Cem dias à frente da Câmara dos Deputados foram suficientes para o parlamentar carioca Eduardo Cunha (PMDB) se transformar no maior opositor da presidente Dilma Rousseff (PT) no Poder Legislativo. Apesar de fazer parte da maior legenda da base aliada ao Palácio do Planalto, o deputado tem liderado movimentos de afronta ao governo, como a aprovação-relâmpago, na terça-feira, de proposta de emenda à Constituição (PEC) que tirou da presidente a possibilidade de indicar cinco cadeiras no Supremo Tribunal Federal (STF) até o final de seu mandato ao ampliar o limite de idade para aposentadoria compulsória dos ministros da Corte. O parlamentar está entre os políticos citados na investigação da Operação Lava-Jato e teve seu gabinete vasculhado a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot . Cunha e outros peemedebistas avaliam que houve interferência do Planalto nas investigações, embora a autorização tenha partido do ministro Teori Zavascki, do STF.
A chamada PEC da Bengala foi posta na pauta da Câmara de última hora na noite de terça-feira, numa demonstração de Cunha de que continua disposto a comprar briga com o Executivo. À tarde, servidores da Procuradoria Geral da República (PGR) estiveram na Câmara e fizeram diligências no Departamento de Informática atrás de registros relacionados a Cunha que pudessem servir como prova contra ele na Lava-Jato. No mesmo dia, às 20h30, a propaganda do PT em rede nacional de rádio e televisão trouxe o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazendo duras críticas à lei da terceirização, aprovada pelos deputados com o apoio explícito de Cunha. Minutos depois, o peemdebista suspendeu a sessão em que seria votada uma das medidas provisórias do ajuste fiscal do governo Dilma e colocou em votação a PEC – que estava parada na Casa –, atingindo em cheio as pretensões da presidente Dilma de nomear novos ministros no Supremo.
Origem
As hostilidades entre Cunha e o Planalto começaram na eleição para a presidência da Câmara, quando o governo apoiou o deputado Arlindo Chinaglia (PT) para impedir que peemedebista chegasse à principal cadeira da Casa. Com a bandeira da independência do Parlamento em relação ao Executivo, ele conseguiu apoio da oposição e de pequenos partidos na Casa para vencer a disputa logo no primeiro turno.
Uma nova manobra de Cunha permitiu que vários ministros fossem convidados para falar em comissões da Câmara. Sua ideia inicial era chamar um ministro por semana a partir de março, até que todos os 39 titulares dos ministérios de Dilma tivessem falado aos parlamentares. Alguns já passaram pelo Congresso e tiveram que enfrentar questionamentos e críticas dos deputados. A passagem pelo Parlamento mais controvertida foi a do então ministro da Educação Cid Gomes (Pros), convocado para explicar sua afirmação de que a Câmara tinha de “300 a 400 achacadores”. A “conversa” marcou um dos embates mais duros entre o Legislativo e o Executivo neste ano. Após bate-boca entre Cunha e Gomes, o PMDB ameaçou deixar a base governista e o Planalto preferiu demitir o ministro para não perder o aliado.
FGTS Apesar de o Planalto tentar convencer o Congresso a não aprovar medidas que impliquem em novos gastos para os cofres públicos em momento de crise econômica, o presidente da Câmara articulou um projeto de lei que propõe aumentar o índice de correção nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), protocolado por ele na terça-feira. A matéria é assinado por deputados do DEM e do Solidariedade , já que o regimento da Câmara impede o presidente da Casa de apresentar projetos. Questionado se consultou a equipe economia do governo antes de articular a proposta, Cunha afirmou que não viu necessidade. “Esse dinheiro não é tributo pago ao governo, ele não faz conta de superávit primário nem é caixa do governo, é dos trabalhadores”, disse.
Cunha tem participado de reuniões em assembleias legislativas de vários estados sobre diversos temas, apesar de enfrentar protestos contra pautas conservadoras que defende. Movimentação que alguns analistas políticos consideram direcionados para 2018, na próxima disputa pela Presidência da República. O parlamentar já admitiu o sonho de disputar o Planalto, mas, questionado recentemente sobre a possibilidade, preferiu se esquivar: “Para cada dia, sua agonia. Eu vivo uma agonia de cada vez”, afirmou.
‘Desespero’
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reagiu à diligência solicitada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, relacionada ao inquérito em que o deputado é alvo no Supremo Tribunal Federal (STF). “ Bastava ter mandado ofício que eu estaria plenamente à disposição”, criticou Cunha ontem.