Policiais querem derrubar lei que integra chefes à carreira jurídica

Categoria conta ainda com a ajuda de um parecer favorável do Ministério Público Federal

Maria Clara Prates
Procurador-geral da República, Rodrigo Janot diz no parecer que a lei foi fruto de pressão corporativista de associações de delegados - Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Entidades de classes das polícias travam uma verdadeira batalha judicial – expondo uma disputa feroz dentro da categoria. O motivo é a edição da Lei 12.830, de junho de 2013, reconhecendo que o delegado faz parte da carreira jurídica, tem direito a ser chamado de Vossa Excelência e ainda é quem preside o inquérito e solicita medidas como requisição de perícias, informações e documentos. Mesmo representando todas as categorias da corporação, a Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Polícia Civil (Cobrapol) propôs um ação direta de inconstitucionalidade (ADI) para derrubar a lei, que teria garantido “regalias especiais aos delegados”. E, para isso, eles receberam um reforço – que demonstra a existência de outra queda de braço, desta vez entre a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF): o parecer favorável à ação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. No parecer, ele afirma que a legislação foi fruto “de pressão corporativa concentrada de associações de delegados de polícia, em todo o país, já há vários anos, exatamente com a finalidade de distanciar delegados dos demais policiais e de aproximá-los das carreiras verdadeiramente jurídicas, tanto no tratamento normativo quanto no plano remuneratório”.

Depois de proposta a ação, a Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), que fez intensa campanha pela aprovação da lei, solicitou que fosse admitida no processo como parte interessada. Para o presidente da ADPF, Marcos Leôncio Ribeiro, tanto a ação quanto o parecer, não demonstram qualquer preocupação técnica ou jurídica, mas apenas corporativista. Segundo ele, a posição assumida pelo chefe do Ministério Público Federal é “apenas mais um ato janotista”. “O procurador-geral tem demonstrado em seus posicionamentos sempre uma tentativa de censurar ou reduzir as possibilidades de investigar da PF”, diz o delegado.
O presidente lembra que Janot se colocou contrário ao reconhecimento do delegado como um profissional de carreira jurídica, revelando mais uma vez suas contradições, porque já defendeu que oficiais da Polícia Militar sejam incorporados a essa categoria de servidor. “Na verdade, a Polícia Militar tem feito serviços solicitados pelo MPF e, por se submeter a eles, mereceriam o reconhecimento”, alfineta o policial.

O presidente da Cobrapol, investigador da Polícia Civil Jânio Bosco Gandra, explica que a legislação, na verdade, cria uma incongruência dentro das polícias Civil e Federal. “O delegado é um policial e não pertence à carreira jurídica. Não se pode admitir que, simplesmente por ser formado em direito, pertença a outra categoria. Como policial civil ou federal, ele terá que prestar serviço a suas corporações”, defende. Gandra disse que a decisão de propor a ADI foi tirada durante um congresso de policiais civis de todos os estados, reunidos em Brasília, em maio de 2014. Ele disse que mesmo que a Cobrapol represente também os delegados, existe grande insatisfação já que a atividade policial não é exclusividade do delegado e sim de todo o corpo da Polícia Civil”, afirma. O presidente também aproveita para criticar o tratamento agora de Vossa Excelência dispensado aos delegados. “Para que esse tratamento, se isso não melhora em nada a relação com a sociedade. Pelo contrário, vai distanciá-los ainda mais”, conclui.

Marcos Leôncio rebate a tese de que a lei cria “casta” entre policiais. Pelo contrário, segundo ele: “protege a investigação e o interesse público. “Temos que considerar que a lei questionada não permite que um delegado seja retirado da condução de um inquérito sem uma justificativa fundamentada. É necessário demonstrar que está havendo prejuízo ao trabalho de apuração.
É uma inamovibilidade apenas para proteger o interesse da sociedade, mas permite mudanças quando a conduta do profissional compromete o trabalho”, explica. Segundo o presidente da ADPF, está é uma forma de se evitar ainda que haja interferências externas nas investigações.

VINGANÇA Gandra fez questão de ressaltar que a ação não é uma simples “vingança” dos investigadores. “Eu não sou delegado, mas tenho vários primos neste cargo. O que quero evitar é um racha interno na corporação que a nova legislação implantou. E mais uma vez recebe o reforço do Ministério Público Federal. “De maneira alguma se cogita menosprezar a enorme importância desses agentes públicos. Não se deve admitir, todavia, que, devido àqueles movimentos corporativos, a legislação infraconstitucional desnature o sistema constitucional da segurança pública, dê à função policial feitio que não lhe é próprio, aprofunde (em vez de corrigir) as disfunções do direito positivo pré-constitucional e empreste tratamento normativo análogo a funções que são intrinsecamente distintas”, diz o parecer do MPF.

Para a Procuradoria da República, quando a lei estabelece ser o delegado de polícia o “responsável pela condução da investigação criminal por inquérito policial ou outro procedimento legal permite interpretação incorreta e inconstitucional de que qualquer procedimento investigatório de cunho criminal precisaria ser presidido com exclusividade pelo delegado de polícia”. E não esconde o grande desconforto que a legislação causou também ao Ministério Público. “Interpretação incorreta e inconstitucional de que qualquer procedimento investigatório de cunho criminal precisaria ser presidido com exclusividade por delegado de polícia. Disso resultaria exclusão de investigações realizadas por outros órgãos, com atribuições definidas, de maneira mais ou menos explícita, na Constituição da República (é o caso das comissões parlamentares de inquérito) e em leis (Receita Federal e Conselho de Controle de Atividades Financeiras, por exemplo), conforme destaca a petição inicial.
Poderia trazer consequências indevidas à atuação do Ministério Público, cujos poderes investigatórios decorrem diretamente da Constituição da República.”

O que diz a lei

Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.

A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.

O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados..