O Palácio do Planalto encara nesta terça-feira uma negociação decisiva com o Congresso Nacional para atingir as metas de equilíbrio nas contas públicas. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tenta, às 10h, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, convencer os senadores a não aprovar a regulamentação do projeto que altera os cálculos das dívidas de estados e municípios. O tema é considerado fundamental pela equipe econômica do governo para atingir as metas austeridade fiscal e recuperar a credibilidade. Segundo Levy, o impacto da mudança nos indexadores das dívidas podem alcançar, só neste ano, R$ 3 bilhões, montante que deixaria de ser arrecadado pela União.
Aliados apostam que o ministro levará ao Congresso um plano de metas para a economia brasileira até o final de 2015, discutindo vários temas da política econômica. Para o senador Delcídio Amaral (PT-MT), integrante da CAE, a expectativa é de que Levy explique com detalhes os objetivos e o planejamento do Planalto para superar as dificuldades econômicas. “Ele deve trazer uma proposta para a regulamentação das dívidas, com uma previsão dos gastos e um cronograma para que as mudanças entrem em vigor sem tamanho impacto aos cofres públicos”, avalia Amaral.Segundo o petista, além das dívidas dos estados e municípios, os senadores querem discutir com Levy medidas de ajuste fiscal propostas pelo governo federal e cortes de investimentos. “Queremos saber o que ele está pensando para a área dos investimentos em logística, infraestrutura e transportes. Qual será a perspectiva até o final do ano? E também queremos ouvir sobre as propostas para o pacto federativo”, cobra Amaral.
Com as novas regras, o indexador das dívidas passa a ser o IPCA, índice oficial de inflação, mais 4% ao ano, ou, caso a taxa básica de juros seja menor, ela passa a ser adotada. Atualmente, os débitos são corrigidos pelo IGP-DI mais juros de 6% a 9%. O texto determina ainda que as dívidas contraídas antes de 2013 sejam recalculadas de maneira retroativa. Quando entrar em vigor, a mudança vai aliviar o peso dos débitos de 180 municípios, sendo o maior beneficiado a cidade de São Paulo, que deve cerca de R$ 62 bilhões à União.
A situação na capital paulista cria um embate interno dentro do PT, uma vez que o prefeito Fernando Haddad (PT) contava com essa regra para aliviar os problemas financeiros do município e garantir investimentos prometidos aos paulistanos. Para senadores petistas, no entanto, a situação do colega de legenda não pode fazer com que o Planalto altere sua política de austeridade. “Ele (Haddad) está apostando nessa mudança, como qualquer um faria em seu lugar, mas será preciso avaliar o momento. Não é que o Planalto não queria regulamentar. O ministro Levy não tem nada contra o mérito da nova regra, mas o momento não é apropriado”, ressalta Delcídio Amaral.
DERROTAS E EMBATE O ministro tem a missão de evitar nova derrota da presidente Dilma Rousseff (PT) no Parlamento. Desde a reeleição, a petista enfrentou vários revezes no Congresso e assiste à pulverização de sua base aliada, processo liderado pelo PMDB. Além da vitória de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – desafeto declarado do Planalto – para a presidência da Câmara, o Planalto teve derrubada a proposta de criação dos Conselhos Populares no final do ano passado e, em 2015, teve rejeitada uma medida provisória enviada ao Senado que revisa regras de desoneração da folha de pagamento de vários setores da economia.
Levy deve, no entanto, se preparar para enfrentar um público hostil hoje na CAE. O líder do bloco de oposição, Álvaro Dias (PSDB-PR), passou parte do fim de semana se preparando para fazer perguntas . “Quando era o Mantega (o ex-ministro Guido Mantega), eu ficava quase sozinho questionando. Mas agora, com a maior impopularidade do governo, muito mais gente vai querer falar”, vaticinou. Mesmo por parte de senadores da base deverá haver cobranças, incluindo petistas. “Levy é muito preparado tecnicamente, mas terá de explicar por que o ajuste fiscal está sendo feito apenas do lado da receita e não da despesa”, exemplificou Dias.
