A União deve às prefeituras de todo o país R$ 35 bilhões de restos a pagar, acumulados nos últimos seis anos, pelo não pagamento de emendas parlamentares e verbas previstas em convênios e contratos firmados com os municípios. O número faz parte de levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que se queixa de prejuízos para a população, como a suspensão ou retardamento de obras. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, salienta que o acúmulo dos restos a pagar do governo federal agrava mais ainda o dificil quadro financeiro da quase totalidade das prefeituras, que sofrem com falta de dinheiro até para serviços essenciais.
“Diante da crise que estamos passando, o fato de o governo não liberar os recursos previstos nos contratos atinge as prefeituras de forma assustadora. As consequências para a população são enormes. São inúmeras obras paralisadas, incluindo reformas e construção de escolas, postos de saúde, pontilhões. Até pagamento para compra de ambulância está atrasado”, afirma Ziulkoski, que citou também atrasos em obras previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A burocrática exigência da Certidão Negativa de Débitos (CND) e de outros documentos das prefeituras, somada aos questionamentos dos processos de licitação, retarda a liberação dos pagamentos por parte dos diversos ministérios em Brasília. Em nota, a Confederação Nacional dos Municípios ressalta que os restos a pagar “nascem da dificuldade que a União tem de executar o orçamento”, acrescentando que faz o balanço dos restos a pagar anualmente e vem verificando uma “piora” a cada ano.
A CNM argumenta que os cortes de emendas parlamentares ao Orçamento Geral da União também complica a situação dos municípios. Conforme a entidade, alguns prefeitos conseguem emendas dos deputados federais de sua região para o custeio das obras, “mas quando o Orçamento Geral da União sofre cortes, essas emendas são contigenciadas e prejudicam lá na ponta os municípios. Assim, ou a obra fica inacabada ou o prefeito paga com recursos próprios aquilo que deveria ter sido pago com a emenda”.
Paulo Ziulkoski lembra que as cidades menores são as mais penalizadas com os atrasos nas transferências, por dependerem quase totalmente de recursos federais. “Mas, na verdade, os grandes municípios também são muito prejudicados por terem maiores volumes de recursos a serem liberados”, afirma o presidente da CNM. Ele citou como exemplo em Minas Gerais Belo Horizonte, Contagem e Juiz de Fora.
Os impactos negativos do atraso nos repasses de convênios firmados com o governo federal são sentidos pelos moradores de Francisco Sá – cidade de 23,6 mil habitantes, a 480 quilometros de Belo Horizonte, no Norte de Minas. As obras de construção de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no município estão paradas há mais de sete meses. O prefeito Denilson Silveira (PCdoB) informa que foi firmado convênio com o Ministério da Saúde prevendo R$ 1,2 milhão para a unidade ambulatorial. No entanto, em julho do ano passado, quando o prédio chegou ao ponto de laje, o Ministério da Saúde interrompeu a liberação de verbas e a empreiteira contratada foi obrigada a parar os serviços. Segundo Silveira, o Ministério não esclareceu o que motivou o atraso no pagamento de R$ 120 mil que faltam para a conclusão da UPA, mas prometeu liberar a parcela ainda neste mês. “Enquanto o dinheiro não chega, enfrentamos dificuldades para o atendimento médico à população”, lamenta o chefe do Executivo de Francisco Sá.
O prejuízo não é só na área de saúde. O prefeito lamentou que, por causa do atraso no repasse de verbas federais, desde setembro do ano passado, foram paralisados o serviços de recuperação e encascalhamento de uma estrada de terra que dá acesso a uma região rural do município e que passa em frente à Penitenciária de Segurança Máxima Francisco Sá (distante 16 quilômetros da área urbana). Ele disse que foi assinado convênio com o Ministério da Integração no valor de R$ 1,2 milhão (resultante de emenda parlamentar) para as melhorias na estrada vicinal. No entanto, até agora foram liberados somente R$ 400 mil. “Foram feitas as medições e empreiteira contratada teria a receber mais R$ 200 mil pelos serviços executados. Como não houve o pagamento, a empresa foi obrigada a interromper a obra, pois não tem como bancar os serviços sozinhos”, argumentou Silveira.
