Não à toa, o cidadão comum se sente incapaz de identificar diferenças programáticas em meio ao arsenal de siglas do sistema partidário brasileiro. Se muitas legendas tradicionais fazem escola, as “novatas” já nascem sob o signo de um programa preponderante: a contabilidade eleitoral. O caso do PSD é emblemático. Criado em 2011 para atender à conveniência das eleições municipais de 2012, no ano passado integrou a aliança formal da presidente Dilma Rousseff (PT). Só que, em Minas Gerais, a legenda apoiou a candidatura de Pimenta da Veiga (PSDB) – que por seu turno respaldou Aécio Neves (PSDB), principal adversário da petista na corrida nacional.
Em 2013, o PSD gastou aproximadamente R$ 5,2 milhões com fins doutrinários. A ideologia propalada – assim como o espectro de alianças – dá margem para abrigar todas as preferências. “Defendemos a iniciativa e a propriedade privadas, a economia de mercado como o regime capaz de gerar riqueza e desenvolvimento, sem os quais não se erradica a pobreza”, anuncia o portal institucional. Ao mesmo tempo em que sustenta o liberalismo político, o PSD pede “um estado forte e regulador”, democrático e centrado em “prioridades sociais”.
Situação semelhante ocorreu nas eleições gerais de 2014 com o PDT. O partido, que se define como um “socialista” de esquerda, trilhou caminho parecido ao do liberal mas nem tanto PSD: coligou-se ao PT na disputa presidencial, aos tucanos na disputa pelo governo de Minas, aos socialistas no Distrito Federal e país afora – como de resto a maior parte dos partidos políticos –, passeou pelo espectro ideológico e “programático” segundo a conveniência local. Em 2013, o PDT gastou R$ 5,03 milhões em ações com fins doutrinários e políticos. Da mesma forma, o PR, o PP, o PV, o PSL e dezenas de outras legendas de porte pequeno e médio são mais pragmáticos e menos programáticos na hora de definir as suas coligações.
Dos R$ 123,9 milhões utilizados em 2013 por partidos políticos para doutrinação, R$ 71,04 milhões foram aplicados em manutenção de instituto ou fundação, segundo estabelece a Lei dos Partidos Políticos. Os outros R$ 52,86 milhões foram gastos em propaganda partidária no rádio e na televisão, em produções audiovisuais, seminários, congressos e eventos. PT, PMDB e PSDB, legendas que mais receberam repasses do Fundo Partidário, foram também as que mais gastaram em doutrinação e educação política: respectivamente R$ 36 milhões, R$ 16,3 milhões e R$ 9,65 milhões.
Mais grave Se nas eleições majoritárias para a Presidência da República e governos dos estados a maioria das legendas não mantém uma coerência ideológica na natureza das alianças firmadas, nas eleições proporcionais o quadro é muito mais grave e atinge até o PSDB e o PT, partidos que, ao lado dos mais ideológicos, como o PSTU, Psol, PCO e PCdoB, apresentam maior coerência na política de alianças majoritárias. No Distrito Federal, a coligação proporcional para a Câmara, que foi base de apoio para a candidatura derrotada à reeleição do ex-governador Agnelo Queiroz (PT), teve tempero bastante diverso: além do PT e do PMDB, que sustentaram a reeleição de Dilma, fizeram parte o PRP, o PHS, o PPL e o PSL, que apoiaram Marina Silva, o PTdoB, o PEN, o PTN e o PTC, que estiveram com Aécio Neves, e ainda o PV, que lançou a candidatura própria de Eduardo Jorge. A mesma diversidade se estendeu pela coligação proporcional que sustentou a eleição de Rodrigo Rollemberg (PSB): o PSB, que ficou com Marina, uniu-se ao Solidariedade, que estava com Aécio, e ao PDT e PSD, apoiadores de Dilma.
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Fundo partidário
O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, conhecido como Fundo Partidário, é constituído por dotações orçamentárias da União e acrescido de multas e penalidades eleitorais. Os valores são repassados aos partidos políticos mensalmente e publicados no Diário da Justiça Eletrônico. Enquanto 95% dos recursos do Fundo Partidário são distribuídos às legendas com registro formal no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) segundo os votos nominais e de legenda obtidos em todo o país para a Câmara dos Deputados (os partidos mais votados recebem mais), 5% desta dotação é partilhada por igual entre as legendas, beneficiando mesmo aquelas que não conseguiram eleger um só deputado federal.
Imagem fragmentada nos portais das siglas
Análise do discurso institucional dos 32 partidos políticos disponível em seus respectivos portais, realizada pelo Observatório da Comunicação Institucional (OCI), do Rio de Janeiro, sustenta ser impossível para um cidadão comum que busca na internet informações sobre as legendas brasileiras apontar com objetividade quais são as diferenças programáticas substantivas entre elas. A conclusão é do doutor em Ciências da Comunicação Manoel Marcondes Machado Neto, diretor presidente do OCI.
Com formatos e funcionalidades muito variáveis de um para o outro, alguns websites se mostraram fragmentados, incompletos e desatualizados.
Algumas personalidades históricas frequentam mais de uma legenda. “Há uma espécie de mania de Getúlio Vargas. Muitos são os herdeiros do ex-presidente. Jesus Cristo também tem grande presença no discurso dos partidos políticos brasileiros”, continua Marcondes Neto. O primeiro é a referência maior das legendas que se declaram “trabalhistas” – como o PDT e o PTB. Mas também é lembrado pelo PPL – Partido Pátria Livre, de cunho nacionalista.
Segundo Marcondes, os partidos que levam “cristão” no nome, por sua vez, insistem nos valores religiosos, mas não deixam claro qual é a sua dimensão político-ideológica. “Apenas o PTC se declara um partido de direita, ou de centro-direita, associado ao liberalismo”, diz o pesquisador.
Os partidos mais à esquerda respaldam o seu discurso institucional na ideologia marxista. “Tanto o PCB quanto o PCdoB reivindicam o status de legenda comunista mais antiga do país. Ambos fazem referência ao período em que estiveram na ilegalidade. Luta é a palavra forte para esses partidos”, diz ele. Os termos “luta”, “sindical” e “estudantil” são também centrais no discurso do PSTU, acrescenta Marcondes.
Da análise, a pesquisa conclui: o discurso institucional dos partidos políticos brasileiros não comunica adequadamente a sua proposta ao eleitor. “Há ufanismo, bairrismo, casuísmo, personalismo, patriotadas, promessas e adjetivos. Faltam concisão, objetividade, organização, proposições claras, informação relevante, elucidação filosófica e esclarecimento político”, acrescenta o pesquisador. .