Brasília – Manifestantes de várias centrais sindicais entraram em confronto com policiais militares na tarde de ontem em frente ao Congresso Nacional, durante manifestação de protesto contra o Projeto de Lei 4.330/04, que regulariza e amplia a terceirização de mão de obra por empresas públicas e privadas.
A confusão na capital federal teve início depois que manifestantes tentaram passar com o caminhão de som pela área que dá acesso à chapelaria do Congresso. Segundo a PM, eles foram impedidos de seguir pelo local porque bloqueariam a entrada do edifício. Nesse momento os manifestantes começaram a jogar garrafas d’água e a atacar os policiais com pedaços de pau, projéteis e até rojões. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusou os manifestantes de serem os responsáveis pelo confronto, além de terem causado danos materiais. O peemedebista disse ainda ter fotos e vídeos de congressistas incitando a multidão contra a polícia.
Na confusão, quatro manifestantes foram detidos e oito pessoas ficaram feridas, entre elas dois deputados e dois policiais. O ex-líder da bancada do PT na Câmara Vicentinho (SP), que já presidiu a CUT, foi atendido no departamento médico após ser atingido por gás de pimenta. Lincoln Portela (PR-MG) afirmou ter levado um soco na boca de um manifestante. Outro deputado presente na manifestação, Orlando Silva (PCdoB-SP), ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), negou que tenha havido incitação à violência e acusou a Polícia Militar de despreparo. “O presidente da Câmara erra ao fazer o tensionamento.”
“Cada vez que há uma pressão dessa, exercida de forma indevida, o Congresso tem que responder votando, temos que ter o direito de exercer a representação. Quanto mais agridem, mais dá vontade de votar”, afirmou Eduardo Cunha. No carro de som, o presidente da CUT, Wagner Freitas, cobrou da base aliada o voto contra o projeto de terceirização. “Nosso inimigo está lá dentro, são os deputados e empresários. Precisamos acabar com o financiamento empresarial de campanha, porque ele é o berço da corrupção”, disse.
TRAMITAÇÃO No final da tarde, o relator do projeto que regulamenta a terceirização, deputado Arthur Maia (SD-BA), aceitou as propostas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e incluirá no texto uma emenda determinando que a empresa contratante fique responsável pelo recolhimento de todos os encargos trabalhistas: FGTS, INSS e demais tributos, como Imposto de Renda (IR) na fonte, PIS/Cofins e CSLL.
Um acordo garantiu a votação apenas da urgência da proposta ainda na noite de ontem, no plenário da Câmara, o que adiou para hoje a apreciação do projeto. Até o fechamento desta edição, porém a votação não havia terminado. Caso aprovado o pedido de urgência, o texto poderá ir a plenário a qualquer momento.
EMPRESÁRIOS X JUSTIÇA Ao contrário dos sindicalistas, os empresários estavam na maior torcida para a aprovação do projeto. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, foi de São Paulo para Brasília para acompanhar de perto a votação. Para o empresariado, a aregulamentação do trabalho terceirizado é fundamental para o incremento da competitividade no Brasil e não implica precarização das condições de trabalho. “Pelo contrário, esse regime permite a redução do custo da mão de obra, a geração de mais emprego e o aumento do salário líquido do trabalhador.”
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), mais influente entidade desse setor do Judiciário, condenou ontem, o que chama de “terceirização indiscriminada em todas as atividades empresariais”.
Análise da notícia
Uma bolada como herança
Marcilio de Moraes
Por trás dos protestos dos sindicatos e centrais sindicais contra o projeto que amplia a terceirização no país está uma estrutura herdada ainda do governo Getúlio Vargas e sustentada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): a Contribuição Sindical. Obrigatória por força dos artigos 578 a 591 da CLT para os trabalhadores formais, ela gerou no ano passado nada menos do que R$ 3,5 bilhões. A arrecadação do imposto sindical teve crescimento de 9,4 % em um ano no qual a geração de riquezas ficou estagnada. É essa bolada que sustenta as centrais sindicais e sindicatos, com ou sem representatividade junto aos trabalhadores. Modernizar as relações de trabalho sem eliminar direitos dos trabalhadores, mas flexibilizando as estruturas de custos das empresas é uma necessidade da economia brasileira para assegurar competitividade frente às nações mais desenvolvidas.
Entenda
O Projeto de Lei 4.330/2004 sobre terceirização está em tramitação no Congresso desde 2004 e estabelece algumas grandes alterações na forma que empresas contratam outras empresas para ter mão de obra, a chamada terceirização. Na prática, o projeto pode alterar três pontos fundamentais da atual terceirização no Brasil e o entendimento que a Justiça tem sobre esses casos.
A maior mudança é a permissão da terceirização para a atividade-fim da empresa contratante. Hoje só é considerada legal a terceirização de atividade-meio das empresas, como serviços de higiene e limpeza, segurança e contabilidade.
A segunda maior mudança é a criação de uma restrição da responsabilidade das empresas contratantes. Hoje, geralmente, a empresa maior assume totalmente as responsabilidades por problemas trabalhistas de empresas que fazem sua terceirização, como o recolhimento de FGTS. Pela proposta apresentada, a empresa contratante só fica responsável por problemas da empresa terceirizada se não tiver fiscalizado corretamente a situação de suas obrigações trabalhistas.
Por último, há a questão sindical. A nova lei prevê que os terceirizados poderão se associar em sindicatos diferentes das categorias previstas na atividade-fim da empresa contratante. Isso deverá mudar o tamanho dos grandes sindicatos do país..