Depois de uma semana pressionada, durante a qual foi obrigada a enfrentar panelaço e vaias que culminaram em uma manifestação com milhões de descontentes em 65 cidades do país, a presidente Dilma Rousseff (PT) admitiu erros do governo na economia e na política e ainda fez afagos no Congresso, em aliados e adversários, pregando o “diálogo com humildade”. À noite, durante exibição de trechos de seu discurso na televisão, houve novo panelaço em várias cidades do país.
A petista fez pronunciamento ontem, menos de 24 horas depois de enfrentar a palavra de ordem “fora Dilma”, que predominou nos atos públicos, ao sancionar o novo Código de Processo Civil (CPC), no Palácio do Planalto, em Brasília. Sem propostas novas para acalmar a população, ela acenou, mais uma vez, com a edição de uma lei específica para combate à corrupção, que será apresentada nos próximos dias, e com o empenho para a reforma política, medidas repetidamente anunciadas desde as manifestações populares de junho de 2013, e também durante a campanha de sua reeleição.
Ao admitir equívocos na condução da política econômica, Dilma reafirmou a necessidade de ajustes. No entanto, ela criticou os pessimistas. “Repudio aqueles que defendem a política de quanto pior melhor, tanto na economia como na política”, se referindo às duras críticas que enfrenta da oposição, desde que anunciou as mudanças no rumo da economia, taxadas de “ortodoxas”.
Mas prevaleceu o mea culpa: “É possível que a gente possa ter cometido algum erro de dosagem. Agora, queríamos uma melhoria de emprego e renda. Tem gente que acha que a gente devia ter deixado algumas empresas quebrarem e alguns trabalhadores desempregados. Eu tendo a achar que isso era um custo muito grande para o país. Fizemos de tudo para a economia reagir. Podem falar o seguinte: ‘então era melhor deixar quebrar’. Eu não acredito nisso”, defendeu. Para Dilma, “em qualquer atividade humana, se comete erros”. “O que não posso concordar é ser responsabilizada por algo que seria pior. Seguramos 20 milhões e pouco de empregos”, declarou.
Embate Ainda sob efeito da ressaca das manifestações, Dilma citou o vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP), com quem ficou um mês sem falar logo depois de tomar posse e que enfrenta uma rebelião na base aliada dos peemedebistas. Segundo a presidente, Temer é “solidário e leal”. Garantiu que não é sua intenção isolar o PMDB em seu governo. “As instituições políticas não estão à altura deste país e não estou falando em corrupção e sim de governabilidade. A instabilidade política ameaça a todos”, disse. Temer esteve pela manhã com a presidente para avaliar as manifestações. Segundo ele, as reivindicações não estavam focadas em pedidos “minoritários” de renúncia da presidente, mas no descontentamento com a política econômica e na falta de diálogo com vários setores da sociedade, como o Congresso Nacional.
Para Temer, o governo precisa ter humildade para reconhecer erros e garantir a governabilidade por meio do diálogo. A declaração foi dada em evento com empresários fluminenses. Dilma ouviu o vice e, logo depois de sancionar o CPC, disse estar aberta ao “diálogo com quem quer que seja”. “Se não fui humilde, me diz onde eu errei que vou mudar. Queremos fazer o ajuste, só não vamos abrir mão do que pode contribuir para o país”, atestou. E em outra demonstração de aproximação com o Congresso, Dilma fez questão de dizer que a lei anticorrupção e a reforma política serão encaminhadas para discussão no Congresso. “O Congresso não tem sido adverso ao meu governo. Toda vez que as propostas foram explicadas e discutidas, o Congresso foi sensível”. Para ela, não existe “crise com o Legislativo” e sim “dificuldades”.
Corrupção
Na linha de buscar o entendimento, a petista também evitou rebater diretamente a fala do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – investigado por suspeita de envolvimento no desvio de recursos públicos da Petrobras, apurados na Operação Lava-Jato – de que a corrupção no país está instalada no Executivo. “É bom deixar claro que a corrupção não está no Poder Legislativo, a corrupção está no Executivo. Se eventualmente alguém no Legislativo se aproveitou da situação para dar suporte político em troca de benefícios indevidos, é porque esses benefícios existiram pela falta de governança do Poder Executivo, que permitiu que a corrupção avançasse”, afirmou o peemedebista, que considerou “um desastre” a resposta dos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Miguel Rosseto (Secretaria Geral da Presidência) às manifestações de domingo. Em outros tempos, Dilma talvez desse uma resposta menos polida a Cunha, mas diante da sua situação, preferiu não bater de frente. Segundo ela, a corrupção não poupa ninguém: “ Acho que essa discussão não nos leva a nada. A corrupção é uma senhora bastante idosa no país e não poupa ninguém, nem o setor privado.”
Panelaço
Durante a exibição da fala de Dilma no Jornal Nacional, da Rede Globo, as panelas voltaram a bater. Em Belo Horizonte, o panelaço foi registrado em varandas nos bairros Sion, Santo Antônio e Belvedere, na Região Centro-Sul, e Buritis, Oeste da capital. Pelo Twitter, internautas registraram o protesto das panelas em outros locais, como Campina Grande (PB), Goiânia, São Paulo, Santos (SP) e Curitiba. Uma mobilização para bater panelas durante a fala de Dilma e de ministros circula no Whatsapp. No domingo, houve panelaço durante as falas dos ministros Miguel Rossetto, da Secretaria Geral da Presidência, e José Eduardo Cardozo, da Justiça. No Dia da Mulher, quando Dilma fez pronunciamento em cadeia nacional, foi a primeira vez. O grupo Revoltados On Line, um dos que chamaram para os protestos de domingo, postou vídeos de panelaços, um deles com muito barulho de xingamentos, panelas e buzinas em Guarulhos (SP). O Vem Pra Rua colocou um banner em sua página avisando que Dilma estaria no jornal e indicando: “Todos já sabem o que fazer, certo?”, estimulava o post, com a foto de uma panela.