Se os cursos de capacitação forem garantia de um Legislativo atuante, a população de Ipatinga, no Vale do Aço, não tem do que reclamar. Somente no ano passado, 14 dos 19 vereadores participaram de pelo menos quatro cursos dessa espécie em locais paradisíacos como Maceió (AL), Natal (RN), Foz do Iguaçu (PR) e Aracaju (SE), entre outros. E tamanha foi a dedicação dos parlamentares que alguns deles optaram por passar até mesmo o período do Natal e do réveillon – de 25 a 31 de dezembro – dentro da sala de aula. Nesse caso, o local foi Fortaleza, um dos mais belos cartões-postais do país. Tudo isso, no entanto, teve um custo alto para os contribuintes. Somente entre março a dezembro, os representantes do Legislativo municipal consumiram cerca de R$ 400 mil em diárias e passagens aéreas.
Foi justamente aquele que tinha a caneta na mão, o então presidente da Câmara, o vereador Werley Araújo, o Ley Trânsito (PSD), que liderou o ranking de viagens e gastos. Para ele, que fez nove viagens em 2014, foram pagos em diárias e passagens R$ 66,6 mil. O vereador é um dos que trocaram o descanso de fim de ano pelo curso na capital cearense. Ley Trânsito parece se preocupar tanto com sua especialização que entre 28 de outubro e 31 de dezembro passou apenas 29 dias na cidade do Vale do Aço.
Entre os dias 28 de outubro e 3 de novembro, Ley Trânsito fez um curso em Aracaju, apesar do feriado de finados, no dia 2. Sete dias depois, ele embarcou para Maceió, para um curso entre os dias 11 e 17 de novembro, com aula em pleno feriado da Proclamação da República, comemorado no dia 15. Depois que retornou a Ipatinga, foram apenas mais sete dias na cidade até um novo embarque, desta vez para João Pessoa (PB), entre 26 de novembro e 2 de dezembro, onde fez nova especialização. O retorno exigiu seis dias de Ley Trânsito em Ipatinga, até ele partir para Fortaleza, para estudar no período de 9 a 15 de dezembro. E, finalmente, nove dias depois, ele embarcou para a capital cearense novamente para o curso do fim de ano.
Sul
O segundo lugar no ranking das diárias e viagens é do vereador Rogério Oliveira, o Léo Escolar (PCdoB). Ele também se dedicou aos estudos e fez seis viagens de capacitação. Ao contrário do presidente da Câmara, no entanto, mesclou as viagens entre o Sul do país e o Nordeste. Léo Escolar esteve se capacitando em Fortaleza – campeã disparada como escolha de sede dos cursos – nos meses de março e dezembro, e em Aracaju (SE), em setembro. Mas ele aprimorou seus conhecimentos legislativos também em Foz do Iguaçu, em maio e dezembro, e em Curitiba, em julho. O gasto da Câmara com a capacitação do vereador foi de R$ 37,3 mil, ou seja, mais de cinco salários pagos aos políticos por mês, que é de R$ 7,2 mil.
Mais modesto, o vereador Ademir Dias (DEM) demonstrou clara preferência pelos estudos perto das Cataratas do Iguaçu. Ele fez pelo menos três capacitações em Foz – em abril, agosto e novembro –, além de uma de quatro dias na praiana cidade de Florianópolis (SC). No Nordeste, o destino dele foi Natal, entre 13 e 18 de maio, apenas. Com Ademir, foram sacados do cofre público da cidade R$ 28,9 mil. Cinco vereadores de Ipatinga não aderiram à onda do estudo fora de casa: Adelson Fernandes Silva (PSB), Lene Teixeira Souza Gonçalves (PT), Nilson Lucas Gonçalves (PMDB), Saulo Manoel (PT) e Sebastião Guedes (PT), atual presidente da Casa.
Investigação As capacitações são viabilizadas por meio do Instituto Capacitar, com sede em Belo Horizonte e de propriedade do advogado Clésio Drumond, candidato derrotado a um cadeira na Câmara Federal na última eleição. Ele também é dono da empresa CDC Turismo, que funciona no mesmo endereço do Capacitar, e fornece passagens para a Câmara de Ipatinga, conforme o portal da transparência do município. É inegável que Drumond, que atua como instrutor nos cursos, tem vasta experiência na área. Ele foi dono do extinto Instituto Nacional Municipalista (INM), que encerrou suas atividades em 2011. Entre 2009 e 2011, o INM foi alvo de investigações por gastos excessivos com diárias em municípios de Minas, Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará, Espírito Santo, entre outros. Em Itabuna, o INM foi acusado ainda de venda de certificados falsos.
De acordo com o portal da transparência de Ipatinga, do cofre municipal foram desembolsados R$ 10,1 mil para o instituto de Drumond, por serviços prestados em março, maio, outubro e novembro. Apesar disso, o advogado diz que não mantém contratos com as câmaras ou com prefeituras. Os cursos são organizados toda a semana e oferecidos aos interessados, em geral, de uma mesma região. Assim, a decisão de participar é de cada político ou servidor municipal. Ele diz que os cursos oferecidos são de 20 horas e têm conteúdos variados como redação oficial, cerimonial, processo legislativo, Refis, diário oficial eletrônico, fundamentos da gestão pública, lei da transparência, entre outros.
O presidente da Câmara, Sebastião Guedes, disse que não iria falar sobre os gastos porque eles são de responsabilidade do seu antecessor e, até agora, não autorizou qualquer despesa com diárias e viagens. O ex-presidente Ley do Trânsito também foi procurado, por meio da Assessoria de Comunicação da Casa, que disse que não o localizou. Em nota, a assessoria informou que não foi possível responder ontem às perguntas do Estado de Minas sobre os gastos com as viagens pois elas necessitam de uma pesquisa. “Mas reiteramos nosso compromisso em responder a cada questão levantada. Acreditamos que amanhã (hoje) teremos condição de enviar uma nota abordando cada questionamento”, afirmou.