O ministro vai argumentar, porém, que a redução das desonerações não representa aumento da carga tributária, mas a redução de um benefício. Quanto às medidas provisórias que limitam a concessão de pensão por morte, auxílio doença e seguro-desemprego (leia quadro), o titular da Fazenda argumentará que não configuram redução de benefícios, mas sim correção de distorções, como a possibilidade de uma pessoa muito jovem casar-se com outra idosa apenas para ficar com uma pensão vitalícia durante muito tempo. (Colaboraram Paulo Silva Pinto e Rosana Hessel)
À espera do ministro
O que o titular da Fazenda, Joaquim Levy, defenderá hoje na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado
» Dívidas de estados e municípios
A lei da renegociação dos débitos, aprovada em novembro, poderá reduzir o estoque do passivo desses entes federados com a União em 65%. Tramita um projeto no Congresso que obriga essa nova pactuação em 30 dias. Mas o governo quer deixar isso para 2016. O argumento é que a regra é justa, mas que não há dinheiro no momento para isso.
» Direitos trabalhistas – O ministro dirá que as mudanças não tiram direitos, mas sim corrigem distorções. A Medida Provisória nº 664 limita a concessão de auxílio doença e das pensões por morte, que só são vitalícias, a partir de agora, se o cônjuge tiver mais de 44 anos. A MP nº 665 aumenta a carência do seguro-desemprego: é necessário o requerente ter sido empregado por 18 meses na primeira solicitação do benefício e não mais apenas seis. Essas medidas vão gerar economia de R$ 18 bilhões neste ano para os cofres públicos.
» Desonerações – O argumento para limitar o regime especial de contribuição previdenciária de empresas que passaram a ter alíquotas sobre o faturamento e não sobre a folha salarial é que o custo fiscal disso é alto (R$ 25 bilhões) e não há demonstração de que a regra tenha criado empregos. Com a MP nº 669, as taxas de 1% e 2% sobre o faturamento mudariam para 2,5% e 4,5%, gerando economia de R$ 5,3 bilhões. O ministro deverá defender essa medida, mas há uma expectativa de negociação para uma alíquota intermediária, provavelmente, de 2% e 3%.
» Dólar – A moeda norte-americana já se valorizou 21,55% em relação ao real desde o início do ano. O ministro dirá que isso pode trazer instabilidade momentânea para o país, mas a longo prazo ajudará a recuperação da economia ao tornar as exportações brasileiras mais competitivas.
Os tropeços
Em três meses, quatro frases de Joaquim Levy causaram grande constrangimento ao Planalto
» 21 de janeiro – No Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça): “A gente pode ter um trimestre de recessão e isso não quer dizer nada em relação ao crescimento”. Depois de levar uma bronca privadamente, voltou atrás e disse que o termo correto seria “contração” em vez de “recessão”.
» 23 de janeiro – Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, criticou o sistema de seguro-desemprego do país, que chamou de “completamente ultrapassado”. Desagradou de novo a presidente Dilma Rousseff. E explicou-se dizendo que a declaração tinha por objetivo “ampliar o debate para aperfeiçoar o programa”.
» 28 de fevereiro – Ao falar do programa de desoneração da folha de pagamento de empresas, adotado no primeiro mandato da presidente Dilma, Levy foi para o ataque: “Você aplicou um negócio que era muito grosseiro. Essa brincadeira nos custa R$ 25 bilhões por ano”. Dilma procurou conter a raiva em público, mas contestou o ministros, defendendo a aplicação das medidas no passado e também sua revisão. Levy disse, então, que havia sido “coloquial demais”.
» 24 de março – Em uma conversa com ex-alunos da Universidade de Chicago, na qual fez o doutorado, afirmou: “Acho que há um desejo genuíno da presidente de acertar as coisas, às vezes não da maneira mais fácil, não da mais efetiva, mas há um desejo genuíno”. Depois, em nota, disse que a frase foi retirada do contexto, e afirmou, em nota, que é preciso “humildade” para reconhecer que nem todas as medidas têm a efetividade esperada.