Um pacote de armas de curto alcance

Medidas para coibir prática de atos ilícitos por políticos e servidores públicos é criticado por juristas

Juristas apontam efeito restrito de propostas, que serão lançadas pelo governo

Marcelo da Fonseca- enviado especial
Brasília – O Palácio do Planalto prepara em silêncio um pacote anticorrupção para tentar reaver parte da popularidade perdida nestes dois meses do mandato do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff (PT).
Ainda em gestão, as medidas a serem apresentadas pela presidente já são vistas com desconfiança por juristas devido ao efeito restrito que elas tendem a ter sobre o combate à corrupção.

O pacote, que surge no rastro das denúncias de corrupção envolvendo o alto escalão da Petrobras, políticos, partidos e empreteiras, será focado em cinco propostas – prometidas por Dilma três dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais: a criminalização do caixa dois eleitoral e do enriquecimento ilícito de funcionários públicos; o confisco de bens de condenados em esquemas ilícitos; a aceleração de julgamentos de processos contra políticos no Supremo Tribunal Federal (STF); e a criação de juizados especiais para crimes de improbidade administrativa.


Para juristas, as mudanças mais importantes são as que agilizam o trâmite de processos envolvendo políticos ligados a esquemas de corrupção. As duas últimas propostas – aceleração de julgamentos e criação de juizados especiais – foram apontadas como propostas positivas. Já as três primeiras – criminalização do caixa dois e do enriquecimento ilícito, e confisco de bens – foram consideradas pouco úteis. “Definir novos crimes e penas não vai promover a redução da corrupção no Brasil. O mais importante é encontrarmos maneiras de acelerar os processos. A tipificação penal não é o primeiro passo, já que existem tipos penais suficientes para contribuir com o combate à corrupção”, defende o constitucionalista José Alfredo Baracho Jr.


A proposta de criminalização do caixa dois eleitoral foi apresentada em 2013 pelo senador Jorge Vianna (PT-AC). O crime de movimentar ou arrecadar recursos sem declará-los à Justiça Eleitoral resultará em pena de cinco a 10 anos de prisão caso a proposta seja aprovada.

Hoje, o caixa dois pode levar à prisão caso envolva falsidade ideológica. No entanto, o mais comum é a aplicação de outras punições, como perda de mandato. “Não acho que medidas penais são as mais eficazes. A criminalização do caixa dois pode ser uma boa medida, mas não adiantará muita coisa caso os trâmites continuem sendo demorados e as punições não ocorram. A mudança que precisamos está mais ligada a um melhor processo de fiscalização e de celeridade”, avalia o penalista Luiz Flávio Gomes.

Improbidade


A crítica dos juristas é semelhante no que se refere às propostas de criminalizar o enriquecimento ilícito de funcionários públicos e de confiscar bens dos condenados. Na legislação atual, o enriquecimento ilícito é punido com sanções de natureza civil, como perda do cargo público e confisco dos bens adquiridos com recursos ilegais, além de multas e proibição de assinar contratos com o Estado. O Brasil é signatário de vários tratados que preveem prisão de servidores envolvidos em esquemas de corrupção. “Por meio das controladorias, essa regra (confisco de bens) já deveria vigorar. Para que os funcionários públicos sejam realmente punidos, será imprescindível que cada órgão desenvolva seus meios de fiscalização interna”, afirma o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Ophir Cavalcante.

O jurista considera que medidas de combate à corrupção devem ser vistas como positivas, uma vez que são as principais demandas da sociedade brasileira, mas ressalta que é preciso que os governantes adotem ações internas que busquem um rigor maior em suas próprias administrações. “Do ponto de vista interno, é preciso aumentar o controle. Tanto a Controladoria Geral da União (CGU) quanto os tribunais de Contas deveriam atuar de forma mais independente. Parece-me um equívoco só remeter propostas do ponto de vista externo, com mudanças na legislação”, critica Ophir.

Já as mudanças nos ritos processuais de políticos e servidores envolvidos em atos ilícitos são consideradas importantes pelos juristas. “É uma boa ideia a criação de juizados especiais, o que poderá acelerar a tramitação dos processos e, aí sim, acabar com a sensação de que as ações ligadas aos políticos não andam no Brasil”, diz Luiz Flávio Gomes.

Em 2006, após as denúncias do mensalão (esquema de pagamento de propinas a parlamentares da base aliada do primeiro governo Lula em troca de apoio a projetos de interesse do Planalto), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios propôs a criação de um juizado com foco em crimes contra o Estado e o sistema financeiro, mas a proposta não foi pra frente. No fim do ano passado, foi arquivada no Congresso. Segundo a assessoria da Presidência, ainda não está confirmada a data de lançamento do pacote anticorrupção. A expectativa é que Dilma acelere a elaboração das propostas para que sejam divulgadas no momento em que a Procuradoria Geral da República (PGR) pedir a abertura de inquéritos e ações criminais contra políticos em decorrência da Operação Lava-Jato.

 

Fuga cara
O Brasil gastou até agora R$ 1,2 milhão com a batalha judicial pela extradição de Henrique Pizzolato, condenado no processo do mensalão que fugiu para Itália. O levantamento se baseou em dados do Diário Oficial da União e nos portais de transparência do governo federal. Na semana passada, a Corte de Cassação italiana auorizou a devolução do fugitivo para que cumpra a pena de 12 anos e sete meses de prisão a que foi sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal. O Ministério da Justiça da Itália tem até abril para decidir se segue ou não a decisão da mais alta corte do país.

 

O que os especialistas pensam sobre

Criminalização do caixa dois eleitoral
“Existe uma discussão sobre o crime do caixa dois e houve interpretações divergentes. Será importante uma regra para que não ocorram mais dúvidas. Mas é preciso um controle maior do ponto de vista interno, de cada poder, por meio de suas corregedorias.

Isso seria mais importante.”
Ophir Cavalcante, ex-presidente da OAB

Criminalização do enriquecimento ilícito de funcionários públicos
“Em lugar de criminalizar o enriquecimento ilícito, algo que já é feito na teoria, a Prefeitura de São Paulo, por exemplo, está fazendo algo muito mais efetivo, que é fiscalizar de forma contundente, porque já existem condições legais para isso. Então, o que é preciso? Investigar o capital do indivíduo, sua declaração de renda, a movimentação bancária. E já temos mecanismos para isso, falta é melhorar a fiscalização.”
Luiz Flávio Gomes, jurista

Confisco dos bens oriundos de enriquecimento ilícito
“Essa regra já existe. As normas para improbidade administrativa estão aí, mas a aplicação efetiva das punições não se confirma. O fundamental é a mudança na forma como os processos tramitam.”
José Alfredo Baracho Jr. jurista

Aceleração de processos contra políticos no Supremo Tribunal Federal (SFT)
“Agilizar esses processos no STF deveria ser uma política de Estado. Tal qual se dá prioridade para habeas corpus no tribunal, o julgamento de políticos envolvidos em desvios de dinheiro público deveria também ter uma tramitação mais rápida.”
Ophir Cavalcante, ex-presidente da OAB

Criação de juizados especiais para crimes de improbidade administrativa
“A criação de juizados especiais para políticos é uma boa ideia. Principalmente se isso se reverter em uma celeridade maior no processo. É uma medida muito mais eficaz do que, por exemplo, definir corrupção como crime hediondo.”
Luiz Flávio Gomes, jurista

.