A guerra empreendida desde fevereiro na Câmara Municipal de Belo Horizonte para pôr fim à verba indenizatória – R$ 15 mil mensais oferecidos a cada um dos 41 parlamentares para custear despesas em geral – está prestes a ter sua última batalha esta semana. O projeto que substitui o antigo modelo por licitações em conjunto para todos os vereadores estará pronto para ser votado em segundo turno na quarta-feira. A proposta enterra a verba indenizatória, na busca de mais transparência e de economia aos cofres públicos, que, no ano passado, destinaram mais de R$ 5 milhões ao benefício. E como esse dinheiro foi usado? O Estado de Minas traçou um raio X da verba indenizatória e mostra que, em 2014, vereadores empregaram a maior parte dela, R$ 1,3 milhão, o correspondente a 23% do total, para promover seu próprio mandato. O custo com aluguel e manutenção de veículos – R$ 833 mil – fica logo atrás, seguido do gasto com combustível, de R$ 634 mil. Nessa despesa milionária há também reembolsos com almoço em restaurante chinês, compras em supermercados e kit de lanches para servidores.
O levantamento foi feito com base na prestação de contas mensal apresentada pelos parlamentares à Casa Legislativa, disponível no Portal da Transparência da Câmara. De acordo com os dados, juntos, os parlamentares gastaram R$ 5,5 milhões no ano passado. Segundo as regras em vigor no Legislativo municipal, vereadores têm direito ao ressarcimento de até R$ 15 mil por mês de suas despesas com o mandato, entre elas combustível, lanche, material de escritório, serviços postais, estacionamento e apoio a eventos. A Deliberação 3/2009 estabelece as normas para o emprego da verba e limites para cada despesa.
No ano passado, a maior parte do benefício foi usada na divulgação de atividade parlamentar, que consiste na elaboração de jornal com as ações do mandato, num total de R$ 1,3 milhão. Dezembro foi o mês em que vereadores mais promoveram suas ações, destinando R$ 147,5 mil para esse finalidade. Segundo as normas da Casa, que proíbem o caráter eleitoral do informativo, vereadores podem usar até R$ 6 mil por mês com essa despesa. O limite é o mesmo estabelecido para serviço postal, que ficou em quarto lugar no ranking de gastos da verba indenizatória, com R$ 542 mil. Os picos do pagamento com correspondências e postagens ocorreram em julho, início da campanha eleitoral, e dezembro, quando parlamentares mais divulgaram suas atividades.
Em vez de sola de sapato, vereadores têm gasto muito pneu e gasolina para chegar a seus eleitores. O aluguel e manutenção de veículos ficou em segundo lugar no ranking da verba indenizatória, num total de R$ 833 mil (15,5%). Com o recurso, seria possível comprar 27 carros populares. Logo atrás, na terceira posição, fica o custo do combustível, que consumiu R$ 633 mil em um ano, o equivalente a 209 mil litros de gasolina. É o suficiente para encher 12 tanques por dia e percorrer, em 2014, cerca de 2,3 milhões de quilômetros, o mesmo que 180 voltas em torno da Terra. O volume é tanto que vários vereadores chegam a gastar por mês R$ 3 mil com abastecimento, limite previsto na Deliberação 3/2009. Com o valor, é possível encher 19 tanques.
Os pagamentos usando a verba indenizatória são alvos frequentes de denúncias do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) envolvendo abusos e distorções na prestação de contas dos parlamentares. Esta semana, o presidente da Câmara, Wellington Magalhães (PTN) pretende acabar com esses problemas, ao extinguir a verba indenizatória e substituí-la por licitações em conjunto dos itens para todos os vereadores. O projeto, de autoria da Mesa Diretora, dará lugar a um substituto com mesmo conteúdo assinado por todos os parlamentares. “Vamos ler o parecer da mesa em plenário na segunda e, a partir de quarta, já dá para votar”, explica Magalhães.
