O presidente eleito Tancredo Neves resistia à operação de urgência recomendada pelos médicos. Sabia das dificuldades do então general João Baptista Figueiredo com o vice de sua chapa, José Sarney. Egresso da Arena e do PDS, mas filiado ao PMDB na costura política da transição, Sarney era visto como “traidor” do regime. Tancredo temia o retrocesso. A preocupação era partilhada por Ulysses Guimarães (PMDB), então presidente da Câmara dos Deputados e um dos principais artífices da redemocratização.
Quem conta é o próprio José Sarney, em depoimento gravado ao programa Histórias contadas, da TV Senado. Avisado da internação de Tancredo por Aluízio Alves – que seria ministro da Administração do novo governo –, Sarney foi ao hospital na noite de 14 de março. Antes, contudo, telefonou ao general Leônidas Pires Gonçalves, que seria o futuro ministro do Exército. Ao chegar ao Hospital de Base, Sarney encontrou Ulysses sentado numa salinha, ao fundo do corredor. “Eu entrei e Ulysses disse: seu Sarney, veja o que o destino preparou para nós. Temos um problema mais sério pela frente, o problema institucional. Não podemos morrer na praia. Devemos agir”, relata Sarney. No plano institucional, estava posta a questão: na impossibilidade de Tancredo tomar posse, quem assumiria?. A resposta foi encontrada na Constituição Federal de 1969. Era Sarney.
A posse de Sarney ocorreu. Mas durante os 37 dias pelos quais se estendeu a agonia hospitalar de Tancredo Neves, os olhos do país e as atenções do governo que inaugurava a Nova República estavam primeiro no Hospital de Base de Brasília. Depois, se deslocaram para o Instituto do Coração, em São Paulo. “Nesse período, o olhar político e os jogos foram se acomodando à nova situação. Quando Tancredo percebeu que o caso era grave e que poderia não acabar bem, trabalhou para dar sustentação política a Sarney”, avalia o historiador, economista e escritor Ronaldo Costa Couto, indicado por Tancredo Neves para o Ministério do Interior. Em carta dirigida a Sarney e ditada a Aécio em 23 de março, Tancredo elogia a sua solidariedade e o exemplo de sua conduta na interinidade da Presidência da República. “Naquele momento, Sarney estava assustado e carente deste gesto. Era uma demonstração pública de que ele estava ali em nome da Nova República e deveria concluir a transição democrática”, diz Aécio.
Num contexto de inflação descontrolada, a frase central do discurso de posse de Tancredo Neves seria: “Está proibido gastar”. Num governo Tancredo Neves, um plano econômico com os contornos heterodoxos do Plano Cruzado não teria sido editado. “Tancredo em economia era desenvolvimentista, mas não acreditava em heterodoxia”, considera Ronaldo Costa Couto. Avaliação semelhante tem o jornalista e político Antônio Britto, que a poucos dias da posse foi convidado por Tancredo para assumir a sua assessoria de imprensa. “Tancredo seguramente faria um governo de grande habilidade política, austero em sua formatação e cauteloso na condução da economia”, sustenta Britto.
"Enquanto Tancredo teria o respaldo popular e capital político para implementar as mudanças que pretendia e cobrar sacrifícios, Sarney dependia fortemente do PMDB e de figuras como Ulysses Guimarães, que tinham longa luta de oposição ao regime militar pela reabertura democrática"
Aécio Neves,
senador (na época, secretário particular de Tancredo)