ao governo

Prorrogação da desvinculação das Receitas da União (DRU)


A DRU é a autonomia que o governo tem para gastar livremente até 20% do dinheiro arrecadado com impostos e contribuições. A medida precisa ser renovada este ano. O governo quer a extensão por mais quatro anos. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), concorda com apenas um ano extra.
 
Aprovação do orçamento 2015


O governo precisa aprovar a peça orçamentária de 2015 para ter alguma margem de manobra de investimentos sem ficar restrito apenas aos duodécimos, que garantem recursos somente para o custeio da máquina.
 
Mudanças trabalhistas e previdenciárias


Por meio de medidas provisórias, o governo alterou o seguro-desemprego e a pensão por morte. De acordo com o texto, em vez de ter direito ao seguro após seis meses de contribuição, o beneficiário precisará comprovar vínculo empregatício de, pelo menos, 18 meses. Na segunda solicitação, a carência será de 12 meses. O governo também alterou o seguro-defeso, o auxílio-doença e o abono salarial. O Congresso precisa votar as MPs para que se tornem leis.
 
Vetos presidenciais


O Congresso tem autonomia para derrubar vetos presidenciais, como o que corrige a tabela do Imposto de Renda. Este ano, por exemplo, Dilma vetou o índice de 6,5% aprovado pelo Congresso, fixando o percentual em 4,5%.

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