Paineiras e Quartel Geral – O cabo de guerra entre governo federal, prefeituras, bancos e empreiteiras disputado há quase um ano deixa as casas do programa Minha casa, minha vida inacabadas em duas cidades mineiras. Na pequena Paineiras, cidade de 4,6 mil habitantes na Região Central, a corda arrebenta do lado mais fraco. Contemplada com uma das 37 casas, Adriana Alves da Silva, de 31 anos, esperava ter se mudado em maio do ano passado, quando a placa na entrada do conjunto habitacional previa o prazo para a conclusão das obras. Adriana cria sozinha dois filhos, um de 8 anos, que é autista, e outro de 14, que, segundo ela, ainda não teve um diagnóstico fechado, mas sabe-se que tem atraso mental. “Meu sonho é minha casa”, afirma a mulher, que poderia pagar, segundo seus cálculos, exames para os filhos com o dinheiro do aluguel (R$ 300). Enquanto as obras das casas de Paineiras estão abandonadas, hoje, em Feira de Santana, na Bahia, a presidente Dilma Rousseff (PT) entregará 920 moradias do programa. O ato faz parte da estratégia da presidente de criar uma agenda positiva diante das sucessivas denúncias de corrupção na Petrobras. Na segunda-feira, durante cerimônia de posse como presidente da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior anunciou que será lançada uma nova etapa do programa, com a construção de 3 milhões de novas moradias.
“Está demorando demais”, lamenta Adriana, que recebe um salário mínimo mensal relativo à pensão do filho autista e diz que em alguns meses chega a faltar dinheiro para comida.
No conjunto habitacional onde Adriana e seus filhos deveriam estar morando desde maio – caso o prazo estabelecido tivesse sido cumprido –, o que chama a atenção é o mato, que cresce até no piso do que deveria ser um banheiro. Portas foram arrombadas e as esquadrias da janela estão completamente empenadas. Materiais usados na obra, como areia e brita, estão abandonados no matagal. No cenário de desalento, o único som que se ouvia ontem ao meio – dia era de uma porta depredada movimentando-se com o vento.
O prefeito de Paineiras, Osman de Castro (PR), diz que tentou contato com a empreiteira Paralelo SOS e também com o Ministério das Cidades, mas não teve resposta. Castro argumenta que a responsabilidade da prefeitura era preparar o terreno e que isso foi cumprido. “Os futuros moradores me procuram. Alguns dizem que vão invadir e algumas portas já foram estouradas”, explica o prefeito.
Responsável pelas obras do Minha casa, minha vida em cinco municípios mineiros, entre eles Paineiras e Quartel Geral, o empreiteiro Sérgio de Oliveira e Silva, dono da construtora Paralelo SOS, atribui o atraso nas obras à falta de repasses de recursos pelo Ministério das Cidades, por meio do Bicbanco. Segundo Silva, a demora é de quase 50 dias para receber, enquanto o acordo previa, no máximo, 30 dias. “Cheguei a comunicar o problema ao Ministério das Cidades.
O empreiteiro ressalta que conseguiu concluir somente 26,6% das obras em Paineiras e 18,4% em Quartel Geral. Os trabalhos estão parados desde novembro e outubro, respectivamente. “Para mim, não é interessante atrasar. Tudo aumenta. Somos contratados por um preço baixo (R$ 25 mil a unidade) e ainda tem a morosidade para receber. Mas se avanço a obra e não recebo, fico devendo e tenho que pagar juros”, reclama Silva, que afirma que o próximo repasse estava prometido para depois do carnaval.
Em nota, o Bicbanco respondeu que “não comenta eventuais negócios com clientes ou possíveis clientes”. O Ministério das Cidades informou que a equipe técnica está ocupada com o evento de Feira de Santana, na Bahia, e não poderia esclarecer ontem as razões do atraso nas obras nos municípios mineiros.
Sem telhado
Na pequena Quartel Geral, de 3,3 mil habitantes, na Região Centro-Oeste, a situação é pior. Das 39 casas previstas, apenas oito foram levantadas, sendo que uma está sem telhado. A obra envolve o mesmo banco e construtora de Paineiras. As casas deveriam ter sido entregues em maio do ano passado, quando Jaqueline Rosário da Silva, de 24, ficou grávida de seu segundo filho.
Jaqueline cuida de sua filha recém-nascida e de seu primeiro filho, Patrick, de 6 anos, sozinha. Paga R$ 200 de aluguel e está em licença-maternidade do emprego em uma fábrica de sapatos na cidade vizinha de Abaeté. “Não sei se vou esperar mais. Pago R$ 200 de aluguel e o dinheiro poderia ajudar muito nas despesas da casa. Já falei com o pessoal da prefeitura que estou pensando em ir para lá com a casa sem acabar”, afirma Jaqueline.
O engenheiro civil Elder Augusto, da Prefeitura de Quartel Geral, explica que o prefeito da cidade já colocou à disposição máquinas para carregarem material, mesmo não sendo essa uma função da prefeitura. “Ele tem medo de o mandato acabar e não terminar as casas e as pessoas colocarem a culpa nele”, afirma o engenheiro.
Presente de grego
Mais de 900 casas de três conjuntos habitacionais, construídas dentro do programa Minha casa, minha vida, estão prontas em Montes Claros (Norte de Minas), mas vão continuar vazias pelos próximos meses. O motivo é a falta de infraestrutura dos conjuntos. O sorteio para a entrega dos imóveis estava marcado para hoje, mas ontem o prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz (PRB), anunciou o adiamento. Segundo ele, entregar agora as unidades seria como “dar um presente de grego para os moradores”.
De acordo com Ruy Muniz, nos conjuntos habitacionais Vitória II, Rio do Cedro e Monte Sião IV faltam escolas, unidades básicas de saúde, postos policiais, praças, quadras poliesportivas cobertas, linhas de transporte coletivo e espaços reservados para o comércio. O chefe do Executivo disse que, além de cancelar o sorteio dos novos conjuntos, a administração municipal decidiu não conceder o “habite-se” (liberação para a ocupação) dos imóveis. A intenção do prefeito é exigir do governo federal a liberação de recursos para escolas, postos de saúde e outras obras estruturais nos conjuntos. Ele anunciou que, no mês de março, terá uma reunião com a secretária nacional de Habitação, Inês Magalhães, para cobrar uma solução para o problema. (Colaborou Luiz Ribeiro).