De origem inglesa, a palavra impeachment volta à cena e aparece como uma das reivindicações de alguns grupos que vão às ruas no próximo domingo, dia 15, pedir o afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT). Mais de duas décadas depois do pedido de impeachment que motivou a renúncia do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1989-1992), a bandeira ganhou força nas redes sociais, mas nunca abandonou o cotidiano da política. Levantamento da Câmara dos Deputados, solicitado pelo Estado de Minas, mostra que, desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) até hoje, a Casa Legislativa recebeu 69 denúncias contra os chefes máximos do Executivo.
Do total de acusações, a maior parte é contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que recebeu 34 denúncias. Em seus oito anos de governo, de 1994 a 2002, FHC foi alvo de 17 contestações, concentradas, principalmente, em seu segundo mandato, quando cresceu movimento “Fora FHC”. Até o dia 25, foram apresentadas 18 denúncias contra Dilma. Todas as denúncias foram arquivadas, com exceção da última recebida contra a presidente, ainda em processamento. Esse pedido foi protocolado pelo cidadão Wagner Santos, que alega má gestão administrativa e escândalos de corrupção. Ele também reclama do desrespeito à garantia de direitos básicos, como educação e saúde.
Desde o ano passado, outros oito pedidos apresentados contra Dilma trazem como justificativa a Operação Lava-Jato, que investiga esquema de propina na Petrobras. Eles foram arquivados por falta de provas. Mas há também pedidos inusitados, como o do cidadão Alexandre Moraes, que, tentou por três vezes, sem sucesso, tirar a presidente do cargo. Segundo documento da Câmara, Moraes alega que a presidente esteve no programa Superpop, da Rede TV, e apresentou vídeo em que ele estava em casa sem roupas, violando sua privacidade e honra.
Todas as denúncias arquivadas na Câmara ocorreram por falta de indícios de crime ou por não atenderem as exigências legais, como apresentar assinatura com firma reconhecida. Na época de Collor, por exemplo, um carro Fiat Elba usado pelo então presidente foi a evidência de corrupção e motivou a abertura do processo pelo Congresso. O veículo havia sido comprado com dinheiro de uma conta fantasma do tesoureiro Paulo César (PC) Farias.
Possibilidade sem consenso
Juristas se dividem ao analisar se há motivos para a saída da presidente Dilma Rousseff (PT), uma das bandeiras levantadas por alguns grupos de manifestantes que prometem ir às ruas no próximo domingo, dia 15. Apesar da falta de consenso, mesmo quem identifica causas para o afastamento considera remota a chance de que isso aconteça. A abertura de um pedido de impeachment de um presidente ocorre quando há provas de que ele tenha cometido crime comum ou um crime de responsabilidade. Essa classificação inclui desde atos de improbidade administrativa até aqueles que ameaçam a segurança do país.
Entre os que defendem o afastamento da presidente, a Operação Lava-Jato da Polícia Federal (PF), que apura esquema de corrupção na Petrobras, maior estatal brasileira, aparece como uma das principais justificativas. Na semana passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de 28 inquéritos contra 54 pessoas, a maior parte políticos. Não houve, entretanto, qualquer suspeita sobre a presidente.
O diretor da Faculdade de Direito da UFMG, Fernando Jayme, avalia que, até agora, não existe qualquer razão que possa levar a um impeachment. “Houve uma investigação que apurou indícios em relação à várias pessoas, e não restou nada contra a presidente. Se houvesse, o procurador levaria a questão ao Congresso. Não posso presumir culpa, o que presumo é inocência”, afirma Jayme.
Para o diretor, a movimentação em torno do afastamento da presidente é resultado da disputa presidencial, no ano passado. “O processo eleitoral foi acirrado e gerou insatisfação daqueles que foram derrotados. Estamos dentro de um mandato outorgado pela soberania popular”, reforça Jayme, que considera legítimas as manifestações e descarta instabilidade que justifique ruptura.
O presidente da comissão de advocacia público municipal da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais, Henrique Carvalhais, especialista em direito público, também não vê embasamento legal para um impeachment. “Há uma grande mobilização de insatisfação política, e não a imputação de condutas específicas que ensejariam um impedimento”, afirma. Ele esclarece que as manifestações, por si só, não são suficientes para o afastamento da presidente. “O principal efeito da população se manifestar é para que os poderes instituídos tenham a exata noção de que são temporários”, afirma.
Mas o doutor em direito pela Universidade Mackenzie e professor emérito da instituição de ensino, o advogado Ives Gandra afirma que, do ponto de vista jurídico, há elementos para pedir o impeachment de Dilma, que exerceu o cargo de presidente do Conselho de Administração da Petrobras. “Considerando que o assalto aos recursos da Petrobras, perpetrado durante oito anos, de bilhões de reais, sem que a Presidente do Conselho e depois Presidente da República o detectasse, constitui omissão, negligência e imperícia, conformando a figura da improbidade administrativa, a ensejar a abertura de um processo de impeachment”, escreve, em parecer jurídico sobre o assunto.
Gandra explica que há no Superior Tribunal de Justiça (STJ) decisões que condenam a omissão em casos de improbidade administrativa. “Não estou dizendo que houve a intenção. Mas a lei de crimes de improbidade fala em ação ou omissão. E, a meu ver, houve omissão”, reforça. O jurista considera, entretanto, remota a possibilidade de se abrir processo para afastar Dilma, o que deveria ser aprovado por dois terços da Câmara dos Deputados. “Como o julgamento é político, acho muito difícil”, diz.
Os processos contra FHC pediam o afastamento do ex-presidente por diversas razões: falta de ética, compra de votos para aprovação da reeleição de mandatos, irresponsabilidade com relação a privatizações que ocorreram em seu mandato. Eles foram protocolados, na maior parte, por deputados, entre eles o ex-deputado federal José Genoíno (PT), que ganhou, na semana passada, perdão pela pena no processo do mensalão. Em relação a Lula, o envolvimento no processo do mensalão aparece na maior parte dos pedidos de impeachment.