Cem dias à frente da Câmara dos Deputados foram suficientes para o parlamentar carioca Eduardo Cunha (PMDB) se transformar no maior opositor da presidente Dilma Rousseff (PT) no Poder Legislativo. Apesar de fazer parte da maior legenda da base aliada ao Palácio do Planalto, o deputado tem liderado movimentos de afronta ao governo, como a aprovação-relâmpago, na terça-feira, de proposta de emenda à Constituição (PEC) que tirou da presidente a possibilidade de indicar cinco cadeiras no Supremo Tribunal Federal (STF) até o final de seu mandato ao ampliar o limite de idade para aposentadoria compulsória dos ministros da Corte. O parlamentar está entre os políticos citados na investigação da Operação Lava-Jato e teve seu gabinete vasculhado a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot . Cunha e outros peemedebistas avaliam que houve interferência do Planalto nas investigações, embora a autorização tenha partido do ministro Teori Zavascki, do STF.
Origem
As hostilidades entre Cunha e o Planalto começaram na eleição para a presidência da Câmara, quando o governo apoiou o deputado Arlindo Chinaglia (PT) para impedir que peemedebista chegasse à principal cadeira da Casa. Com a bandeira da independência do Parlamento em relação ao Executivo, ele conseguiu apoio da oposição e de pequenos partidos na Casa para vencer a disputa logo no primeiro turno. Apenas três dias depois, já no comando da Câmara, ele autorizou a criação de nova comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar irregularidades na Petrobras e deixou o PT de fora dos principais cargos do colegiado formado para discutir a reforma política.
Uma nova manobra de Cunha permitiu que vários ministros fossem convidados para falar em comissões da Câmara. Sua ideia inicial era chamar um ministro por semana a partir de março, até que todos os 39 titulares dos ministérios de Dilma tivessem falado aos parlamentares. Alguns já passaram pelo Congresso e tiveram que enfrentar questionamentos e críticas dos deputados. A passagem pelo Parlamento mais controvertida foi a do então ministro da Educação Cid Gomes (Pros), convocado para explicar sua afirmação de que a Câmara tinha de “300 a 400 achacadores”. A “conversa” marcou um dos embates mais duros entre o Legislativo e o Executivo neste ano. Após bate-boca entre Cunha e Gomes, o PMDB ameaçou deixar a base governista e o Planalto preferiu demitir o ministro para não perder o aliado.
FGTS Apesar de o Planalto tentar convencer o Congresso a não aprovar medidas que impliquem em novos gastos para os cofres públicos em momento de crise econômica, o presidente da Câmara articulou um projeto de lei que propõe aumentar o índice de correção nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), protocolado por ele na terça-feira. A matéria é assinado por deputados do DEM e do Solidariedade , já que o regimento da Câmara impede o presidente da Casa de apresentar projetos. Questionado se consultou a equipe economia do governo antes de articular a proposta, Cunha afirmou que não viu necessidade. “Esse dinheiro não é tributo pago ao governo, ele não faz conta de superávit primário nem é caixa do governo, é dos trabalhadores”, disse.
Cunha tem participado de reuniões em assembleias legislativas de vários estados sobre diversos temas, apesar de enfrentar protestos contra pautas conservadoras que defende. Movimentação que alguns analistas políticos consideram direcionados para 2018, na próxima disputa pela Presidência da República. O parlamentar já admitiu o sonho de disputar o Planalto, mas, questionado recentemente sobre a possibilidade, preferiu se esquivar: “Para cada dia, sua agonia. Eu vivo uma agonia de cada vez”, afirmou.
‘Desespero’
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reagiu à diligência solicitada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, relacionada ao inquérito em que o deputado é alvo no Supremo Tribunal Federal (STF). “ Bastava ter mandado ofício que eu estaria plenamente à disposição”, criticou Cunha ontem. “São circunstâncias que mostram o desespero do procurador de tentar alguma coisa que possa me incriminar”, completou. As buscas foram feitas no departamento de informática da Câmara. A Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou registros do sistema da Casa relacionados a Cunha, que aparece como autor de dois requerimentos sob suspeita no esquema de corrupção investigado na Operação Lava-Jato. Os documentos pediam informações ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério de Minas e Energia sobre contratos da Petrobras com a empresa Mitsui. De acordo com depoimento do doleiro Alberto Youssef, um réus da Lava-Jato que assinaram acordo de delação premiada, os requerimentos tinham como objetivo intimidar a empresa e forçá-la a retomar pagamentos de propina. Ontem, o presidente da Câmara, que nega ter redigido os requerimentos, afirmou ser necessário “normatizar e hierarquizar” o acesso de todos os servidores que detêm senhas na Câmara. O tema foi tratado em reunião na Mesa Diretora da Casa.A intenção é criar um ecanismo que identifique, por exemplo, quem usar a senha de um deputado para criar ou enviar documentos.