Célia Perrone, Antonio Temóteo e André Shalders
Brasília – Manifestantes de várias centrais sindicais entraram em confronto com policiais militares na tarde de ontem em frente ao Congresso Nacional, durante manifestação de protesto contra o Projeto de Lei 4.330/04, que regulariza e amplia a terceirização de mão de obra por empresas públicas e privadas. Segundo a Polícia Militar, cerca de 2,5 mil pessoas participaram do ato. De acordo com dirigentes da CUT, o protesto reuniu 4 mil pessoas. Houve ainda manifestações em 17 estados.
A confusão na capital federal teve início depois que manifestantes tentaram passar com o caminhão de som pela área que dá acesso à chapelaria do Congresso. Segundo a PM, eles foram impedidos de seguir pelo local porque bloqueariam a entrada do edifício. Nesse momento os manifestantes começaram a jogar garrafas d’água e a atacar os policiais com pedaços de pau, projéteis e até rojões. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusou os manifestantes de serem os responsáveis pelo confronto, além de terem causado danos materiais. O peemedebista disse ainda ter fotos e vídeos de congressistas incitando a multidão contra a polícia. “Parlamentares que incitaram a multidão a invadir ou agredir foram devidamente fotografados, filmados, e serão remetidos à Corregedoria. E haverá sanções. (...) Que vai ter sanção de suspensão, vai”, afirmou Cunha.
Na confusão, quatro manifestantes foram detidos e oito pessoas ficaram feridas, entre elas dois deputados e dois policiais. O ex-líder da bancada do PT na Câmara Vicentinho (SP), que já presidiu a CUT, foi atendido no departamento médico após ser atingido por gás de pimenta. Lincoln Portela (PR-MG) afirmou ter levado um soco na boca de um manifestante. Outro deputado presente na manifestação, Orlando Silva (PCdoB-SP), ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), negou que tenha havido incitação à violência e acusou a Polícia Militar de despreparo. “O presidente da Câmara erra ao fazer o tensionamento.”
“Cada vez que há uma pressão dessa, exercida de forma indevida, o Congresso tem que responder votando, temos que ter o direito de exercer a representação. Quanto mais agridem, mais dá vontade de votar”, afirmou Eduardo Cunha. No carro de som, o presidente da CUT, Wagner Freitas, cobrou da base aliada o voto contra o projeto de terceirização. “Nosso inimigo está lá dentro, são os deputados e empresários. Precisamos acabar com o financiamento empresarial de campanha, porque ele é o berço da corrupção”, disse.
TRAMITAÇÃO No final da tarde, o relator do projeto que regulamenta a terceirização, deputado Arthur Maia (SD-BA), aceitou as propostas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e incluirá no texto uma emenda determinando que a empresa contratante fique responsável pelo recolhimento de todos os encargos trabalhistas: FGTS, INSS e demais tributos, como Imposto de Renda (IR) na fonte, PIS/Cofins e CSLL. Esses valores serão deduzidos do valor bruto da fatura ou da nota fiscal. O deputado afirmou ter dado “muita risada” dos protestos de ontem. “Dei muita risada. Uma manifestação que reúne apenas 400 pessoas em São Paulo deve ser considerada um grande fracasso”, disse Maia.
Um acordo garantiu a votação apenas da urgência da proposta ainda na noite de ontem, no plenário da Câmara, o que adiou para hoje a apreciação do projeto. Até o fechamento desta edição, porém a votação não havia terminado. Caso aprovado o pedido de urgência, o texto poderá ir a plenário a qualquer momento.
EMPRESÁRIOS X JUSTIÇA Ao contrário dos sindicalistas, os empresários estavam na maior torcida para a aprovação do projeto. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, foi de São Paulo para Brasília para acompanhar de perto a votação. Para o empresariado, a aregulamentação do trabalho terceirizado é fundamental para o incremento da competitividade no Brasil e não implica precarização das condições de trabalho. “Pelo contrário, esse regime permite a redução do custo da mão de obra, a geração de mais emprego e o aumento do salário líquido do trabalhador.”
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), mais influente entidade desse setor do Judiciário, condenou ontem, o que chama de “terceirização indiscriminada em todas as atividades empresariais”. E sugere que o Congresso “examine a matéria com a necessária prudência”. (Com Rosana Hessel, Marcelo da Fonseca e agências)
Análise da notícia
Uma bolada como herança
Marcilio de Moraes
Por trás dos protestos dos sindicatos e centrais sindicais contra o projeto que amplia a terceirização no país está uma estrutura herdada ainda do governo Getúlio Vargas e sustentada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): a Contribuição Sindical. Obrigatória por força dos artigos 578 a 591 da CLT para os trabalhadores formais, ela gerou no ano passado nada menos do que R$ 3,5 bilhões. A arrecadação do imposto sindical teve crescimento de 9,4 % em um ano no qual a geração de riquezas ficou estagnada. É essa bolada que sustenta as centrais sindicais e sindicatos, com ou sem representatividade junto aos trabalhadores. Modernizar as relações de trabalho sem eliminar direitos dos trabalhadores, mas flexibilizando as estruturas de custos das empresas é uma necessidade da economia brasileira para assegurar competitividade frente às nações mais desenvolvidas.
Entenda
O Projeto de Lei 4.330/2004 sobre terceirização está em tramitação no Congresso desde 2004 e estabelece algumas grandes alterações na forma que empresas contratam outras empresas para ter mão de obra, a chamada terceirização. Na prática, o projeto pode alterar três pontos fundamentais da atual terceirização no Brasil e o entendimento que a Justiça tem sobre esses casos.
A maior mudança é a permissão da terceirização para a atividade-fim da empresa contratante. Hoje só é considerada legal a terceirização de atividade-meio das empresas, como serviços de higiene e limpeza, segurança e contabilidade.
A segunda maior mudança é a criação de uma restrição da responsabilidade das empresas contratantes. Hoje, geralmente, a empresa maior assume totalmente as responsabilidades por problemas trabalhistas de empresas que fazem sua terceirização, como o recolhimento de FGTS. Pela proposta apresentada, a empresa contratante só fica responsável por problemas da empresa terceirizada se não tiver fiscalizado corretamente a situação de suas obrigações trabalhistas.
Por último, há a questão sindical. A nova lei prevê que os terceirizados poderão se associar em sindicatos diferentes das categorias previstas na atividade-fim da empresa contratante. Isso deverá mudar o tamanho dos grandes sindicatos do país.