A insatisfação com a homenagem concedida pelo governo mineiro ao líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, extrapolou os protestos na cerimônia de entrega da Medalha da Inconfidência. Um dia depois da solenidade, a oposição na Assembleia repudiou a iniciativa e apresentou nessa quarta-feira (22) requerimento para tirar dele a honraria. Enquanto isso, indignados com o oferecimento da comenda, agraciados de outras edições resolveram devolver a condecoração.
Com pesar, mas convicto do ato, o juiz aposentado Mozart Hamilton Bueno, de 75 anos, enviou nessa quarta-feira por Sedex um pacote com medalha, passadeira e diploma recebidos em 1982 das mãos do então governador Francelino Pereira. Na época, ele era diretor do Colégio Tiradentes da Polícia Militar, em Barbacena, na Região Central de Minas. “Acho que a medalha deveria ser dada a alguém que prestou serviço ao estado, até um gari merece. Não um baderneiro, incentivador da desobediência civil, que invade propriedades produtivas, laboratórios. O critério é do mérito, e não político”, afirma. O MST, que luta pela reforma agrária, já esteve no centro de ações controversas.
Junto com as honrarias, Bueno também enviou uma carta ao governador Fernando Pimentel (PT) contando seus feitos como diretor do colégio. “Não sei se tão relevantes foram esses serviços, mas afirmo que durante os sete anos que dirigi o tal referido colégio entreguei-me de corpo e alma à missão e o fiz despontar”, escreve o juiz aposentado, que atualmente mora em Brasília. “Não me julgo superior a esse senhor Stédile, mas minha modesta biografia, a minha devoção ao meu Estado natal recomendam-me não aceitar esse nivelamento, razão pela qual e por imperativo da minha formação cívica, renuncio ao galardão”, completa.
Revoltado com o fato de Stédile ter sido condecorado, o consultor em comunicação Nestor Sant’Anna, de 71, que já foi secretário do Conselho da Medalha da Inconfidência, também vai devolver a homenagem assim que voltar a BH – ele está em viagem ao Rio. “Fiquei indignado com a condecoração. Stédile demonstra rebeldia, uma pessoa que prega invasões e destruição de laboratórios e campos de pesquisa não é um benfeitor”, diz. Sant’Anna foi chefe do cerimonial do governo entre 1971 e 1976, período em que recebeu a honraria. Como ex-secretário do conselho, reforça que a homenagem deve ser dada a pessoas com “comprovada atuação para engrandecer o estado e a nação”.
BANDIDO Na Assembleia, o clima esquentou. Stédile foi chamado por diversas vezes de bandido em plenário pela oposição. No requerimento pedindo para sustar os efeitos do ato do governador que concedeu a grande medalha, os parlamentares alegam que ele não se enquadra nos requisitos da legislação que define a honraria. “A rigor, até se ele, o senhor João Pedro Stédile, possuir alguma notoriedade em seu saber, ela o é criminal”, diz a justificativa. “Pelo que sabemos ele nunca prestou nenhum serviço ao estado. O que esperamos é que o governador reconheça o grande equívoco que cometeu e gerou críticas da imprensa nacional”, completou o líder do bloco oposicionista Gustavo Corrêa (DEM).
O deputado João Leite (PSDB) disse que vai devolver a medalha que ganhou em 1997 do governo Eduardo Azeredo (PSDB) assim que a encontrar. “Ela não tem mais o mesmo valor.
O líder do governo Durval Ângelo (PT) afirmou que o projeto de resolução não tem pega para ser aprovado, pois a norma só serve para sustar atos exclusivos do governador. Segundo ele, que reclamou da tentativa de “desmedalhização” do aliado, os homenageados são escolhidos por um conselho composto por representantes do Executivo, Legislativo e da sociedade civil. Segundo lei e decreto que regulam a comenda, ela é oferecida ao cidadão que “se distinga pela notoriedade de saber, cultura e relevantes serviços prestados à coletividade”. “Ele é um brasileiro de reconhecimento. Durante um congresso de movimentos sociais no Vaticano, o Stédile foi aclamado pelo Papa Francisco como uma grande liderança social”, afirmou Durval. O petista disse que é bom ter combatentes como ele homenageados em vez de “autoridades vazias”.
Já o secretário de Estado de Governo, Odair Cunha, disse que a decisão de homenagear o líder do MST foi de Pimentel. “A agenda agrária, da agricultura familiar, da terra é importante para o desenvolvimento de Minas. É importante dizer que Itamar Franco já fez homenagem ao MST, isso não é novidade”, afirma Cunha, que calcula haver em Minas cerca de 200 ocupações. A reportagem tentou contato, por telefone e e-mail com Stédile, mas não teve retorno..