Ainda em Francisco Sá, estão inacabados os serviços da construção de casas na zona rural, viabilizados por meio de convênio firmado com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), dentro do programa de melhoria de moradias rurais, para o combate à doença de Chagas. Denilson Silveira disse que o convênio, no valor de R$ 1 milhão, previa a construção de 27 habitações. “Só foram liberados R$ 400 mil. Por isso, a empreiteira construiu 10 casas, e depende do recebimento de R$ 600 mil para fazer as outras 17. Sem dinheiro, não tem como tocar as obras”, disse o prefeito.
CRÍTICA DA AMM
Os atrasos na liberação de verbas de emendas também são criticados pelo presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Antonio Carlos Andrada (PSDB), prefeito de Barbacena. “Os prefeitos conseguem emendas parlamentares, muitas delas usadas para custeio de obras essenciais para a cidade. Quando o Orçamento Geral da União (OGU) sofre cortes, essas emendas são contingenciadas e o prejuízo é da população, que fica com uma obra inacabada, ou da prefeitura, que adquire uma dívida que não estava prevista no orçamento próprio”, enfatiza Andrada.
Burocracia é outro entrave para obras
Em Japonvar, cidade de 8,3 mil habitantes no Norte de Minas, a peleja do prefeito Eraldino Soares de Oliveira (PP) é para conseguir a liberação integral de recursos de emendas ao Orçamento da União destinados ao asfaltamento de ruas. Conforme Oliveira, dos R$ 600 mil alocados no orçamento de 2014, foram liberados R$ 350 mil. As obras começaram, mas como os outros R$ 250 mil não saíram, os serviços estão paralisados.
O prefeito de Japonvar reclama da burocracia imposta pelo governo federal para liberar as verbas orçamentárias. “O governo tem que desburocratizar as coisas. Antigamente, os recursos eram liberados integralmente, de uma vez. Agora, o dinheiro sai em parcelas. Só que o governo atrasa demais os pagamentos e, sem receber, a maioria das pequenas empreiteiras não tem condições de manter as obras”, diz Eraldino Oliveira.
Ele também critica o “excesso de exigências” por parte da Caixa Econômica Federal (CEF), do Ministério da Saúde e de outros órgãos da União em relação aos projetos de engenharia. “Muitas vezes, o engenheiro faz um projeto para a reforma ou ampliação de um posto de saúde aqui, e quando chega na Caixa ou no Ministério da Saúde pedem outro projeto. Isso atrasa ou interrompe a obra”, descreve Oliveira. Ele sugere a realização de cursos de capacitação dos engenheiros das prefeituras pela CEF ou associações de municípios.
O prefeito de Patis – de 5,5 mil habitantes, também no Norte –, Vinicius Versiani de Paula (PMDB), acha que, além de redução as barreiras burocráticas, o governo federal tem que instituir mudanças no critério para o repasse das verbas. Ele ressalta que os atrasos atingem em cheio regiões carentes como o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha, onde 95% dos municípios dependem das tranferências.
“Acho que o sistema está errado. A forma de liberação dos recursos e a definição das políticas públicas em Brasília não atendem às nossas necessidades”, afirma Versiani. “Pecisamos de pontualidade nos pagamentos e autonomia para definir as ações”, completou.
Vinicius Versiani revelou que tem recursos a receber para a saúde e área social no município. “Os valores em atraso não são significativos. Mas envolvem serviços essenciais para a população. Sem dinheiro, temos que dispensar servidores e não podemos pagar os fornecedores”, lamentou. O presidente da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), César Emlio Lopes Oliveira (PT), acredita que o governo federal terá que repensar o formato da liberação de verbas para os municípios. “O atraso é muito grande, principalmente, por conta das exigências nas licitações”, diz Lopes Oliveira.