A estratégia do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque de investir em obras de arte parte de sua fortuna para dar uma fachada legal à propina recebida de contratos com a Petrobras é uma prática muito antiga. Durante a Operação Lava-Jato, a Polícia Federal apreendeu com o executivo – acusado de movimentar mais de R$ 70 milhões somente em operações no exterior – cerca de 132 obras de arte. Mas esse acervo pode ser considerado uma mixaria se comparado às 12 mil telas do acervo particular do banqueiro e controlador do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, preso em dezembro de 2006, condenado a 21 anos de prisão por lavagem de dinheiro, crime organizado e formação de quadrilha.
Condenado também num processo presidido por De Sanctis, o traficante internacional Juan Carlos Abadia – um dos chefes do maior cartel colombiano da droga e autor de pelo menos 300 assassinatos – adquiriu 195 obras, apreendidas em 2006, quando ele foi preso em São Paulo. Muito longe de ser um amante das artes, Abadia tinha em seu acervo preciosidades como um quadro do pintor Andreense Luiz Saciolotto (1924-2003), além de pinturas de Miró e Burle Marx. Em 2005, o também banqueiro Salvatore Cacciola foi condenado a 13 anos de prisão por peculato e gestão fraudulenta do Banco Marka. Com ele, a Justiça apreendeu 23 obras de arte do seu acervo, entre elas pinturas e gravuras de Manabu Mabe, Iberê Camargo, Milton Dacosta, Cícero Dias, Antônio Bandera e João Magalhães.
Migração Para De Sanctis, o controle global de movimentações financeiras nos últimos anos tornou a vida difícil para os fraudadores, traficantes de drogas, contrabandistas de armas e outros que lavam dinheiro e, portanto, eles migraram para o mundo da arte. “A arte é fácil de comprar, fácil de transportar e é fácil se esconder como um comprador. A indústria da arte é baseada no anonimato. Os fluxos de caixa não são regulamentados. E pinturas são fisicamente fáceis de contrabandear”, disse Fausto De Sanctis em entrevista a um jornal dinamarquês. Segundo ele, durante seu interrogatório, o traficante colombiano revelou que comprou, por várias vezes, obras de arte com dinheiro vivo dentro e fora do país. Revelou ainda que recebeu peças como forma de pagamento de drogas comercializadas pelo seu cartel.
Controle Em seu livro Lavagem de dinheiro por meio de obras de arte, lançado também na Europa e nos Estados Unidos, o desembargador De Sanctis defende um maior controle sobre este mercado, que tem recebido tratamento diferenciado. Segundo ele, mesmo quando as obras mais caras do mundo mudam de mãos, envolvendo somas milionárias, o comprador e o vendedor são muitas vezes anônimos para o público. O desembargador ressalta que investigadores, promotores, juízes e agências reguladoras da maioria dos países não estão equipados para detectar com precisão, investigar e processar este tipo de atividade criminosa. Além disso, as leis e tratados internacionais que envolvem o mundo da arte têm muitas lacunas que podem potencialmente levar à lavagem de grandes somas de dinheiro.
O desembargador relata também a primeira transação suspeita com uma peça de arte, que envolveu o famoso Altar de Ghent, na Bélgica. Desde que o pintor Jan van Eyck fez sua última pincelada, em 1432, os 12 painéis do quadro foram desmontados, adulterados, saqueados, contrabandeados, escondidos, censurados, vendidos ilegalmente, danificados pelo fogo, envolvidos em discussões diplomáticas, procurados tanto por Napoleão quanto pelos nazistas.
TESOURO à VISTA
Desde 2003, com a adoção da Lei 12.840, em julho, que os acervos de obras de arte são destinados a museus de bens de valor cultural, artístico ou histórico, quando apreendidos em controle aduaneiro ou fiscal, em pagamento de dívida e abandono. De autoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), a lei evita que as peças se deteriorem em depósitos do Judiciário, do Banco Central e outros órgãos do governo. Para a deputada, além disso, a norma assegura à população acesso a verdadeiros tesouros, antes confinados a compartimentos.