Alimentação
Uma comissão foi criada para estudar a transição do modelo da verba indenizatória para as licitações. Nessa mudança, uma das intenções do presidente é acabar com despesas de lanche e refeição no novo modelo. Só esses dois itens somaram R$ 234 mil no ano passado. Uma nota, por exemplo, pede reembolso de R$ 720 por refeição em um restaurante chinês, dinheiro que pode fartar de refrigerante e yakisoba, clássico da culinária oriental, cerca de 25 pessoas. Outras notas dizem respeito a compras em supermercados e padarias, num total de R$ 1.940 por um único parlamentar. Há também pagamentos para lanches de servidores de até R$ 1.912.
Enquanto recursos voltados para alimentação parecem estar perto do fim, a mudança em relação à divulgação parlamentar é um item mais espinhoso. “Cada vereador tem seu estilo de mandato. A lei já proíbe promoção pessoal. Cada um tem seu perfil”, afirma o presidente. O vereador Ronaldo Gontijo (PPS), escalado por Magalhães para estudar as mudanças, ressalta os ganhos do novo sistema. “Esse modelo da verba indenizatória está esgotado. As licitações tornam o uso do gasto público mais transparente, porque não deixam (a verba) na mão de cada parlamentar. Além disso, quando se licita um item para 41 pessoas, fica mais barato”, reforça. Mas a transição não será fácil. “Muitos vereadores, por exemplo, têm contratos de aluguel de carro por um ano, e isso terá de ser respeitado’, diz.
USO OU ABUSO?
. 23% da verba indenizatória, R$ 1,3 milhão, foi usada com a divulgação dos mandatos
. Maio foi o mês em que houve maior gasto com o benefício, R$ 522,8 mil
. 2,3 milhões de quilômetros é a distância que se pode percorrer com o combustível pago aos vereadores com a verba indenizatória, o suficiente para dar 180 voltas em torno da Terra
. O gasto com alimentação – R$ 234 mil – bancaria 320 refeições diárias no restaurante popular da Câmara Municipal
. Dezembro foi o mês em que os parlamentares mais gastaram com a divulgação do mandato
. 27 carros populares poderiam ser comprados com o dinheiro gasto com aluguel e manutenção de veículos
. Setembro, no meio do período eleitoral, foi quando parlamentares menos usaram a verba indenizatória. Eles gastaram R$ 353 mil
. Apenas dois vereadores (Marcelo Aro e Iran Barbosa, eleitos deputados) abriram mão do benefício em 2014
RAIO X DAS DESPESAS
ITEM VALOR GASTO (R$)
Divulgação de atividade parlamentar 1,3 milhão
Manutenção e locação de veículo 833 mil
Combustível 634 mil
Serviço ou produto postal 542 mil
Material de escritório 395 mil
Serviço gráfico 377 mil
Material de informática 361 mil
Telecomunicação 215 mil
Lanche 188 mil
Escritório de representação parlamentar 168 mil
Serviço de escritório 131 mil
Serviço de informática 107 mil
Refeição 46 mil
Apoio a eventos 27 mil
Estacionamento 22 mil
Periódico 19 mil
Divulgação eletrônica 11 mil
Viagem a serviço 1,7 mil
Participação em curso ou seminário 0
Consultoria técnica 0
Total em 2014 5,5 milhões
Entenda o caso
. Vereadores de Belo Horizonte têm direito a R$ 15 mil por mês para gastar com despesas em geral dos gabinetes. Esse recurso, chamado de verba indenizatória, é usado para ressarcir gastos com locação de veículos, material gráfico, combustível, contratações de consultorias, entre outros.
. Desde 2007, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, investiga de forma incisiva o uso distorcido da verba indenizatória.
. Em 2011, o MPMG ingressou com ação civil pública contra 43 vereadores e ex-vereadores por ato de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito no uso do recurso.
. A estimativa feita na época era de que esses parlamentares geraram prejuízo de cerca de R$ 10 milhões com gastos considerados injustificáveis. A investigação analisou o período de janeiro de 2009 a janeiro de 2011.
. De acordo com o promotor João Medeiros, autor das ações, houve uso abusivo da verba indenizatória. Um dos vereadores, por exemplo, gastou com gasolina o equivalente a um tanque por dia.
. Em 2012, o presidente da Casa, Léo Burguês (PTdoB), criou comissão para estudar o uso mais rígido dos recursos públicos. Até o ano passado, no entanto, o trabalho não havia gerado mudanças concretas.